60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RETALHO DE ABBE ESTENDIDO PARA RECONSTRUÇAO DE LABIO SUPERIOR E ASA NASAL ESQUERDA

Resumo

O retalho de Abbé, descrito por Robert Abbé, em 1898, é um retalho axial baseado no pedículo da artéria labial e utilizado na reconstrução de defeitos labiais de espessura total. Por causa de sua versatilidade e reprodutibilidade, este retalho se torna uma alternativa importante para reconstrução de lábio superior e, no presente caso, desejou-se estender sua aplicabilidade devido a sua grande extensão e volume para reconstrução de asa nasal esquerda.Trata-se de paciente do sexo masculino, 46 anos, vítima de mordedura de cão de grande porte com destruição em espessura total de cerca de 80% de lábio superior, filtro e asa nasal esquerda. Sabe-se que reconstruções em face pós traumáticas são procedimentos complexos que requerem mais de um tempo cirúrgico. Por este motivo, o paciente passou por 4 cirurgias desde o trauma agudo até o refinamento do lábio e asa nasal esquerda, retomando a estética facial, e, sobretudo, a função das estruturas reconstruídas.

Introdução

O retalho de Abbé, descrito por Robert Abbé, em 1898, é um retalho axial baseado no pedículo da artéria labial e utilizado na reconstrução de defeitos labiais de espessura total¹. O objetivo é realizar a transposição de uma porção do lábio superior para o inferior ou de inferior para superior mantendo, em um primeiro momento, a irrigação do retalho baseado em ramo direito ou esquerdo de artéria labial superior ou inferior. A divisão do pedículo é realizada 14-21 dias mais tarde. A porção muscular do retalho sofre um processo de neurotização a partir da musculatura vizinha, tornando-se funcional em um período de 12 meses. Reconstruções faciais pós-traumáticas podem ser complexas de serem realizadas devido a perdas importantes de todas as camadas de tecidos que cobrem e dão função à face, além de ser uma parte do corpo especialmente envolvida com a fisionomia e bem estar social do paciente. Por este motivo, ao se planejar reconstruir esta área, é importante pensar na melhor alternativa entre suturas primárias, enxertos e retalhos que garantirão não apenas a função como a estética facial. No caso descrito, o grande diferencial se deu por ousar em estender a técnica tradicional do uso do retalho de Abbé para realizar um segundo retalho de avanço permitindo reconstrução de asa nasal esquerda.

Objetivo

Realizar a técnica tradicional do retalho de Abbé para reconstruir o lábio superior e estender sua aplicabilidade para reconstrução de asa nasal esquerda.

Método

Aplicar a extensão do retalho de Abeé em um paciente do sexo masculino, de 46 anos, vítima de trauma facial complexo por mordedura canina de grande porte, cursando com destruição em espessura total de cerca de 80% de lábio superior, filtro e asa nasal esquerda (figura 1). O paciente deu entrada no Hospital João XXIII com cerca de 8 horas de acidente. Foi admitido em sala de politrauma e instituído protocolo ABCDE do trauma. Iniciada hidratação e analgesia venosa, além de antibioticoterapia com amoxacilina + clavulanato, pensando na cobertura de germes provenientes da mordedura. Levado ao bloco cirúrgico, sob anestesia geral com lavagem exaustiva de ferimentos e confecção do retalho de Abbé com grande volume, com área doadora em lábio inferior, sendo pediculado em ramo lateral direito de artéria labial inferior. Deixada pequena área cruenta nas laterais do retalho na área receptora (figura 2). Teve alta precoce, no segundo dia pós operatório, e recebeu orientações gerais e de dieta líquida completa com uso de canudos plásticos em aberturas entre os lábios, deixadas pelas extremidades laterais do retalho, próximo às comissuras labiais. Foi acompanhado ambulatorialmente e programado o segundo tempo cirúrgico para 21 dias depois (figura 3). Na segunda cirurgia, também sob anestesia geral, foi realizada secção do pedículo de retalho com avanço do mesmo sobre a asa nasal esquerda, causando oclusão completa da narina esquerda. Optado por deixar drenos plásticos de sondas uretrais de pequeno calibre para drenagem espontânea de secreções. Procedimento também sem intercorrências e com recebimento de alta precoce (figura 4). O terceiro tempo cirúrgico foi destinado à reconstrução definitiva da asa nasal esquerda. Para tal finalidade, paciente submetido, sob anestesia geral, 21 dias após a segunda cirurgia, à incisão em retalho na divisão entre asa nasal e estruturas no novo filtro e lábio superior. Neste mesmo tempo optou-se por realização de enxerto cartilaginoso com área doadora em concha de orelha ipsilateral para reconstrução adequada e estruturada de arcabouço cartilaginoso de asa nasal + enxerto de pele de espessura total para reconstrução de vestíbulo nasal, restabelecendo forma e função da asa nasal esquerda. Houve sofrimento transitório deste novo retalho em asa nasal, com provável congestão venosa, que evoluiu com resolução espontânea e alta no quarto dia pós-operatório. Dois meses depois, retornou para reavaliação com ótima integração de retalhos e retomada completa de funções de fala, continência bucal e ventilação sem dificuldades pela narina reconstruída (figura 5). Houve decisão conjunta entre equipe assistente e paciente pela realização de uma quarta cirurgia para refinamento de bordas de retalhos com finalidade estética, sendo obtidos excelentes resultados.

LEGENDA DAS FIGURAS:
Figura 1) Defeito inicial com perda de 80% do lábio superior, sulco filtral e asa nasal esquerda (fonte: arquivo pessoal do autor).
Figura 2) Primeira reconstrução: retalho de Abbé (fonte: arquivo pessoal do autor).
Figura 3) Resultado 21 dias após confecção de retalho de Abbé (fonte: arquivo pessoal do autor).
Figura 4) Avanço de retalho para reconstrução de asa nasal esquerda (fonte: arquivo pessoal do autor).
Figura 5) Reconstrução de lábio superior e asa nasal esquerda (fonte: arquivo pessoal do autor).

Resultado

Houve excelente integração dos retalhos confeccionados com deformidades mínimas, quase imperceptíveis. Retomada completa de funções de fala, continência bucal e ventilação sem dificuldades pela narina reconstruída. O resultado estético da cirurgia ficou excelente na opinião do paciente e da equipe, podendo ser individualizadas estruturas anatômicas importantes e marcantes da face como lábio superior e inferior (com boa diferenciação na linha de transição do vermelhão), restabelecimento de sulco filtral, colunas e tubérculo do lábio superior. A asa nasal esquerda ficou bem estruturada permitindo funcionalidade adequada e bom resultado estético (figura 5).

Discussão

Defeitos de lábio superior e inferior são comuns nas práticas cirúrgicas de cirurgiões plásticos e faz parte desta formação conhecer as possibilidades de reconstruções dos lábios.
As origens dos defeitos são as mais variadas possíveis, sendo as mais comuns relacionadas à tratamentos oncológicos, seguidas por traumas.
Defeitos de espessura parcial podem ser tratados com retalhos de avanço da mucosa oral ou de língua ou mesmo com enxertos. Ressecções em cunha também podem ser tratadas com aproximação primária de tecidos laterais desde que não ultrapassem 25% de perda em lábio superior e 30% em lábio inferior. Para defeitos de espessura total que acometem 30 a 80% dos lábios são necessários retalhos mais complexos e amplos como o de Abbé.
O retalho clássico de Abbé pode reconstruir defeitos mediais ou laterais do lábio com um retalho composto e de espessura total, reconstituindo todas as três camadas e restaurando a continuidade do vermelhão².
A reconstrução labial com retalho de Abbé apresentou-se como boa opção de tratamento no caso relatado, devido à perda de volume causada pela mordedura, além da necessidade de se confeccionar um retalho volumoso que pudesse permitir o avanço em um segunda tempo para reconstrução de asa nasal. Desse modo, o retalho forneceu tecido com volume e elasticidade suficiente para correção funcional e estética do defeito após o trauma do lábio superior. No entanto, apresenta como desvantagens a realização de dois estágios obrigatórios, limitação da abertura bucal durante o processo de autonomização e cicatriz na área doadora em lábio inferior³⁻⁴.

Conclusão

O retalho de Abbé mostrou-se como um retalho versátil, de ampla aplicabilidade e fácil reprodutibilidade. Devido à vasta vascularização da região, o retalho pode sofrer diferentes formas de rotação, avanço e transposição, com sofrimento mínimo podendo, portanto, ter sua aplicação estendida para reconstrução e cobertura de outras estruturas adjacentes na face, além dos lábios.

Referências

1. Schutle DL, Shenis DA, Kaspenbauer JL. The anatomical basis of the Abbé flap. Laryngoscope. 2001;111(3):382-6.
2. Neligan PC. Cirurgia plástica: princípios. 3a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015.
3. Kogut J, Sbalchiero JC, Leal PRA. Reconstrução labial. In: Mélega JM, ed. Cirurgia Plástica: fundamentos e arte. Rio de Janeiro. Medsi; 2002. p.930-48.
4. Baumann D, Robb G. Lip reconstruction. Semin Plast Surg. 2008;22(4):269-80. DOI: http://dx.doi.org/10.1055/s-0028-1095886.

Palavras Chave

trauma; reconstrução; lábio.

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital João XXIII - FHEMIG - Minas Gerais - Brasil

Autores

IGOR PIMENTA DE SOUZA, SUSANA ORELLANA COCA, MÁRIO SÉRGIO SOARES DE PAULA, SAULO DÉLIA PINTO DE ARRUDA, RICARDO MENDES CORREA