60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RECONSTRUÇAO DE PENIS E TESTICULOS COM RETALHO FASCIO-CUTANEO MEDIAL DA COXA E ENXERTIA DE PELE: RELATO DE CASO

Resumo

INTRODUÇÃO: A Síndrome de Fournier é caracterizada por uma evolução rápida e fulminante para sepse, com altos índices de morbimortalidade, sendo mais comum em homens OBJETIVO: Relatar o caso de um paciente pós-vasectomia que cursou com Síndrome de Fournier sendo submetido a desbridamento extenso e necessidade de reconstrução de pêns e testículos pela equipe de Cirurgia Plástica METODOLOGIA: Estudo Retrospectivo de caráter descritivo e documental realizado no Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) no ano de 2024 e cujas informações são provenientes da prática profissional da equipe de cirurgia plástica. A coleta de dados foi realizada a partir da revisão de prontuário eletrônico AGHU. RELATO DE CASO: Paciente obeso de 36 anos, submetido a vasectomia, evoluiu com síndrome de Fournier, sendo submetido a desbridamento extenso e antibioticoterapia. Após estabilização do quadro e da ferida com curativo VAC, foi submetido a reconstrução com retalho fáscio-cutâneo medial da coxa e enxertia de pele parcial em penis e testículos. A cirurgia ocorreu sem intercorrências com boa evolução e cicatrização. CONCLUSÃO: O manejo e instituição de tratamento precoce foi fundamental para impedir progressão da doença. A reconstrução com enxertia e retalho fáscio-cutâneo medial da coxa ofereceu resultados satisfatórios com boa cicatrização, dado o acometimento da extensão necrotizante para região escrotal e peniana.

Introdução

A Síndrome de Fournier, também denominada fasciíte necrosante dos genitais, períneo e região perianal¹, trata-se de uma infecção rara, agressiva, mutilante e com elevada morbimortalidade. Com o início do processo infeccioso, ocorre uma rápida progressão para necrose das estruturas envolvidas, que se estende até o plano fascial, resultando em uma grande quantidade de tecidos desvitalizados ². Ela é caracterizada por uma evolução rápida e fulminante para sepse³. A etiologia do processo é identificada em cerca de 70 a 90% dos casos, podendo estar relacionada a doenças ou procedimentos dermatológicos, urológicos e colorretais. Isso inclui complicações cirúrgicas de hemorroidectomia, orquiectomia, herniorrafia, vasectomia e postectomia, bem como abscessos perirretal ou escrotal e estenose uretral³.

A combinação de edema, inflamação e infecção reduz o fluxo sanguíneo local, e a hipóxia subsequente favorece o crescimento de microrganismos anaeróbios obrigatórios e facultativos⁴. A Síndrome de Fournier é mais comum em homens com uma incidência aproximada de 1 em 7500 casos, sendo que até 45% dos afetados são diabéticos e 25% têm histórico de abuso de álcool ⁵. A menor incidência em mulheres é atribuída à melhor higiene e à drenagem local fisiológica proporcionada pelas secreções vaginais⁴⁵

A fasceíte necrotizante causa um impacto psicológico significativo e requer resultados estéticos e funcionais adequados. O tratamento consiste em desbridamento extenso, antibioticoterapia de amplo espectro e oxigenoterapia hiperbárica para eliminar a infecção, além de proteger os testículos expostos e reconstruir as regiões perineal e peniana⁶. O debridamento dos tecidos afetados pode resultar em defeitos de cobertura consideráveis, expondo os testículos, o pênis, à parede abdominal e o funículo espermático.

Objetivo

Relatar o caso de um paciente pós-vasectomia que cursou com Síndrome de Fournier sendo submetido a desbridamento extenso e necessidade de reconstrução de pêns e testículos pela equipe de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES).

Método

Estudo Retrospectivo de caráter descritivo e documental realizado no Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) no ano de 2024 e cujas informações são provenientes da prática profissional da equipe de cirurgia plástica. A coleta de dados foi realizada a partir da revisão de prontuário eletrônico AGHU, onde foram recolhidas as variáveis idade, sexo, comorbidades prévias, motivo da admissão, condutas, detalhes dos procedimentos cirurgicos realizados e evolução pós operatória imediata e tardia. Também houve o registro fotográfico das etapas pré e pós cirúrgicas realizadas no paciente após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultado

Paciente sexo masculino, 36 anos, previamente obeso, submetido a vasectomia em 01/09/2023, evoluiu com síndrome de Fournier, sendo identificada pela equipe de urologia região extensa de necrose em bolsa escrotal a direita em região posterior com realização de desbridamento extenso em 12/09/2023, sendo preservados testículos bilateralmente e pênis conforme visto na imagem 1. O paciente permaneceu 1 mês internado na unidade para realização de antibioticoterapia com meropenem e Vancomicina.

Após estabilização do quadro e da ferida com curativo VAC, foi submetido em 09/10/2023 pela equipe de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), à reconstrução com retalho fáscio-cutâneo medial da coxa e enxertia de pele parcial em pênis. Foi realizada marcação de retalho fasciocutâneo medial de coxa conforme pinch de pele com pedículo anterior de 16x9 cm. Em seguida foi realizada incisão em região demarcada e dissecção de tecidos até fáscia muscular profunda, levantando o retalho de distal para cranial em plano subfascial. Feita exérese de tecido de granulação em região peri-escroto para melhor mobilidade destes e posterior revisão de hemostasia com aposição de retalho e síntese de subcutâneo e subderme com vicryl 2.0. Também foi obtido enxerto de pele parcial com auxílio de dermátomo em espessura 0,3 mm e fixação de enxerto em base de penis com nylon 4.0. Ao final, foi realizado curativo em penis e coxa com adpatic.

Cirurgia ocorreu sem intercorrências, porém evoluiu com área de deiscência de +/- 3 cm de altura em região inguinal à direita, drenando pouca quantidade de exsudato serosanguinolento., com necessidade de curativo e acompanhamento com comissão de feridas cursando com posterior cicatrização, funcionalidade e estética como podemos observar nas imagens 2 (Pós-operatório imediato de reconstrução de pênis e testículos), 3 ( Pós-operatório tardio em 20/11/20223 com boa cicatrização de penis e testiculos) e 4 (Pós operatório tardio em 26/02/2024).

Discussão

A gangrena de Fournier (GF) é mais comum em homens de 50 a 79 anos estando associada à múltiplas comorbidades. ⁷ O diagnóstico precoce e a instituição do tratamento padrão-ouro para a afecção são o desbridamento extenso, antibioticoterapia de amplo espectro e infusão de volume, condutas tomadas para o paciente deste estudo e que foram fundamentais para o bom prognóstico e desfecho. Alguns fatores de risco estão associados como a idade elevada, sexo masculino, diabetes, insuficiência hepática, trauma, etilismo, comprometimento do sistema imunológico. Pacientes com essas comorbidades correspondem, em média, à 52,7% dos acometidos pela síndrome de Fournier. Nosso paciente além de ser do sexo masculino, foi submetido à procedimento urológico que na literatura é um importante fator de risco.⁷

A avaliação das comorbidades na estratificação de risco desses pacientes implicam na determinação da sobrevida sendo o diabetes o principal fator relacionado aos não sobreviventes quando comparados aos sobreviventes. Diversos estudos têm demonstrado associação entre a deterioração da função renal e a incidência da GF sendo importante indicador de taxa de mortalidade mais elevada nesses pacientes. Nosso paciente apresentou insuficiência renal aguda mas que foi logo resolvida.⁸

Após o tratamento eficaz da infecção, o foco se volta para garantir a melhor cicatrização possível da ferida cirúrgica, visando tanto os resultados funcionais quanto cosméticos ideais, com o mínimo de complicações e riscos de morte. As alternativas incluem permitir que a ferida cicatrize naturalmente, fechamento direto ou procedimentos reconstrutivos utilizando enxertos ou retalhos de pele. Dado que esses pacientes frequentemente apresentam condições de saúde delicadas, a preferência geralmente recai sobre procedimentos de reconstrução simples, realizados em uma única etapa. Embora o fechamento direto possa oferecer os melhores resultados, é viável apenas para defeitos muito pequenos, sem tensão excessiva na ferida. A cicatrização natural é uma escolha para defeitos relativamente pequenos e pacientes com alto risco anestésico, embora o processo de cicatrização possa ser mais demorado e haja o risco de contração e deformidades.⁹

O transplante de pele emerge como uma escolha comum para restaurar defeitos após a síndrome de Fournier. Apresenta diversas vantagens: é uma intervenção de uma única etapa, de rápida execução, com baixa incidência de complicações no local doador, capaz de abranger grandes extensões e proporcionar resultados funcionais e estéticos satisfatórios. No paciente deste estudo utilizamos o enxerto para a cobertura de região peniana tendo sido utilizado o retalho para região escrotal. A escolha pelo retalho nessa região é justificada pelo risco de exposição a fezes e urina, bem como ao risco de maceração tecidual e lesões, a eficácia da reconstrução utilizando enxertos de pele parcial é muitas vezes comprometida, limitando sua aplicabilidade a pequenos defeitos.¹⁰

Vários tipos de retalhos fasciocutâneos têm sido utilizados para reconstruir áreas afetadas pela gangrena de Fournier, oferecendo cobertura eficaz sem comprometer a funcionalidade muscular, e muitas vezes proporcionando resultados estéticos e duradouros superiores em comparação aos enxertos de pele parcial.¹¹ Um dos retalhos comumente empregados é o retalho fasciocutâneo superomedial da coxa, o que nós utilizamos para reconstrução da bolsa escrotal, introduzido inicialmente por Hirshowitz et al. em 1980. Este retalho é vascularizado por uma combinação de vasos sanguíneos, incluindo a artéria pudenda externa profunda, o ramo anterior da artéria obturadora e a artéria circunflexa femoral medial. Além disso, é sensível ao toque devido à sua inervação pelo ramo genital do nervo genitofemoral e pelo nervo ilioinguinal. Este retalho oferece uma cobertura robusta para a região escrotal, com resultados esteticamente satisfatórios e a possibilidade de fechamento direto da área doadora como verificado em nosso caso. Sua principal desvantagem reside no seu alcance limitado, o que pode exigir a utilização de retalhos bilaterais em determinadas situações.¹²

Conclusão

A gangrena de Fournier é uma condição clínica rara e grave, que demanda uma abordagem multidisciplinar e ágil. O desfecho positivo com bom resultado estético e preservação da função erétil do paciente deste estudo foi possível devido ao tratamento precoce visando impedir a progressão da doença. A reconstrução com enxertia e retalho fáscio-cutâneo medial da coxa determinaram resultados satisfatórios dado o acometimento da extensão necrotizante para região escrotal e peniana. O reconhecimento dos sintomas característicos e dos fatores de risco é crucial para um manejo eficaz. A escolha entre diferentes métodos de reconstrução, como enxertos de pele e retalhos fasciocutâneos, depende das características individuais do paciente e da extensão do defeito a ser corrigido. A seleção do melhor tratamento deve ser feita com base em uma avaliação levando em conta não apenas a gravidade da gangrena, mas também suas condições de saúde subjacentes e o potencial de complicações pós-operatórias.

Referências

1. Alves, P.; Alves, S. Reconstrução Escrotal Com Retalho Súpero-Medial Da Coxa Após Síndrome De Fournier. Rev. Bras. Cir, V. 28, N. 4, P. 656, 2013.

2. Balbinot, P. Et Al. Síndrome De Fournier: Reconstrução De Bolsa Testicular Com Retalho Fasciocutâneo De Região Interna De Coxa. Rev. Bras. Cir. Plást, P. 329–334, 2015.

3. Junior, P. C. De G.; Sousa, A. V. De. Revisão Da Literatura Sobre Colostomias E Suas Complicações No Período De 2015 A 2021. International Journal Of Health Management Review, V. 7, N. 3, 2021.

4. Lyons, M. E.; Goldman, J. J. Gracilis Tissue Transfer. Em: Statpearls. Treasure Island (Fl): Statpearls Publishing, 2022.

5. Mehl, A. A. Et Al. Manejo Da Gangrena De Fournier: Experiência De Um Hospital Universitário De Curitiba. Revista Do Colégio Brasileiro De Cirurgiões, V. 37, P. 435–441, 2010.

6. Riseman Ja, Zamboni Wa, Curtis A. Hyperbaric Oxygen Therapy For Necrotizing Fasciitis Reduces Mortality And The Need For Debridements. Surgery 1990 Pmid: 2237764

7. Lewis GD, Majeed M, Olang CA, Patel A, Gorantla VR, Davis N, Gluschitz S. Fournier's Gangrene Diagnosis and Treatment: A Systematic Review. Cureus. 2021 Oct 21;13(10):e18948. doi: 10.7759/cureus.18948. PMID: 34815897; PMCID: PMC8605831.

8. El-Qushayri AE, Khalaf KM, Dahy A, Mahmoud AR, Benmelouka AY, Ghozy S, Mahmoud MU, Bin-Jumah M, Alkahtani S, Abdel-Daim MM. Fournier's gangrene mortality: A 17-year systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020 Mar;92:218-225. doi: 10.1016/j.ijid.2019.12.030. Epub 2020 Jan 18. PMID: 31962181.

9. Insua-Pereira I, Ferreira PC, Teixeira S, Barreiro D, Silva Á. Fournier's gangrene: a review of reconstructive options. Cent European J Urol. 2020;73(1):74-79. doi: 10.5173/ceju.2020.0060. Epub 2019 Dec 31. PMID: 32395328; PMCID: PMC7203772.

10. Karian LS, Chung SY, Lee ES. Reconstrução de defeitos após gangrena de Fournier: uma revisão sistemática. Eplastia. 2015; 15 :e18.

11. Hirshowitz B, Moscona R, Kaufman T, Pnini A. Reconstrução do escroto em um estágio após síndrome de Fournier usando um provável retalho arterial. Cirurgia de Reconstrução Plast. 1980; 66 :608–612

12. Horta R, Cerqueira M, Marques M, Ferreira P, Reis J, Amarante J. Gangrena de Fournier: de urgência urológica até o departamento de cirurgia plástica. Actas Urol Esp. 2009; 33 :925–929.

Palavras Chave

retalhos cirúrgicos; Cirurgia Reconstrutiva;

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital Universitário Professor Edgard Santos - Bahia - Brasil

Autores

WANTUIL MATIAS NETO, JULIANE BRIGIDA SILVA DO NASCIMENTO, LETICIA MARIA DE ALMEIDA VIEIRA, JULIO COSTA BRITO, LUIZ MARCELO SANTANA MENDES, GUILHERME SANTOS BRITO