Dados do Trabalho
Título
AREOLOTOMOS MASCULINOS
Resumo
Introdução: A reformulação do complexo aréolo-papilar é um importante passo dos procedimentos de correções cirúrgicas de ginecomastias e de mastoplastias masculinizadoras. No entanto, a maioria dos instrumentais existentes com tal intuito foram desenvolvidos de acordo com o formato do complexo aréolo-papilar de mamas femininas, que possuem tamanho maior e uma configuração arredondada. Objetivo: desenvolver modelos de areolótomos com medidas adequadas ao formato e dimensões do complexo aréolo-papilar masculino. Método: estudo primário, transversal, descritivo e unicêntrico. Para a elaboração do produto foi utilizada a metodologia do Design Thinking e o Diagrama Double Diamond. Resultados: Descobrir: 37 artigos foram selecionados. A busca de anterioridade não revelou patente semelhante. Quinze cirurgiões plásticos responderam ao questionário produzido pelos autores e contribuíram para a ideação do produto. Definir: definiu-se por desenvolver um novo instrumental com medidas adequadas às aréolas masculinas. Desenvolver: foram realizadas duas sessões de brainstorming, nas quais elegeu-se dispositivos de formato oval, em aço cirúrgico e em dois tamanhos distintos. Os produtos foram produzidos em torno industrial e posteriormente prensados para adquirir o formato desejado. Conclusão: foram desenvolvidos areolótomos masculinos. Nota: o trabalho foi premiado com o prêmio de melhor dissertação de mestrado defendida do ano de 2023 do Curso de Mestrado Profissional em Ciência, Tecnologia e Gestão Aplicadas à Regeneração Tecidual da Unifesp.
Introdução
As cirurgias plásticas em homens vêm crescendo ano após ano. Segundo dados da International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS), as intervenções em pacientes masculinos corresponderam a 13,8% do total de operações realizadas no ano de 2022 em todo o mundo, um acréscimo de 0,3% quando comparadas com os dados de 2018.
Dentre elas, um dos procedimentos mais realizados são as correções cirúrgicas de hipertrofias mamárias (ginecomastias e pseudoginecomastias). Dados da própria ISAPS apontam que esse tipo de cirurgia correspondeu a cerca de 14,76% dos procedimentos realizados em homens em 2022, sendo a terceira operação mais realizada no sexo masculino. Ressalta-se, em 2022, um aumento de 7,9% quando comparado com os números absolutos de 2021 e de 13,2% em relação ao total de 2018.
Em paralelo, as cirurgias plásticas em pacientes transgêneros estão em ascensão, como por exemplo, cirurgias para transição de identidade masculina. Esse tipo de operação aumentou em até 20% nos Estados Unidos em comparação aos anos anteriores, de acordo com dados de 2017 da American Society of Plastic Surgeons (ASPS).
Nestes pacientes, as cirurgias de masculinização do tórax, mais conhecidas como mastoplastias ou mastectomias masculinizadoras,
costumam ser a intervenção inicial e um importante passo no processo de transição física dos mesmos.
Nos dois casos citados, tanto em homens cisgêneros com ginecomastias quanto em homens transgêneros com mamas femininas, o objetivo da cirurgia é alterar determinadas características para a obtenção de um tórax com aspecto mais masculino.
As diferentes técnicas operatórias nos dois subgrupos populacionais podem envolver lipoaspiração, exéreses teciduais (seja da glândula mamária e do tecido adiposo e/ou cutâneo em excesso) e métodos para o redimensionamento das aréolas.
A literatura não prioriza a reformulação do complexo aréolo-papilar (CAP) para uma configuração masculina, relegando a essa etapa uma menor relevância. No entanto, o redimensionamento do CAP é um importante passo na composição do tórax masculino.
Algumas técnicas e métodos de readequação do diâmetro e do contorno areolar foram descritos ao longo do tempo. Usualmente, são utilizados marcadores de aço inoxidável, mais conhecidos como areolótomos. Os modelos mais conceituados consistem em três peças de formatos circulares (de aproximadamente 4,0, 3,5 e 3,0 cm de diâmetro).
No entanto, esses equipamentos foram desenvolvidos de acordo com o formato do CAP de mamas femininas, que possuem uma configuração arredondada. Ao passo que o CAP masculino padrão apresenta uma configuração diferente - formato oval, largura entre 2,0 e 2,8 cm e altura entre 2,0 e 2,1 cm, a utilização dos areolótomos existentes no mercado, que foram idealizados de acordo com as constituições femininas, gera aréolas de configurações distintas daquelas observadas nos homens em geral.
Cientes desses fatos, alguns autores propuseram adaptações nos métodos de redimensionamentos das aréolas masculinas, visando atingir um formato mais realístico. No entanto, são basicamente relatos de improvisos de materiais, instrumentais cirúrgicos ou adaptações da marcação após a impressão na pele dos areolótomos convencionais.
Certos dessas diferenças, alguns fabricantes introduziram dispositivos circulares menores (de cerca de 2,5 cm e 2,0 cm de diâmetro), especificamente para a utilização em aréolas masculinas. Contudo, a confecção das aréolas com esses equipamentos resulta em formatos essencialmente arredondados, que lembram o fenótipo feminino. Adicionalmente, quando enxertados, há uma tendência dos CAPs de se deformarem, em virtude da tensão e estiramento da pele, aumentando ainda mais a distorção do seu formato.
Diante da importância do CAP para a composição e identidade do tórax e, por outro lado, a carência de instrumentos de marcação de aréolas que atendam às características masculinas, torna-se fundamental o desenvolvimento de modelos de areolótomos compatíveis com o padrão masculino.
Objetivo
Desenvolver modelos de areolótomos com medidas adequadas ao formato e dimensões do complexo aréolo-papilar masculino.
Método
Tratou-se de um estudo primário, transversal, descritivo e unicêntrico.
Preceitos éticos-legais
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
Enviou-se Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos indivíduos convidados a colaborar com a pesquisa, salientando-se que o participante somente foi incluído no estudo após a leitura e concordância com todos os seus tópicos.
Das etapas do desenvolvimento e criação do areolótomo
Para a elaboração do produto proposto foi utilizada a metodologia do Design Thinking, associada ao diagrama Double Diamond dividido em quatro fases: "Descobrir", "Definir", "Desenvolver” e "Entregar".
Levantamento bibliográfico
Foi realizada a revisão de literatura acerca dos padrões anatômicos da aréola masculina e das formas descritas para o redimensionamento da mesma.
Busca de anterioridade
Utilizando-se os termos areola marker, areola marking device, areola ring, areola scriber e areola shaping, areola positioning ring, areolótomo e marcador de aréola e a Classificação Internacional de Patentes (A61 B 17/00 – instrumentos cirúrgicos, dispositivos ou métodos), realizou-se a busca nos arquivos eletrônicos do Espacenet (European Patent Office), do USPTO (United States Patent and Trademark Office), do WIPO (World Intellectual Property Organization), do Patentscope e do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).
Com os mesmos termos, foi feita uma pesquisa na Internet nos principais sites de buscas (Google®, Yahoo® e Bing®), assim como uma verificação dos produtos disponíveis no mercado em páginas de Internet de empresas de instrumentais cirúrgicos do Brasil (www.rhosse.com.br; www.montserratshop.com.br e www.richter.com.br).
Aplicação de questionários
Foram selecionados por conveniência 20 cirurgiões plásticos (membros especialistas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – SBCP e atuantes há pelo menos 3 anos nas áreas de cirurgia mamária masculina e/ou cirurgias em transgêneros) para responderem a um questionário elaborado pelos pesquisadores, versando sobre o tempo de experiência como cirurgião plástico, às técnicas operatórias de correções de ginecomastias e mastoplastias masculinizadoras, materiais e processos utilizados nas marcações, contexto cirúrgico e aspectos do pós-operatório no processo de redimensionamento das aréolas masculinas.
Foram realizadas duas sessões de brainstorming por videoconferência, em datas e horários previamente divulgados aos participantes da pesquisa.
A partir dos dados, foram definidas as concepções dos dispositivos e produzidos os protótipos. Os modelos foram encomendados a uma empresa de material cirúrgico-hospitalar, sendo inteiramente custeados pelos autores dessa pesquisa.
Resultado
Foram encontrados 48 artigos nas bases de dados pesquisadas, além de 15 artigos de forma manual. Após a aplicação dos critérios de elegibilidade, 37 foram incluídos na pesquisa.
Na busca realizada nos sites de buscas Google®, Yahoo® e Bing® com o filtro de imagens ativado, foram visualizados diversos modelos de areolótomos, todos com os formatos circulares já conhecidos.
Na busca realizada nos sites de empresas brasileiras de instrumentais cirúrgicos foram vistos somente os dispositivos do padrão usual.
Na busca realizada nos sites de patentes, foi visto o pedido de patente de MUNDINGER (2021) - pedido de patente PCT/US2021/021946.
Dos 20 cirurgiões plásticos voluntários selecionados, aos quais foram enviados o questionário, 15 enviaram as respostas no prazo estipulado de 7 dias.
Após as duas sessões de brainstorming, definiu-se pela produção de areolótomos de formato oval, em aço cirúrgico e em dois tamanhos distintos,
Discussão
O posicionamento simétrico, adequado e esteticamente aceitável do CAP, assim como suas dimensões e características, são fundamentais na construção de um tórax masculino visualmente agradável.
A literatura aponta que cerca de 91% das aréolas masculinas têm o formato ovalado, de tamanho aproximado de 1,5 x 2,5 cm (BEER et al. 2001). No entanto, os dispositivos existentes no mercado para marcar as aréolas são essencialmente redondos, produzidos com base no formato e tamanhos dos CAPs de mamas femininas.
Ao passo que o CAP masculino padrão apresenta configuração diferente - formato oval, largura entre 2,0 e 2,8 cm e altura entre 2,0 e 2,1 cm, a utilização dos areolótomos existentes no mercado, os quais foram idealizados de acordo com as constituições femininas, geram aréolas de configurações distintas daquelas observadas nos homens em geral.
Dentro desse contexto, AGARWAL et al., advogaram determinadas adaptações após a marcação cutânea circular, basicamente achatando-se a marcação original (reduzindo-se o diâmetro vertical e aumentando-se a extensão látero-lateral). Acreditou-se que assim atuariam junto às forças de tensão cutânea e dos vetores de tração nas cirurgias de mastoplastias masculinizadoras, evitando-se os resultados menos realísticos, ocasionados por um formato elíptico vertical.
Frisa-se ainda que, apesar de ser aparentemente um detalhe do ato cirúrgico de correções de ginecomastias e das mastoplastias masculinizadoras, a redesignação do CAP é uma etapa importante do procedimento, com repercussões estéticas consideráveis.
A pesquisa desk mostrou os dispositivos já conhecidos, com os formatos consagrados e poucas novidades.
Posteriormente, por meio dos questionários aplicados, constatou-se que a maioria dos cirurgiões plásticos consultados também lidava com os mesmos tipos de questões, como improviso de materiais ou adaptações de marcações e também demonstrava certa insatisfação com seus resultados pós-operatórios.
Inicialmente, pensou-se na construção de areolótomos com dimensões semelhantes às medidas padrões das aréolas masculinas. No entanto, após as discussões nas sessões de brainstorming, nas quais foram debatidas as forças de tração cutâneas crânio-caudal, principalmente nas cirurgias de mastoplastias masculinizadoras, esse panorama foi alterado.
Tendo como base as deformidades do tecido enxertado e as forças e vetores de tração cutânea, que poderia gerar CAPs mais verticalizados ou arredondados, a depender de cada paciente e da dimensão do CAP reconstruído, as diretrizes do novo formato foram estabelecidas. Assim, pensou-se em produzir um enxerto mais achatado, buscando-se um formato final ovoide no sentido horizontal ou, caso ocorresse uma tensão crânio- caudal significativa, a mudança para um CAP arredondado, ainda assim esteticamente agradável, resultado distante da configuração pouco estética do CAP alongado em sentido vertical.
Definiu-se pela produção de areolótomos de formato oval, em aço cirúrgico e em 2 tamanhos distintos (protótipo menor de 1,7 cm de largura e 2,3 cm de comprimento e protótipo maior de 1,8 cm de largura e 2,6 cm de comprimento).
A confecção dos dispositivos em formato ovalado foi desafiadora, em virtude das dificuldades com relação ao torno industrial de precisão para criação do produto. Basicamente, os produtos foram feitos de forma artesanal. O material arredondado do torno era pressionado e moldado, até adquirir a configuração desejada.
Como vantagens em relação aos métodos citados na literatura (envoltórios de seringas, adaptações de materiais, entre outros), os dispositivos criados, em aço cirúrgico, possuem as vantagens de serem esterilizáveis, mais precisos na marcação e de fácil manuseio. Possuem ainda baixo custo, são duráveis, resistentes à substâncias químicas e reutilizáveis.
Acredita-se que a maior padronização dos passos da cirurgia, com a possibilidade de utilização dos areolótomos físicos (ao invés dos improvisos e informalidades conhecidas nos atos de marcação das aréolas masculinas), tenderiam a simplificar o ato cirúrgico, levar a ganho de tempo operatório e facilitar a reprodutibilidade do ato pelos cirurgiões plásticos, o que poderia gerar resultados mais simétricos e satisfatórios. Além disso, caso contribuam na produção de melhores resultados, os areolótomos poderiam aumentar a satisfação com o procedimento cirúrgico, impactando de forma positiva a qualidade de vida dos pacientes.
Conclusão
Foram desenvolvidos os areolótomos masculinos.
Referências
Abbed T, Shifrin DA. Aesthetic Female-to-Male Chest Transformation: Power of Combining Modified Mastectomy with a Pectoral Implant. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2017;5(8):e1445.
Agarwal CA, Wall VT, Mehta ST, Donato, DP, Walzer NK. Creation of an aesthetic male nipple areolar complex in female-to-male transgender chest reconstruction. Aesth Plast Surge. 2017;41(6):1305-10.
e outras.
Palavras Chave
Mama; Mastectomia Transgênero;
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
UNIFESP - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - São Paulo - Brasil
Autores
BRUNO PEIXOTO ESTEVES, JOSÉ DA CONCEIÇÃO CARVALHO JUNIOR, FELIPE CONTOLI ISOLDI