Dados do Trabalho
Título
TRATAMENTO DE ESCALPELAMENTO E O USO DA MATRIZ DE FIBRINA: UM RELATO DE CASO
Resumo
O escalpelamento é um tipo de trauma em que há uma avulsão do couro cabeludo. A reconstrução de um ferimento de couro cabeludo pode ser longo quando há osso exposto, pois é necessário um preparo para gerar granulação e assim ser possível a enxertia de pele. Esse artigo relata o caso de uma paciente vítima de escalpelamente com exposição óssea, ondem foram realizados alguns procedimentos para a total granulação da ferida, como trepanação óssea, enxertia de gordura, matriz de fibrina e o curativo. Esse estudo tem então como objetivo relatar o uso de terapias combinadas no escalpelamento, incluindo a matriz de fibrina que vem tendo seu uso expandido, afim de ampliar o conhecimento no tema.
Introdução
O escalpelamento é um tipo de trauma em que há uma avulsão do couro cabeludo, em decorrência de contato acidental dos cabelos longos com motores de eixo rotativo de máquinas ou quando é cortado por força direta1. Além de sua ocorrência levar a um impacto psicossocial à vítima, seu tratamento se apresenta como um desafio pela perda irreparável do tecido, podendo durar um longo período até que a enxertia seja possível.
Os enxertos de pele sofrem integração sobre um tecido granulado, com boa vascularização, porém, não diretamente sobre um osso, por exemplo. Para isso, podem ser realizados alguns procedimentos para preparar o leito da ferida que apresente exposição óssea, como a trepanação, enxerto de gordura, matriz dérmica ou de fibrina e terapia com curativo a vácuo. Ademais, essas terapias podem ser utilizadas de forma combinada, potencializando e/ou acelerando o processo de granulação.
Objetivo
Esse estudo tem como objetivo relatar o uso de terapias combinadas no caso de uma paciente vítima de escalpelamento, incluindo a matriz de fibrina que vem tendo seu uso expandido, afim de ampliar o conhecimento no tema.
Método
Esse trabalho é um estudo descritivo, realizado por meio da busca de prontuário eletrônico, observação clínica do paciente e entrevista pessoal, além do registro por imagens da lesão prévia, durante e após o tratamento. Além disso, foi feito revisão literária sobre o assunto em banco de dados como Scielo e Pubmed. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: escalpelamento, matriz de fibrina, curativo a vácuo e trepanação.
Resultado
Paciente, 17 anos, do sexo feminino, sofreu escalpelamento devido ao contado do cabelo com motor rotativo de um kart. A ferida acometia a região occipital e parietal parcialmente, tendo em torno de 14 x 15 cm, e nela, uma pequena área com osso exposto (Figura 1). Após medidas iniciais de limpeza, descontaminação e desbridamento na admissão, a paciente foi submetida a submetida a diversas abordagens ao longo do internamento. Iniciou-se com a trepanação do osso desnudo, além de lipoenxertia sobre a ferida e curativo oclusivo (Figura 2). O mesmo curativo permaneceu fechado por 1 semana, e na troca, foi realizado o mesmo procedimento.
Após 1 semana, foi realizado o 3º curativo, desta vez, confeccionando-se matriz de fibrina a partir do sangue coletado da própria paciente, e o aplicando sobre a ferida em associação com o curativo a vácuo (Figura 3). Esse mesmo curativo com matriz de fibrina e o vácuo foi realizado mais 2 vezes, com intervalos de 1 semana. Ao final do 5º curativo, no 30º dia de internamento, a ferida apresentava-se com quase total granulação, sendo então optado por enxertia cutânea associado ao curativo a vácuo (Figura 4). Após 7 dias, o enxerto estava com boa integração, sem complicações, como infecção, necrose, não integração ou hematomas, e a paciente pode então receber alta do serviço para acompanhamento ambulatorial.
Ao todo, foram realizados 5 curativos com intervalos de 1 semana, sendo os 2 primeiros com trepanação e lipoenxertia, e os outros 3, com a matriz de fibrina associado ao curativo a vácuo. Devido ao tempo demandado para obtenção pelo serviço do material do curativo a vácuo e sua bomba, não foi possível utiliza-lo nos primeiros curativos. Assim, o tempo decorrido desde o primeiro curativo até a enxertia foi de 28 dias.
Discussão
A paciente do caso relatado apresentava escalpelamento principalmente na região occipital da cabeça, com pequena área de exposição óssea, impossibilitando a enxertia de pele sobre essa região. Assim, deve-se iniciar um tratamento voltado para a granulação da calota exposta para, posteriormente, ser possível utilizar o enxerto de pele para cobertura do ferimento. Existem algumas medidas que podem ser realizadas para esse fim.
A matriz dérmica, muito usada nos pacientes vítimas de queimadura, é uma substituta dérmica que promove a formação de uma neoderme vascularizada a partir da migração de células para sua matriz. Ela é composta basicamente de colágeno animal, além de ser acelular para evitar rejeição. Alguns tipos de matriz incluem o Alloderm, uma matriz dérmica acelular alogênica, e o Integra, matriz de colágeno bovino. Após a sua aplicação, a enxertia de pele é normalmente realizada em um segundo tempo em 3 semanas8,12,13,14. A obtenção das matrizes pelos serviços de saúde é custosa, e não estava disponível no momento do tratamento da paciente do relato.
Outra medida que pode ser realizada é a trepanação, um procedimento cirúrgico no qual são realizadas perfurações comumente no osso craniano, estimulando a formação do tecido conjuntivo sobre o osso. Acredita-se que o mecanismo para esse processo seja pela exposição a células da medula e o maior fluxo sanguíneo. No entanto, o processo de granulação por este método é lento, sendo importante associa-lo com outra ferramenta para potencializar seu efeito9,10. Esta foi a primeira etapa do tratamento realizada na paciente, juntamente com a lipoenxertia e curativo oclusivo.
O enxerto de gordura possui células-tronco, além de outras células e componentes, que fornecem uma estrutura biológica para direcionar as células ao local da lesão, e auxiliam a proliferação celular6. O procedimento foi realizado 2 vezes, com intervalo de 6 dias. Porém, como ainda não havia ocorrido granulação de todo tecido ósseo, e para poupar a paciente de novo procedimento invasivo para coleta do enxerto de gordura, foi utilizado a matriz de fibrina, confeccionada a partir do sangue coletado na paciente, e associado ao curativo a vácuo.
A matriz de fibrina é um produto autólogo, que pode ser utilizada em tratamento de feridas de modo a estimular e acelerar a regeneração tecidual, fornecendo citocinas e fatores de crescimento e mediando a adesão, migração, proliferação e formação do tecido2,3,4. Apresenta vantagens pela sua biossegurança, versatilidade (estado líquido ou sólido) e fácil produção e aplicação, e desvantagem pelo seu tempo de confecção longo. Para a sua confecção, é necessário a coleta do sangue do paciente, o qual será centrifugado de forma a obter um volume de plasma com concentração de plaquetas maior que a do sangue. Então, o mecanismo de formação da matriz se dá por meio da ativação desse Plasma Rico em Plaquetas (PRP), que desencadeia a desgranulação plaquetária e a cascata de coagulação, resultando na interação entre trombina e fibrinogênio, e assim, na matriz. Esta pode ser utilizada em formulações líquidas para injeção ou sólidas3.
Em relação ao curativo a vácuo, sua aplicação tem grande importância para melhora da ferida, pois aumenta o fluxo sanguíneo e fornecimento de oxigênio e nutrientes, estimula a angiogênese, neurogênese, formação de tecido de granulação, proliferação celular, diferenciação e migração. Atua também na remoção de fluidos e redução do edema, restringe o crescimento bacteriano e aproxima as bordas da ferida6,7,8. Assim, o uso do curativo a vácuo em associação com a matriz dérmica ou de fibrina, ou enxerto de gordura, potencializa a granulação da ferida.
No caso da paciente relatada, desde o primeiro curativo a vácuo associado a matriz de fibrina, foram necessários 3 semanas até a completa granulação da ferida, a ponto de possibilitar a enxertia. A utilização de mais de uma ferramenta no tratamento para regeneração tecidual é de grande importância, e a matriz de fibrina vem sendo estudada e usada em diversas situações com resultados positivos, podendo-se então lançar mão de seu uso.
Conclusão
A matriz de fibrina apresenta um potencial terapêutico valioso para diversas áreas médicas, inclusive por ser uma ferramenta versátil e de fácil obtenção. Assim, seu uso associado a outras modalidades importantes, como o curativo a vácuo, ajuda na cicatrização mesenquimal com tecido de granulação, podendo então ser usado como uma alternativa no tratamento de feridas, entre outras situações.
Referências
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Palavras Chave
Escalpelamento; matriz de fibrina
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
HOSPITAL REGIONAL DA ASA NORTE - Distrito Federal - Brasil
Autores
JOVITA MARIA RAFAEL BATISTA DE ALBUQUERQUE ESP?NDOLA, LÚCIO MARQUES DA SILVA SILVA, JEFFERSON LESSA SOARES DE MACEDO MACEDO, THAMARA DE OLIVEIRA VASCONCELOS VASCONCELOS, AUGUSTO RIBEIRO DE SOUSA CARDOSO CARDOSO, BEATRIZ DE OLIVEIRA DANTAS DANTAS