Dados do Trabalho
Título
RECONSTRUÇAO TARDIA DE LABIO INFERIOR APOS RESSECÇAO DE CARCINOMA AVANÇADO: RELATO DE CASO
Resumo
Introdução: Os lábios são elementos estéticos e funcionais essenciais no terço inferior da face, desempenhando um papel crucial na contenção de secreções salivares, alimentos e na comunicação. As deformidades labiais podem ser causadas por defeitos congênitos, traumas e neoplasias, sendo o carcinoma espinocelular o tipo mais prevalente no lábio inferior. O tratamento envolve ressecção radical seguida de quimioterapia e radioterapia, com técnicas de reconstrução variadas conforme a extensão do defeito. O retalho de Karapandzic é uma técnica neurovascular que é aplicada para defeitos até 80% do lábio. Objetivo: Relatar um caso desafiador de reconstrução tardia do lábio inferior três anos após ressecção oncológica, visando aprimorar a função oral comprometida. Método: Apresentação de um caso clínico de um paciente atendido no Hospital Municipal Barata Ribeiro em 2023. Resultados: Paciente masculino, 61 anos, ex-tabagista, submetido à ressecção de carcinoma espinocelular em 2020 e reconstrução primária. Em 2023, apresentava incontinência oral severa, ausência de vestíbulo oral e incapacidade de pronunciar fonemas bilabiais. Foi submetido a nova abordagem com retalho de Karapandzic, liberação de aderências fibróticas e enxerto de mucosa da língua. O pós-operatório incluiu fisioterapia orofacial e alimentação por sonda nasoenteral, sem complicações cirúrgicas. Observou-se melhora funcional significativa após seis meses. Discussão: A preservação do vestíbulo oral é crucial para a competência oral e comunicação. A reconstrução com retalho de Karapandzic e enxerto de mucosa da língua melhorou a qualidade de vida do paciente, apesar de limitações estéticas e microstomia residual. Conclusão: A técnica de Karapandzic, associada à enxertia de mucosa da língua, mostrou-se eficaz na reconstrução do lábio inferior e sulco gengivolabial, melhorando a função oral e a qualidade de vida do paciente. Refinamentos futuros podem otimizar os resultados estéticos.
Introdução
Os lábios representam um elemento estético dinâmico de significativa importância, situando-se na área central do terço inferior da face. A integridade labial desempenha um papel fundamental na função oral, promovendo a contenção de secreções salivares, alimentos sólidos e líquidos, e na comunicação, através da articulação da fala e mímica facial. As principais etiologias de deformidades labiais compreendem: defeitos congênitos, traumas e neoplasias.
O carcinoma espinocelular é o tipo histológico mais prevalente entre as neoplasias malignas que afetam o lábio inferior, representando aproximadamente 25 a 30% de todos os casos de câncer oral. Este tipo de câncer apresenta um potencial considerável para metástase, particularmente se não tratado precocemente. O tratamento padrão inclui a ressecção radical do tumor, seguida frequentemente por quimioterapia e radioterapia adjuvante, visando minimizar o risco de recorrência local e metastática. A abordagem terapêutica deve ser personalizada de acordo com o estágio do câncer, a extensão da lesão e as características individuais do paciente, visando otimizar os resultados oncológicos e preservar ao máximo a função e estética dos lábios.
Diversas técnicas de reconstrução têm sido descritas na literatura, adaptadas conforme a extensão do apresentado. Defeitos menores, representando até 30% da área labial, frequentemente podem ser corrigidos através de fechamento primário. Para defeitos de tamanho intermediário, que abrangem até 80% da área labial, são utilizados principalmente retalhos locais.
Gillies primeiramente descreveu uma técnica, em 1920, com uma transposição de pele, musculatura e mucosa nasolabial para o lábio inferior, por meio da qual denominou retalho Fanflap “em leque”. Posteriormente, em 1974, Karapandzic desenvolveu um retalho miocutâneo neurovascular que preserva a vascularização e inervação labiais, exigindo uma dissecção cuidadosa que não seccione as estruturas vasculares e nervosas, preservando a sensação e a motricidade do lábio reconstruído. Essa técnica pode ser realizada em tempo único, com a capacidade de preservar tanto a funcionalidade quanto a estética labial.
Objetivo
O objetivo deste estudo é relatar um caso desafiador de reconstrução tardia do lábio inferior. A abordagem foi realizada três anos após a ressecção oncológica e reconstrução inicial.
Método
Apresentação de um caso clínico de um paciente atendido no ambulatório de cirurgia plástica do Hospital Municipal Barata Ribeiro (HMBR), no Rio de Janeiro, no ano de 2023. Também houve a elaboração e aplicação de um questionário para autoavaliação do paciente diante das suas percepções da competência oral e comunicação.
Resultado
Paciente do sexo masculino, 61 anos, ex-tabagista (21 maço-ano), sem comorbidades, apresentou uma pequena lesão cutânea inicial em 2019, que evoluiu de forma agressiva ao longo de um ano, acometendo aproximadamente 80% do lábio inferior. Em 2020, em outro hospital, o paciente foi submetido à ressecção do carcinoma espinocelular, esvaziamento cervical e reconstrução primária utilizando fanflap de Gillies à direita e retalho de Karapandzic à esquerda, pela equipe de cirurgia de cabeça e pescoço. No entanto, houve deiscência da sutura na porção central, levando à decisão de realizar, um mês depois, um retalho de ABBÉ, no mesmo serviço.
No acolhimento do paciente em nosso ambulatório, em 2023, as seguintes sequelas foram evidenciadas: incontinência oral severa, exposição total dos elementos dentários inferiores, ausência do vestíbulo oral e incapacidade de pronunciar fonemas bilabiais. Observou-se uma intensa aderência dos retalhos ao periósteo do arco central da mandíbula, resultando na ausência do forro mucoso do sulco gengivo-labial. Também evidenciava-se déficit motor à direita do músculo orbicular da boca, apontando a necessária lesão dos ramos nervosos para a cura oncológica. O aspecto pré-operatório pode ser observado na imagem 1.
O paciente foi submetido, então, à nova abordagem, com confecção de um novo retalho de Karapandzic à direita. Foi realizada uma liberação ampla da aderência fibrótica entre o retalho e o periósteo do arco central da mandíbula, formando um novo vestíbulo oral, cuja face interna foi revestida com enxertia mucosa da língua. O retalho, a marcação e a sutura da enxertia são evidenciados na imagem 2.
Além de uma sonda nasoenteral mantida para alimentação por 3 semanas, o período pós-operatório também contou com fisioterapia orofacial e higiene com solução anti séptica adequada. Durante o acompanhamento pós-operatório não houveram complicações cirúrgicas como seroma, hematoma, deiscências ou infecções. O paciente manteve-se com microstomia, condição já presente no seu atendimento, mas sem impactos funcionais.
Na imagem 3 é possível observar o novo vestíbulo oral com 3 semanas de pós-operatório. Na imagem 4 aponta-se o aspecto estético pós-operatório com 6 meses.
Discussão
A preservação da estrutura labial inferior e presença do vestíbulo oral é de extrema importância para a competência oral, a qual é necessária para sugar, beijar, falar e, principalmente, conter alimentos e secreções salivares. A disfunção labial gera constrangimentos e impactos psicológicos dolorosos, restringindo o convívio social com família e amigos.
O caso torna-se desafiador pelo acometimento motor e desconfiguração do fundo de vestíbulo oral. Essas condições resultavam em uma incontinência oral grave, que impedia o paciente de beber ou se alimentar socialmente, além do escorrimento crônico da saliva.
Em 2024, durante seguimento ambulatorial pós-operatório, o paciente foi submetido ao questionário de autoavaliação da função oral, cujos resultados são evidenciados na imagem 5. Foi observada melhora na contenção de saliva na cavidade oral, na retenção de líquidos e sólidos durante a alimentação e na capacidade de articulação da fala.
Conclusão
Diante dos desafios da lesão avançada (T4a), complicações pós-operatórias e múltiplas abordagens cirúrgicas, o resultado estético foi limitado, embora ainda haja possibilidade de refinamentos futuros.
A utilização do retalho de Karapandzic associado à enxertia de mucosa da língua demonstrou ser uma boa opção para a reconstrução do lábio inferior e do sulco gengivolabial. Essa abordagem não apenas melhorou a continência oral, mas também proporcionou uma significativa melhora na socialização e na qualidade de vida do paciente.
Referências
KARAPANDZIC M. Reconstruction of lip defects by local arterial flaps. British Journal of Plastic Surgery 1974 Jan;27(1):93-7. doi: 10.1016/0007-1226(74)90068-x.
NELIGAN PC. Cirurgia plástica. Volume 3. Cirurgia craniomaxilofacial e cirurgia de cabeça e pescoço. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier Saunders, 2013.
JACKSON IT. Retalhos locais na reconstrução de cabeça e pescoço. Rio de Janeiro: Di Livros; 2015.
Palavras Chave
retalhos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Reconstrução de lábio
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Municipal Barata Ribeiro - Rio de Janeiro - Brasil
Autores
PEDRO PAULO MOREIRA MARQUES, LAURA SILVA DE OLIVEIRA MACHADO , LUCAS RIBAK MATTOS, GABRIELLE ALVES CALZA