Dados do Trabalho
Título
GIGANTOMASTIA GESTACIONAL APOS ESTIMULO HORMONAL – UM RELATO DE CASO
Resumo
A gigantomastia gestacional é uma condição rara caracterizada pelo crescimento progressivo das mamas durante a gravidez, mais frequente entre o primeiro e o segundo trimestre. Seu diagnóstico é clínico e o tratamento pode ser conservador, hormonal ou cirúrgico, sendo esta modalidade reservada para os casos refratários à terapia hormonal ou complicações. Relata-se o caso de uma paciente multípara que apresentou gigantomastia gestacional com início na 12ª semana de gestação, complicada com ulceração e necrose em virtude da qual houve indicação de abordagem cirúrgica com mamoplastia redutora na 26º semana, com exérese de 19375 g de mama. Ela apresentou múltiplas intercorrências clínicas após essa abordagem, resultando em internação prolongada. Esse é um exemplo do manejo desafiador da condição e da necessidade de estudo aprofundado para melhor manejo da doença.
Introdução
A gigantomastia gestacional é uma entidade rara caracterizada por um crescimento mamário rápido, excessivo e difuso durante a gestação1,2, tipicamente entre o primeiro e o início do segundo trimestre3,4,5. Ocorre mais comumente em caucasianas e multíparas1,5.
A patogênese não está completamente elucidada, porém várias teorias foram propostas como: desbalanço hormonal, autoimunidade e associação com malignidade1,3,6. Estima-se que a incidência varia de 1/28.000 para 1/100.0002,5,7,8. O primeiro caso foi descrito em 1684 e, desde então, menos de 100 casos foram descritos na literatura 7,8. Os pacientes se apresentam com um aumento excessivo das mamas acompanhado de ulceração e necrose da pele, infecção e hemorragia 1, podendo também levar a distúrbios emocionais, sociais e psicológicos 1,8.
O tratamento da gigantomastia se divide nas seguintes modalidades: conservador, hormonal e cirúrgico. Não há um consenso quanto ao melhor tratamento e a definição deve ser particularizada ao caso 6,7,8. Nos casos sem resposta a terapia medicamentosa ou com complicações como hemorragias, ulceração e necrose ou insuficiência cardíaca, opta-se pelo tratamento cirúrgico - mamoplastia redutora ou mastectomia com reconstrução imediata ou em 2º tempo 4,6,7.
Objetivo
Relatar um caso raro e peculiar de gigantomastia gestacional atendido no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) em paciente grávida por fertilização in vitro num útero de substituição, bem como sua abordagem cirúrgica e evolução clínica com todas as intercorrências e desfecho.
Método
Baseado em revisão de prontuário e registro fotográfico perioperatório após autorização da mesma por meio de termo de consentimento livre e esclarecido somado a revisão de literatura pertinente ao tema.
Resultado
Trata-se de uma paciente feminina de 36 anos, G4Pn3A0 admitida no HCFMUSP com 25 semanas de gestação por quadro de dorsalgia, mastalgia e infecção de trato urinário. Ela havia feito fertilização in vitro em um útero de substituição para a qual foi realizado preparo endometrial com progesterona em serviço externo.
Relatou que na 12ª semana de gestação iniciou crescimento progressivo de mamas bilateralmente. Foi submetida a biópsia por punção de mama esquerda e prescrito cabergolina 1 mg/dia, sem efeito no crescimento das mamas. Apresentou mastalgia intensa, necrose e ulceração de mama esquerda. Negava comorbidades, uso de medicações ou antecedentes pessoais e familiares de doença mamária. Peso prévio à gestação 74 Kg, sendo admitida às 25 semanas com 114 Kg.
Na admissão apresentava aumento mamário bilateral discretamente maior à esquerda, onde apresentava necrose, ulceração e infiltração da pele. Internada pela equipe da mastologia e obstetrícia e iniciada antibioticoterpia com clindamicina. (Fotos 1,2)
O anatomopatológico demonstrou PASH (hiperplasia estromal pseudoangiomatosa), característica de gigantomastia. Considerando o crescimento progressivo, e as complicações locais, optou-se pelo tratamento cirúrgico.
Foi programada mamoplastia redutora às 26 semanas, pela mastologia com a cirurgia plástica, com monitorização fetal intraoperatória pela obstetrícia, após corticoterapia para indução da maturidade pulmonar fetal, pelo risco de parto prematuro.
Ela foi submetida a mamoplastia redutora a Thorek sob anestesia geral. A cirurgia foi de difícil execução em virtude de sangramento profuso. Evoluiu com choque hipovolêmico, com perda de batimentos cardiofetais em cardiotocografia e ultrassonografia. Pelo risco materno optou-se por não realizar cesárea, prosseguir com mamoplastia e acionado protocolo de transfusão maciça.
Foram ressecados 8755 g de mama direita e 10620 g de mama esquerda. Montadas mamas, locado dreno de pressão negativa de 4,8 Fr em cada mama e enxertado complexo aréolo-papilar em mama direita e aréola em mama esquerda fixados com curativo de Brown. Ao fim do procedimento de 06 horas ela foi encaminhada para UTI para cuidados intensivos em uso de droga vasoativa e oligúrica. (Foto 3)
Recebeu alta da UTI no 7º PO, quando evoluiu com expulsão vaginal de óbito fetal sem intercorrências.
No 9º dia pós-operatório foi readmitida na UTI com náuseas e vômitos, dor abdominal, nova piora de função renal e leucocitose. Foi realizada Tomografia computadorizada de abdome, que identificou achados sugestivos de pancreatite aguda necrotizante com coleções retroperitoneais e sangramento ativo de ramo de artéria gastroduodenal. Manejada clinicamente, sem indicação de abordagem cirúrgica ou por radiointervenção.
Outras complicações que ocorreram foram: lesão renal aguda KDIGO 3, esofagite Los Angeles D, farmacodermia inespecífica NET-like, colite pseudomembranosa, Herpes genital e infecção de corrente sanguínea.
A paciente recebeu alta hospitalar no 70º dia de internação, para seguimento ambulatorial pela Cirurgia Plástica, cirurgia geral e dermatologia, com função renal normalizada e para programação ambulatorial de mastopexia secundária. (Fotos 4,5)
Discussão
O caso acima descrito é um exemplo da raridade e particularidade clínica da gigantomastia gestacional. A paciente em questão apresenta-se dentro da estatística considerando o fato de ser multípara e ter ocorrido entre o primeiro e segundo trimestre da gestação. 1,3,5 Na literatura a etnia mais frequente é a caucasiana 1,5, mas a nossa paciente era negra além da peculiaridade de ser um útero de substituição.
O diagnóstico dessa condição é clínico e faz diagnóstico diferencial com tumores da mama, principalmente tumores filoides. Nesse contexto, o anatomopatológico é fundamental para a diferenciação. O achado histopatológico é a PASH (hiperplasia estromal pseudoangiomatosa), que foi o encontrado no presente caso a partir da biópsia por punção de mama esquerda.6
O tratamento da gigantomastia se divide nas seguintes modalidades: conservador, hormonal e cirúrgico. Não há um consenso quanto ao melhor tratamento e a escolha deve ser particularizada 6,7,8. A droga mais utilizada no tratamento hormonal é a bromocriptina, com relatos de efeitos variáveis e frequentemente temporários, podendo parar a progressão da doença e levar a certo grau de regressão 4,6,8.No caso aqui apresentado foi tentada a terapia com a cabergolina, inibidor da prolactina, e a mesma não apresentou resposta clínica mantendo crescimento progressivo das mamas e evoluindo ainda com necrose, ulceração e infecção.
Nos casos sem resposta a terapia medicamentosa ou com complicações como hemorragias, ulceração e necrose ou insuficiência cardíaca, opta-se pelo tratamento cirúrgico - mamoplastia redutora ou mastectomia com reconstrução imediata ou em 2º tempo 4,6,7. A mamoplastia redutora pode possibilitar a amamentação, porém possui um maior risco de sangramento intraoperatório e um risco de recorrência estimado em 100% na próxima gestação 6,8. A paciente em questão apresentou sangramento importante apesar da cautela durante o procedimento cirúrgico, sendo necessário inclusive protocolo de transfusão maciça e teve ainda como desfecho desfavorável o óbito fetal intraoperatório.
Não há um consenso quanto à melhor técnica cirúrgica, contudo, prefere-se realizar mastectomia naquelas com desejo gestacional futuro e mamoplastia redutora naquelas sem expectativa de uma próxima gestação 1,3,8, como no caso da paciente em questão, em que foi optado pela técnica de Thorek, com enxertia de pele total do complexo aréolo-papilar (CAP) à direita e de aréola à esquerda, que teve como área doadora a própria mama direita, considerando a infecção e necrose do CAP ipsilateral. O caso resultou ainda numa exérese total de 19375 g de mama, aproximadamente 17% do peso da paciente, um dos maiores volumes relatados na literatura.
Outra nuance importante do caso foram as complicações clínicas decorrentes da abordagem desafiadora. A paciente apresentou pancreatite aguda, farmacodermia, que a priori não teria relação direta com a patologia de base, além de outras associadas ao doente grave no contexto de internação prolongada como esofagite, colite pseudomembranosa e infecção de corrente sanguínea.
Conclusão
Dessa forma conseguimos corroborar a raridade clínica e as particularidades no manejo da gigantomastia gestacional, condição cuja abordagem não é bem definida na literatura e que pode estar associada a complicações graves e inclusive óbito.
Casos como esse exemplificam a dificuldade na condução do caso e a exigência de uma equipe multidisciplinar de cuidado para que um desfecho favorável seja alcançado. Além disso, apesar da raridade da condição, é evidente que novos estudos são necessários para melhor caracterização da doença e ainda criação de protocolos de manejo para redução do risco de intercorrências e melhores desfechos funcionais e estéticos.
Referências
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Palavras Chave
Gigantomastia gestacional; Mamoplastia; cirurgia plástica
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
HOSPITAL DAS CLINICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP - São Paulo - Brasil
Autores
RAFAEL ADAILTON DOS SANTOS JUNIOR, MATHEUS DE MELO FORTI, WILSON CINTRA JUNIOR, ROLF GEMPERLI