Dados do Trabalho
Título
Reconstrução de pálpebra inferior com retalho de Mustarde associado a enxerto condromucoso nasal
Resumo
O carcinoma basocelular (CBC) é o câncer de pele mais comum no Brasil. Sua incidência está aumentando globalmente e é o dobro da do carcinoma espinocelular. Os principais fatores de risco incluem exposição à luz ultravioleta, imunossupressão, características fenotípicas como pele clara e olhos claros, e histórico de radioterapia. Apesar de raramente metastático (taxa <0,1%), o CBC pode causar destruição local significativa.
O tratamento preferencial é a excisão cirúrgica. Após a excisão, é necessária reconstrução local, especialmente complexa em casos envolvendo a pálpebra inferior.
O retalho de Mustardé é uma técnica de reconstrução usada na pálpebra inferior após remoção de CBC, eficaz para defeitos que comprometem mais de 50% da pálpebra, preservando funcionalidade e estética. Esse retalho de rotação repara defeitos extensos da lamela anterior e pode ser associado a enxertos de cartilagem para suportar a lamela posterior, minimizando complicações pós-operatórias.
Introdução
O carcinoma basocelular (CBC) é o câncer de pele mais comum no Brasil, afetando principalmente indivíduos de pele clara.3 Sua incidência está aumentando no mundo, o carcinoma basocelular é duas vezes mais comum que o carcinoma espinocelular, o segundo tipo de câncer de pele mais comum.7
Dentre os fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento do carcinoma basocelular, a exposição a luz ultravioleta é o principal fator carcinogênico e elementos como tempo, quantidade e padrão de exposição são importantes. Outros fatores de risco são imunossupressão, pele clara, cabelo loiro ou ruivo, cor clara dos olhos e radioterapia.7
Esse tipo de neoplasia é raramente metastático, com taxa metastática <0,1%, sendo geralmente de bom prognóstico. Apesar disso, o CBC pode causar destruição local importante e envolver extensas áreas além da pele.3,7
O carcinoma basocelular pode ser dividido histologicamente em seis subtipos, os quais apresentam características clínicas e padrão de agressividade diferentes entre si. Os subtipos não agressivos são os superficiais e os nodulares. Os agressivos são micronodular, infiltrativo, metatípico e esclerodermiforme.3 A maioria dos CBCs são mistos (mais de um subtipo está presente na mesma lesão), e neste caso, a forma mais agressiva define o prognóstico do tumor.1
O tratamento de primeira escolha dessas lesões é a excisão cirúrgica, porém outras modalidades terapêuticas estão disponíveis, como terapia tópica com imiquimode, 5-fluorouracil, curetagem e eletrocauterização, crioterapia, terapia fotodinâmica, cirurgia micrográfica de Mohs, radioterapia e terapias sistêmicas.7
Após a excisão cirúrgica do CBC, procede-se com a reconstrução local. Em caso de tumores que acometem a pálpebra inferior, a escolha da técnica de reconstrução deve basear-se em fatores como o tamanho do defeito resultante, localização e profundidade. As opções variam desde o fechamento primário e enxertos cutânea, até utilização de enxertos compostos com retalhos cutâneos locais.4,5
O retalho de Mustardé é uma técnica utilizada na reconstrução cirúrgica da pálpebra inferior, frequentemente aplicada em casos de remoção de lesões como o carcinoma basocelular. Essa técnica é particularmente útil para reparar grandes defeitos, que comprometem mais de 50% da pálpebra inferior, preservando tanto a funcionalidade quanto a estética da área.5
Esse retalho de rotação pode ser utilizado para reparar defeitos extensos da lamela anterior da pálpebra inferior e também para reparar defeitos na lamela posterior quando há utilização do retalho com enxerto de cartilagem, associação essencial para esse tipo de reconstrução complexa por promover cobertura e sustentação do tecido, visando minimizar complicações no pós-operatório.2,6
Objetivo
Relatar um caso de carcinoma basocelular em pálpebra inferior com a utilização de retalho de Mustardé associado a enxerto condromucoso nasal, com evolução clínica pós-operatória satisfatória.
Método
Relato de caso clínico específico através de consulta de prontuário, documentação de prontuário médico institucional, arquivo fotográfico pessoal e revisão bibliográfica. Para a revisão foram utilizadas bases de dados Lilacs, PubMed, MedLine, Scielo, com revisão de artigos entre 2010 e 2024.
Resultado
Paciente J.C.M.L., masculino, 83 anos, com antecedentes pessoais de arritmia, hipotireoidismo e carcinomas basocelulares prévios, já tendo realizado cirurgias prévias para exérese de CBC na hélice da orelha esquerda. Paciente em seguimento em ambulatório de Dermatologia, em vigência de tratamento com nicotinamida, foi submetido a biópsia incisional de lesão eritematoceratósica em canto lateral da pálpebra inferior esquerda, cujo resultado anatomopatológico evidenciou um carcinoma basocelular nodular infiltrando até a derme profunda. Foi encaminhado ao serviço de Cirurgia Plástica para a avaliação e programação de abordagem cirúrgica desta lesão.
Após coleta de exames e avaliação pré-operatória adequada, paciente foi submetido a exérese de lesão em pálpebra inferior esquerda sob dermatoscopia e margem de 4mm (figura 1). Após a exérese da lesão palpebral, um enxerto condromucoso foi retirado do septo nasal e posicionado sobre o defeito na pálpebra (figura 2). Após a fixação, o retalho de Mustardé foi descolado e mobilizado para a cobertura do defeito, com posterior sutura local (figura 3).
No pós-operatório, evoluiu sem queixas, sem complicações locais. O resultado da análise anatomopatológica corroborou o diagnóstico da biópsia incisional de carcinoma basocelular nodular, com margens da peça cirúrgica livres de neoplasia. Realizou consultas de retorno semanais no primeiro mês após a cirurgia, posteriormente quinzenais e mensais. Quatro meses após a cirurgia, o paciente permaneceu sem queixas, sem lagoftalmo, ectrópio ou sinais de recidiva da doença (figura 4).
Discussão
A reconstrução da pálpebra inferior após a remoção de carcinoma basocelular (CBC) pode ser complexa devido à necessidade de restaurar tanto a funcionalidade quanto a estética da área afetada. Para defeitos significativos (>50%) da pálpebra inferior, a combinação do retalho de Mustardé e enxerto condromucoso é uma técnica eficaz.
O retalho de Mustardé é um método de reconstrução baseado em um retalho de rotação que se estende a partir da pele adjacente ao defeito, geralmente da área malar. Este retalho é utilizado para cobrir grandes defeitos da lamela anterior da pálpebra, usando pele com uma cor e textura semelhantes, minimizando cicatrizes visíveis e preservando a função palpebral.
O enxerto condromucoso é utilizado para reparar a lamela posterior da pálpebra. Este enxerto é composto de cartilagem e mucosa, que podem ser coletados da orelha, septo nasal ou mucosa oral.
Essa opção de reconstrução das lamelas anterior e posterior da pálpebra inferior visam preservar o movimento normal da pálpebra e proteger a superfície ocular, proporcionando uma aparência mais natural e visando evitar deformidades.
Estes procedimentos são tecnicamente exigentes e devem ser realizados por um cirurgião experiente em reconstrução oculoplástica.
Os cuidados no pós-operatório incluem monitoramento da cicatrização, prevenção de infecções, e possíveis ajustes para garantir a funcionalidade e a aparência desejada.
Conclusão
A reconstrução de defeitos palpebrais é desafiadora devido a necessidade de preservação funcional e estética local. Muitas técnicas podem ser utilizadas e sua escolha deve basear-se nas condições do paciente, do defeito a ser reconstruído e do domínio do cirurgião. Neste relato expôs-se a associação do retalho de Mustardé com enxerto condromucoso para a reconstrução da pálpebra inferior como um método eficaz para tratar defeitos complexos e extensos da pálpebra inferior, especialmente após a remoção de lesões como o carcinoma basocelular.
Referências
1. Basset-Seguin, N., Herms, F. Update on the Management of Basal Cell Carcinoma. Acta Derm Venereol 2020; 100: adv00140
2. Bastian, LLS., Miller, MDB., Boa, MAF., Loda, G. Retalho de dupla transposição para reconstrução de pálpebra inferior: relato de caso de uma nova abordagem cirúrgica. Rev. Bras. Cir. Plást. 2023;38(1):e0680
3. Cerci, FB., Kubo, EM., Werner, B. Comparação entre os subtipos de carcinomas basocelulares observados na biópsia pré-operatória e na cirurgia micrográfica de Mohs. An Bras Dermatol. 2020;95(5):594-601
4. Chedid, R., Borges, KS., Santos, P., Sbalchiero, JC., Dibe, MA., Leal, PR. Perfil das reconstruções de pálpebra inferior no Instituto Nacional do Câncer: estudo retrospectivo de 137 casos. Rev. Bras. Cir. Plást. 2010; 25(supl): 1-102
5. Durso, DA., Bocardo, SD. Reconstrução das zonas II e III palpebrais: série de casos. Rev. Bras. Cir. Plást. 2020;35(3):288-293
6. Lima, DA. Reconstrução total de pálpebra inferior com associação dos retalhos de Hughes e Destro. Rev. Bras. Cir. Plást. 2018;33(3):364-373
7. Schmults, CD., Blitzblau, R., Aasi, SZ., Alam, M., Amini, A., Bibee, K., Bordeaux, J., Chen, PL., Contreras, CM., Dimaio, D. Basal Cell Skin Cancer, Version 2.2024, NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Journal Of The National Comprehensive Cancer Network, [S.L.], v. 21, n. 11, p.1181-1203, nov. 2023. Harborside Press, LLC. http://dx.doi.org/10.6004/jnccn.2023.0056.
Palavras Chave
Mustardé; Reconstrução palpebral; enxerto
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - São Paulo - Brasil
Autores
ANNA LUIZA NUNES DE FREITAS, HELIO KIYOTO MAEBAYASHI, EDUARDO MACHADO MARIANO, VIVIAN CALVINO LAGARES SCALCO, RAFAELA MIHO YTO, ATHOS ALVARES DUTRA