60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

NEUROFIBROMA PLEXIFORME GIGANTE EM PACIENTE JOVEM: RELATO DE CASO

Resumo

A neurofibromatose do tipo 1 é uma doença genética que acomete estruturas neuroectodérmicas, causando manifestações clínicas variadas, incluindo as manchas café com leite, neurofibromas diversos e hamartoma de íris. No entanto, a apresentação clínica com neurofibroma único e gigante pesando mais que 50 quilogramas é rara e de difícil manejo clínico e cirúrgico. Apresentamos o caso de um paciente de 24 anos, portador de neurofibromatose tipo 1, com a presença de um neurofibroma plexiforme extenso acometendo a região glútea-sacra, com o acesso proposto para o tratamento cirúrgico multimodal, envolvendo o serviço de Cirurgia Geral, Cirurgia Oncológica, Anestesiologia e Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-RJ).

Introdução

A neurofibromatose do tipo 1 (NF1) consiste em uma doença genética autossômica dominante frequente, com uma incidência de um a cada 2.600 a 3.000 nascidos vivos. Desses casos, aproximadamente metade são herdados geneticamente e os outros 50% são decorrentes de mutações esporádicas (1). A NF1 não possui predileção por nenhum gênero ou raça específica (2). As manifestações clínicas são diversas, e as mais usuais são o acometimento da pele com a presença de manchas café-com-leite e máculas pigmentadas em regiões axilares e/ou inguinais; acometimento oftalmológico com nódulos de Lisch (hamartomas de íris), glaucoma e glioma; e ainda tumores que derivam de nervos periféricos, como os neurofibromas (3). Os três tipos mais comuns de neurofibromas incluem os localizados, difusos e os plexiformes (4). O neurofibroma plexiforme (NP) tem predileção por áreas com maior inervação, sendo muito mais observados em áreas como a face e o pescoço e eles raramente chegam a tamanhos maiores que 5 cm (5). Neurofibromas plexiformes gigantes são entidades raras e com poucos relatos na literatura. Até o presente momento há somente três publicações com relatos de neurofibroma plexiforme com peso maior que 30 quilogramas (6-8).
Neste contexto, apresentamos o caso de F. S. D. O. F., sexo masculino, 24 anos, natural e residente no estado do Rio de Janeiro, desde 2018 diagnosticado com Neurofibromatose tipo 1. Apresentou desde esta época o crescimento progressivo de uma tumoração em região glúteo-sacra, tendo o diagnóstico histopatológico de neurofibroma. Em 2019 foi programada cirurgia para ressecção da lesão pela Cirurgia Oncológica, abortada devido a sagramento de difícil controle no intra-operatório. Em 2023 sofreu um acidente doméstico com queda da própria altura, ocasionando sangramento intratumoral importante e instabilidade hemodinâmica, que foi resolvida com suporte intensivo. Após este acontecimento, o paciente evoluiu com um shunt vascular intra-tumoral, anemia refratária e insuficiência cardíaca de alto fluxo, além de crescimento importante do neurofibroma (foto 1), ocasionando baixa capacidade funcional.

Objetivo

Descrever a estratégia reconstrutiva e o manejo pós-operatório após a ressecção de neurofibroma gigante em um paciente jovem.

Método

Relato de caso

Resultado

A fim de se obter um melhor controle do sangramento intra-operatório, foi deliberada angioembolização da lesão pela Radiologia Intervencionista e 72 horas após realizada cirurgia para ressecção da lesão pela Cirurgia Oncológica. O procedimento cirúrgico para ressecção em bloco da lesão glúteo-sacra (peso peça cirúrgica: 50,9 quilogramas) (vide foto 2) teve duração de 06 horas e houve necessidade de transfusão de 16 concentrados de hemácias, 10 plasmas frescos, 02 crioprecipitados, 09 litros de cristalóides e 28 frascos de albumina.
Neste contexto de gravidade, a estratégia reconstrutiva imediata pela Cirurgia Plástica foi baseada na manipulação cuidadosa e rápida dos tecidos circunjacentes, confeccionando retalhos em avanço das regiões lombar e flancos bilateralmente, posicionando-os na região do defeito com uma sutura de tensão progressiva e enxertia de pele parcial (retirada da peça cirúrgica) no defeito remanescente após o avanço dos retalhos (vide foto 3: aspecto do pós-operatório imediato).
No pós-operatório foi optado por manter o paciente em posição pronada, porém ainda no primeiro dia pós-operatório, devido à gravidade do caso, o paciente foi colocado em posição supinada pela equipe da Terapia Intensiva.
Houve sofrimento dos retalhos em avanço e pega insatisfatória do enxerto de pele parcial. No décimo dia pós-operatório evoluiu com leucocitose, febre e presença de exsudato no sítio cirúrgico, sendo necessário desbridamento, lavagem da lesão e colocação de curativo a vácuo. No 56 dia pós-operatório, como o paciente apresentava anemia e hipoalbuminemia (hemoglobina sempre abaixo de 7,5 e albumina abaixo de 2,3) a despeito da dieta, hemotransfusão e tratamento medicamentoso adequado, foi realizado o aloenxerto de pele parcial (banco de pele) como curativo biológico (vide foto 4), tendo pega de uma ilha pequena em região lombar. Desde então o paciente é acompanhado em regime ambulatorial e mantém curativo diário com hidrogel e suplementação dietética. Apresenta, no momento, contração importante da ferida operatória (vide foto 5: 150 dia pós-operatório) e melhora da anemia e hipoalbuminemia, tendo programação de enxertia de pele parcial autóloga em breve.

Discussão

A neurofibromatose se caracteriza por ser uma doença genética com acometimento das células que derivam da crista neural, como por exemplo as células de Schwann, os mastócitos, fibroblastos e as células perineurais. A forma mais prevalente dessa doença é a neurofibromatose tipo 1, correspondendo a cerca de 90% dos casos da neurofibromatose. O neurofibroma plexiforme, uma forma de apresentação da NF1, aumenta a morbidade e incide em cerca de 30% dos pacientes (9,10). Geralmente ele já está presente nos primeiros 2 a 5 anos de vida (9), podendo crescer ao longo do tempo mas raramente chegando a tamanhos como o do relato. Por ser um tumor de grandes proporções, há um impacto direto nas atividades funcionais do paciente, que deixa de realizar atividades diárias pela restrição de mobilidade, além de ser um importante fator de estigmatização social.
Além disso, os neurofibromas plexiformes gigantes são tumores extremamente vascularizados. O sangramento intratumoral e o consequente shunt-intratumoral dos neurofibromas já foi amplamente discutido na literatura, e pode ser explicado pela friabilidade do tecido vascular, ocasionada por displasia arterial, além de invasões dos vasos tumorais (4, 11, 12). Essa complicação pode culminar com uma insuficiência cardíaca de alto fluxo com piora do status performance do paciente, porém tal complicação pode ser reversível após ressecção cirúrgica da lesão, como ocorreu no caso aqui apresentado (15). A angioembolização arterial da massa tumoral tem o objetivo de diminuir o sangramento intra-operatório, trazendo desfechos favoráveis nestas situações (4, 13, 14).
No âmbito da cirurgia reconstrutiva em defeitos amplos após a ressecção de neurofibromas plexiformes gigantes, que na maioria dos casos espoliam o paciente com o sangramento intra-operatório durante a ressecção, as opções descritas na literatura são o fechamento primário e a enxertia de pele retirada do próprio neurofibroma (15, 16, 17). Em situações de grandes áreas cruentas sem possibilidade de tratamento definitivo, tem-se a terapia a vácuo como uma boa opção para estímulo da cicatrização e manutenção da ferida limpa. O homoenxerto/aloenxerto de pele humana, por sua vez, atuou como curativo biológico, sendo uma opção viável, disponível e segura, a despeito da rejeição tecidual que acontece na maioria dos casos (18, 19, 20).

Conclusão

O neurofibroma plexiforme gigante é uma entidade rara, debilitante e de difícil manejo. Requer abordagem multidisciplinar e estratégias complexas para que sua ressecção cirúrgica e reconstrução ocorram com sucesso.

Referências

1. EVANS, D. G. et al. Birth incidence and prevalence of tumor-prone syndromes: estimates from a UK family genetic register service. J Med Genet A. v.152A(2):327, 2010.
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3. MINOSSI, J. G. et al. Neurofibromatose: relato de caso. Acta Cirúrgica Brasileira, v. 15, n. 3, p. 174–176, 2000.
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5. REKHA, A.; GOPALAN, T. R. Von recklinghausen neurofibromatosis-pachydermatocele causing lower limb gigantism: a case report. Int J Low Extrem Wounds. V.5(1):61-3, 2006.
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10. VERMA, S. et al. Plexiform neurofibromatosis of left upper arm: a rare case report and review of the literature. Int. Surg. J. v. 2317–2319, 2016.
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Palavras Chave

Neurofibroma Plexiforme; Cirurgia Reconstrutiva

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

ALBERTO OLIVEIRA DA COSTA MOTA, ANDRESSA CARVALHO QUINET DE ANDRADE, MARCOS LOURO DE HOLLANDA, CESAR SILVEIRA CLAUDIO-DA- SILVA, JULIANO CARLOS SBALCHIERO