Dados do Trabalho
Título
SIMETRIZAÇÃO COM IMPLANTES APÓS RESSECÇÃO DE NEUROFIBROMA PLEXIFORME EM MAMA
Resumo
A Neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença rara (1:2.500-3.000) do
grupo dos distúrbios neurocutâneos. Caracteriza-se pelo desenvolvimento de manchas café-com-leite, efélides, gliomas óticos, distúrbios do desenvolvimento ósseo, alterações cardiológicas e endocrinológicas, hamartomas de íris e neurofibromas. Os neurofibromas plexiformes podem atingir grandes dimensões, causar dor crônica, déficit neurológico, comprometimento de estruturas adjacentes, degeneração maligna e desfiguração corporal, com transtorno da autoimagem. Esse trabalho objetiva apresentar um caso de uma paciente portadora de neurofibroma plexiforme, que acometia toda a mama esquerda e estabelecer uma discussão acerca do diagnóstico e da abordagem terapêutica cirúrgica.
Introdução
A neurofibromatose tipo 1 (NF1) foi descrita pela primeira vez em 1881 pelo patologista alemão Friedrich Daniel von Recklinghausen. Trata-se de uma doença rara (1:2.500-3.000) do grupo dos distúrbios neurocutâneos, congênita, hereditária, autossômica dominante, com penetrância completa e expressividade variável. Caracteriza-se pelo desenvolvimento de manchas café-com-leite, efélides, gliomas óticos, distúrbios do desenvolvimento ósseo, hamartomas de íris, alterações cardiológicas e endocrinológicas e neurofibromas1.
Os neurofibromas plexiformes são definidos como tumores benignos da bainha neural dos nervos periféricos que envolvem múltiplos fascículos e são observados em cerca de 5% dos casos. Podem atingir grandes dimensões e determinar o surgimento de dor crônica, déficit neurológico, comprometimento de estruturas adjacentes, degeneração maligna e desfiguração corporal2.
Objetivo
Este trabalho objetiva apresentar um caso de neurofibroma plexiforme em mama esquerda, estabelecendo discussão acerca do diagnóstico e da abordagem terapêutica cirúrgica.
Método
Como metodologia para este trabalho, foi feito revisão sistemática da literatura a cerca de neurofibromatose do tipo 1, bem como para melhor relato do caso foram utilizados registros de prontuário eletrônico e fotografias pré, per e pós operatórias.
Resultado
Paciente sexo feminino, 22 anos, nuligesta, portadora de NF1, procurou o serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário das Ciências Médicas em Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, com queixa de desfiguração física por lesão deformante que acometia toda a mama esquerda, inclusive o complexo aréolo- papilar. Referia crescimento indolente desde a infância, com aumento pronunciado após a menarca. (Figura 1)
Apresentava inúmeras manchas café-com-leite em tronco desde o nascimento, além de neurofibromas cutâneos, iniciados na adolescência. Não soube informar sobre a história familiar por não ter contato com parentes consanguíneos.
Foi submetida a ressecção de todo o tecido mamário à esquerda, seguido de síntese primária (Figura 2). O estudo anatomopatológico confirmou a hipótese de neurofibroma extenso, sem atipias celulares.
Cerca de 24 meses após a ressecção inicial, paciente retornou ao ambulatório para reconstrução mamária. A realização do segundo tempo cirúrgico foi dificultada devido a pandemia de covid-19 e o atraso na autorização dos procedimentos cirúrgicos pela secretaria municipal de saúde de Belo Horizonte.
Para reconstrução e simetrizarão mamária, foi programado implantes mamários sem prévia expansão tecidual à esquerda, devido a boa elasticidade da pele (Figura 3). Para confecção da loja dos implantes foram feitas incisões nos sulcos inframamários e utilizado implantes mamários texturizados em plano subfascial, sendo volume de 300cc à esquerda e 210cc à direita. Foi feita fixação dos sulcos mamários com nylon 2.0 e as lojas dos implantes foi irrigada com solução antibiótica de gentamicina e cefazolina (Figura 4).
Em acompanhamento pós operatório tardio, cerca de 1 ano após o procedimento, foi visto uma melhora significativa da simetria e contorno das mamas, com boa cobertura e sem deslocamento dos implantes (Figura 5).
Discussão
A ocorrência das manifestações da NF1 varia de acordo com idade, podendo dificultar o diagnóstico, principalmente na primeira infância. Há possibilidade de se apresentar de forma branda, além da presença de múltiplas síndromes com pródromos semelhantes, como esclerose tuberosa, síndrome de McCune-Albright e ataxia telangiectásica, muitas vezes, retardam a identificação dessa morbidade.
A investigação da história familiar é importante, pois 50% dos pacientes afetados herdam a variante gênica defeituosa de um dos pais e os outros 50% são derivados de mutações espontâneas1. Essa avaliação foi impossibilitada pela ausência de dados.
As manchas café-com-leite podem se desenvolver desde o nascimento, aumentar em número ao longo da infância até a estabilização, sendo importantes para o diagnóstico precoce. Não há correlação entre o número de manchas e a gravidade da doença. Os neurofibromas cutâneos, por sua vez, são tumores benignos, que começam a crescer na puberdade e aumentam em tamanho e número por toda a vida. Não há risco elevado de malignização, contudo podem apresentar intenso prurido e, principalmente, desconforto estético com privação social1. Ambas as manifestações cutâneas foram evidenciadas no presente caso, sendo o diagnóstico confirmado no período pré-púbere após aparecimento dos neurofibromas.
Os neurofibromas plexiformes surgem em qualquer região do corpo e crescem de forma desordenada, atingindo volumes notáveis. Dependendo da localização e tamanho, podem gerar sintomas obstrutivos de estruturas como as vias aéreas ou urinárias, além de grande prejuízo psicológico devido à deformidade3.
O transtorno da auto-imagem foi o principal fator para indicação da abordagem cirúrgica do caso analisado, além do potencial de degeneração maligna. Embora a paciente não apresentasse queixa álgica ou relato de aumento progressivo da lesão, características associadas à provável malignidade. Estudos prévios referem um risco de 10% de malignização desses tumores, determinando metastatização rápida e pior prognóstico1,6. Além disso, de acordo com Sharif (2007), a ocorrência de câncer de mama é 3,5 vezes maior na população com NF1 e, nas mulheres com menos de 50 anos, a incidência aumenta para 4,9 vezes. Portanto, indica-se a realização de mamografia em mulheres com NF1 após os 30 anos e ressonância magnética contrastada entre 30 e 50 anos6.
Devido ao acometimento completo da mama esquerda, incluindo o complexo areolo-papilar, foi optado pela mastectomia. O ato operatório foi de difícil realização, em decorrência da extensa infiltração local dos tecidos e ausência de plano de clivagem, além da vascularização aumentada e hemostasia laboriosa, características comumente evidenciadas em neurofibromas volumosos7. Para o segundo tempo cirúrgico, a reconstrução com utilização de implantes mamários de silicone apresentou um bom ganho na simetria entre as mamas.
A neurofibromatose tipo I é uma doença com variadas apresentações,
resultando em diferentes abordagens terapêuticas1. Por muito tempo, a ressecção cirúrgica das lesões cutâneas era a única terapia eficaz, contudo, recentemente, a terapia oral com Selumetinibe, tem demonstrado efetividade na redução dos neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis. Relata-se redução de até 30% do tamanho da lesão em cerca de 70% dos pacientes pediátricos (2 a 18 anos) e estabilização do crescimento na população remanescente estudada, contudo não há estudos referente a pacientes adultos. O uso do Selumetinibe foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) nos EUA em 2020 para o tratamento de crianças acima de 3 anos com neurofibromas plexiformes sintomáticos e/ou progressivos que sejam inoperáveis5. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não liberou o uso de medicamentos até o presente momento, sendo a ressecção cirúrgica considerada a única forma de tratamento no país.
Conclusão
O tratamento da NF1 deve ser individualizado, visto que a gravidade da doença e a intervenção depende das manifestações clínicas. A ressecção cirúrgica dos neurofibromas plexiformes é importante na abordagem de lesões que afetam a percepção da auto-imagem e o convívio social desses pacientes. A terapêutica cirúrgica é desafiadora, podendo ser necessária a realização de múltiplas abordagens para atingir o resultado ideal para cada caso.
Referências
1- Baumgartner AC, Azizi AA. Neurofibromatose Typ 1 – State of the art. J Klin Endokrinol. Stoffw. 2021;14:20–8.
2- Ritz GM, Batti HTB, Vigeti NC, Roça GB, Pintarelli G. Neurofibroma plexiforme gigante de dorso – relato de caso. Arquivos Catarinenses de Medicina. 2009;24(3):381-4.
3- Canavese F, Krajbich JI. FRCS. Resection of Plexiform Neurofibromas in Children With Neurofibromatosis Type 1, J of Pediatric Orthopaedics. 2011; 31; 303-311
4- Sharif S, Moran A, Huson SM, Iddenden R, Shenton A, Howard E, Evans DG. Women with neurofibromatosis 1 are at a moderately increased risk of developing breast cancer and should be considered for early screening. J Med Genet. 2007; 44; 481-484.
5- Gross AM, Wolters PL, Dombi E, et al. Selumetinib in Children with Inoperable Plexiform Neurofibromas. N Engl J Med. 2020; 382; 1430–1442.
6- Bruce RK, Mina L, Laura KM. Neurofibromatosis type 1 (NF1): Management and prognosis. Jun 09, 2021 [citado em Sept 18, 2021]. Em UpToDate [Internet]. Filadélfia (PA): WoltersKluwern Health, 2021 – Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/neurofibromatosis-type-1-nf1-management-and-prognosis?search=Neurofibromatosis%20type%201%20(NF1):%20Management%20and%20prognosis&source=search_result&selectedTitle=1~149&usage_type=default&display_rank=1
7- Dias IS, Pessoa SGP, Macedo JE, Cavalcante DJ, Alencar JCG. Abordagem cirúrgica de neurofibroma gigante. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(2):336-9
Palavras Chave
Neurofibromatose; Neurofibroma Plexiforme; Doença de Von Recklinghausen
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Universitário Ciências Médicas de Minas Gerais - Minas Gerais - Brasil
Autores
FLAVIA GODTFREDSEN DE SOUZA, JOAO LUCAS DE CARVALHO GOMES, RENATA CAPPAI DA COSTA PAZ, GABRIEL MAGALHÃES DUARTE, LUCIO FLAVIO MANETTA MARTINS BELEM, FERNANDA RODRIGUES DO ESPÍRITO SANTO