Dados do Trabalho
Título
PUBOPLASTIA EM DIAMANTE NO TRATAMENTO DA SINDROME DE BERARDINELLI-SEIP
Resumo
A síndrome de Berardinelli-Seip ou Lipodistrofia Congênita Generalizada é uma doença rara caracterizada clinicamente pela escassez e distribuição irregular de tecido adiposo subcutâneo.1 É relatado o caso de uma paciente portadora da síndrome apresentando lipodistrofia púbica, proposto tratamento cirúrgico pela técnica de puboplastia “em diamante”, com resultado estético satisfatório e melhora do aspecto psicossocial da paciente.
Introdução
A síndrome de Berardinelli-Seip ou Lipodistrofia Congênita Generalizada foi descrita por Waldemar Berardinelli em 1954 no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ) e mais tarde por Seip, em 1959, na Noruega. Sua incidência baixa (1:10 milhões de nascidos-vivos) se relaciona a uma herança autossômica recessiva, provavelmente pelos genes BSCL1 e AGPAT2.1,2,3 No Brasil, a maior prevalência da doença é registrada no estado do Rio Grande do Norte, estimada em até 3 a cada 100 mil pessoas. Estudos sobre a genealogia das famílias atribuíram tal prevalência à origem portuguesa colonizadora e à elevada taxa de casamentos consanguíneos na região.2,3,4
A doença se caracteriza clinicamente pela redução parcial ou completa da quantidade de tecido adiposo na camada subcutânea e pela distribuição irregular do mesmo, que pode estar preservado em áreas como períneo e regiões periarticulares ou acumulado em órgãos internos. As características fenotípicas incluem aparência acromegálica, profusão umbilical, alongamento de extremidades, crescimento acelerado, avanço da idade óssea e hipertricose.3,6 A presença ectópica de adipócitos no fígado, baço e coração resultam em cardiomiopatia hipertrófica e hepatoesplenomegalia. Alterações metabólicas secundárias ao distúrbio do tecido adiposo e, consequentemente, da leptina, incluem resistência insulínica, diabetes mellitus, acantose nigrans, hipertrigliceridemiae aterosclerose de início precoce.6,7
Não há na literatura vigente trabalhos científicos descritos sobre cirurgia plástica em pacientes portadores da síndrome. Dessa forma, devem ser executadas técnicas já conhecidas de tratamento de lipodistrofias com as devidas adaptações. O presente estudo vista relatar o caso clínico de uma paciente de 17 anos, portadora da síndrome, submetida à puboplastia devido à lipodistrofia local.
Objetivo
O trabalho visa apresentar o caso raro de uma síndrome pouco conhecida e estudada e propor uma modalidade cirúrgica desenvolvida pelos autores para tratamento da mesma.
Método
O estudo se trata do relato do caso de uma paciente de 17 anos de idade, acompanhada desde a infância no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG-UFRJ), que teve o diagnóstico da síndrome de Berardinelli-Seip confirmado por fenótipo clínico e testes genéticos aos 9 anos de idade.
Dentre as alterações típicas da síndrome, estavam presentes na paciente a distribuição irregular de tecido adiposo, concentrado na região púbica, a aparência acrobilioide, a hipertrofia muscular, a elevada resistência à insulina e a esteatose hepática (figura I). A paciente também apresentava, concomitantemente, a síndrome de Sjögren, doença autoimune de infiltração linfoplasmocitária nas glândulas lacrimais e salivares que resulta em importantes xeroftalmia e xerostomia.
A queixa principal e motivo do encaminhamento à equipe da Cirurgia Plástica do HUCFF-UFRJ foi o aumento do volume adiposo na região púbica que determinava grande sofrimento psicossocial para a paciente. A Ressonância Magnética da pelve evidenciou aumento do volume do tecido adiposo na região púbica com aspecto em avental, com maior espessura no nível do púbis situado em cerca de 5 cm no eixo anteroposterior (figura II). O estudo do tecido celular subcutâneo também foi feito através da ultrassonografia da região púbica e demonstrou equivalência de espessura das camadas areolar e lamelar (figuras III).
FIGURA I: paciente portadora da síndrome de Berardinelli, com lipodistrofia púbica.
FIGURA II: ressonância magnética de abdome inferior/pelve em cortes axial e coronal, respectivamente, demonstrando espessa camada de tecido subcutâneo em região púbica.
FIGURA III: Imagens ultrassonografias da região púbica - em amarelo, tecido subcutâneo areolar; em azul, tecido subcutâneo lamelar; em vermelho, camada muscular.
Resultado
O tratamento proposto para a lipodistrofia da região púbica constituiu no procedimento de lipoaspiração associado à dermolipectomia “em diamante”, técnica idealizada pelo autor João Medeiros e que consiste em uma marcação cirúrgica no formato de um diamante e cicatriz final em “T invertido”. Tal técnica objetiva reduzir nas dimensões vertical e horizontal o volume subcutâneo total do púbis. O resultado com 6 dias após o procedimento cirúrgico foi registrado, com relato de satisfação da paciente.
FIGURA IV - Marcação em diamante; ressecção e pesagem de peça cirúrgica.
FIGURA V - Aspecto com 6 dias pós-operatório.
Discussão
A deformidade adiposa da região púbica foi classificada por El-Khatib em 2011, em uma proposta de 4 diferentes graus. Na deformidade Grau 1 é observado abaulamento leve da região com cobertura ausente ou mínima da genitália externa, sendo proposta, para esses casos, a lipoaspiração. No Grau 2, o abaulamento moderado resulta em cobertura parcial da genitália externa, devendo ser tratado com dermolipectomia assistida por lipoaspiração. O Grau 3 se caracteriza pelo abaulamento importante com cobertura completa da genitália externa, sendo recomendado o tratamento com dermolipectomia assistida por lipoaspiração e suspensão fascial-dérmica, considerando a excisão em cunha vertical para tratamento da frouxidão horizontal. A ptose é característica da deformidade Grau 4, com cobertura parcial ou completa da genitália externa. Esta deve ser idealmente tratada com dermolipectomia associada a suturas de suspensão e excisão em cunha vertical para tratar a frouxidão horizontal. 8,9
A lipodistrofia púbica apresentada pela paciente se classificava como grau 4 de El-Khatib (ptose tecidual com cobertura completa da genitália externa) e foi tratada segundo recomendação do autor através da lipectomia com componente vertical. Observou-se melhora do contorno e do volume púbicos, atendendo às queixas da paciente. A hipertrofia dos grandes lábios, acentuada com o tratamento, foi oferecida à paciente como procedimento posterior, porém não interessou à paciente que se disse satisfeita com o resultado obtido. Notou-se boa indicação da técnica proposta pelo autor no tratamento da lipodistrofia púbica. 9
Conclusão
A puboplastia em diamante demonstrou-se uma técnica de sucesso na obtenção da redução das dimensões vertical e horizontal do púbis e do volume subcutâneo total da região.
Referências
1. Berardinelli W. (1954). An undiagnosed endocrinometabolic syndrome: report of 2 cases. The Journal of clinical endocrinology and metabolism, 14(2), 193– 204. https://doi.org/10.1210/jcem-14-2-193
2. Seip M, Trygstad O. Generalized lipodystrophy, congenital and acquired (lipoatrophy). Acta Paediatr Suppl 1996; 413: 2-28.
Azevedo Medeiros, L. B., Cândido Dantas, V. K., Craveiro Sarmento, A. S., Agnez-Lima, L. F., Meireles, A. L., Xavier Nobre, T. T., de Lima, J. G., & de Melo Campos, J. T. A. (2017). High prevalence of Berardinelli-Seip Congenital Lipodystrophy in Rio Grande do Norte State, Northeast Brazil. Diabetology & metabolic syndrome, 9, 80. https://doi.org/10.1186/s13098-017-0280-7
4. DANTAS, V. K de S. C. Síndrome de Berardinelli: Territorialidade e Imaginário. 2005. 128 f. Dissertação (Mestrado em Dinâmica e Reestruturação do Território) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005.
5. Gomes KB, Pardini VC, Fernandes AP. Clinical and molecular aspects of Berardinelli-Seip Congenital Lipodystrophy (BSCL). Clin Chim Acta. 2009 Apr;402(1-2):1-6. doi: 10.1016/j.cca.2008.12.032. Epub 2009 Jan 9. PMID: 19167372.
6. Barra, C. B., Savoldelli, R. D., Manna, T. D., Kim, C. A., Magre, J., Porta, G., Setian, N., & Damiani, D.. (2011). Síndrome de Berardinelli-Seip: descrição genética e metabólica de cinco pacientes. Arquivos Brasileiros De Endocrinologia & Metabologia, 55(1), 54–59. https://doi.org/10.1590/S0004-27302011000100007
7. AMARAL, D. M. Avaliação dos Níveis de Leptina e Resistência Insulínica na Síndrome de Berardinelli-Seip. 2005. Dissertação (Mestrado em Medicina) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
8. Silva SL. Variações anatômicas do tecido celular subcutâneo pós-perda ponderal. Rev. Bras. Cir. Plást. 2010;25(4):675-678
9.El-Khatib, H.A. Mons Pubis Ptosis: Classification and Strategy for Treatment. Aesth Plast Surg 35, 24–30 (2011). https://doi.org/10.1007/s00266-010-9552-4
Palavras Chave
lipodistrofia; púbis; Berardinelli-Seip
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
HUCFF UFRJ - Rio de Janeiro - Brasil
Autores
ANDRESSA CARVALHO QUINET DE ANDRADE, MARCOS LOURO HOLLANDA, ALBERTO MOTA, CESAR CLAUDIO DA SILVA, WENDEL RIBEIRO, JOAO MEDEIROS