Dados do Trabalho
Título
A ASSOCIAÇAO DE RADIOTERAPIA NEOADJUVANTE, CIRURGIA E RADIOTERAPIA ADJUVANTE PARA TRATAMENTO DE QUELOIDE GIGANTE DE ORELHAS
Resumo
Introdução: As cicatrizes queloidianas são tumorações dérmicas benignas, que ocorrem após diversos tipos de injúria ao tecido cutâneo. Podem ocorrer em qualquer topografia da pele, sendo que os queloides de orelhas apresentam um crescimento mais exuberante e maiores taxas de recorrência. Objetivo: O presente trabalho visa relatar um caso exuberante de quelóide bilateral em orelhas, onde após inúmeras abordagens cirúrgicas e não cirúrgicas prévias não obtiveram sucesso, sugerimos a associação de radioterapia neoadjuvante, procedimento cirúrgico e radioterapia adjuvante. Relato de Comunicação: Paciente masculino, 35 anos, casado, negro, sem ocupação laboral, procurou o ambulatório de cirurgia plástica queixando-se de quelóides volumosos em orelhas bilateralmente com evolução de dezoito anos. Ao longo desse período, foi submetido a seis cirurgias, todas com recidiva depois de aproximadamente 1 mês a cada cirurgia, com o crescimento progressivo das cicatrizes queloidianas. Os queloides apresentavam uma dimensão de 28,0 x 11,0 x 7,0 cm na orelha direita e estendendo-se como um pêndulo até aproximadamente 10 cm abaixo da clavícula direita. Na orelha esquerda, tem uma dimensão de 13,0 x 12,5 x 6,0 cm e obstruía totalmente entrada do canal auditivo esquerdo. Devido à extensão dos tumores e das várias recidivas, optemos por utilizar 3 técnicas de tratamento: radioterapia neoadjuvante pela emissão de fóton, cirurgia intralesional e radioterapia adjuvante pela emissão de elétrons. Resultado: Foi obtido um resultado estético, sem indícios de recidiva até o presente momento, além de grande satisfação do paciente. Como intercorrências, tivemos necrose de 40% do retalho da orelha esquerda, com epitelização completa depois de 2 meses. O tempo de acompanhamento foi de 10 meses até o momento da entrega desse trabalho. Discussão: Malaker descreve análise retrospectiva que avaliou o emprego da irradiação neoadjuvante para queloides irressecáveis em 86 casos, demonstrou que 97% dos pacientes apresentaram melhora completa dos sintomas de prurido e disestesias.⁴ O tratamento com radioterapia neoadjuvante pela emissão de fótons possibilitou a abordagem de áreas distantes e profundas radiossensíveis e a resposta foi imediata após o término da última sessão. Estudos demonstram que cerca de 88% dos pacientes tratados com cirurgia seguida de eletronterapia não apresentam indícios de recorrência após um período de acompanhamento de 26 meses.⁵ Após o tratamento cirúrgico, o tratamento com radioterapia adjuvante pela emissão de elétrons possibilitou a abordagem das áreas radiossensíveis remanescentes, as quais possibilitariam a recorrência futura do queloide. Conclusão: A associação da radioterapia pela emissão de fótons, a cirurgia e a radioterapia pela emissão de elétrons foi bem indicada e eficaz, dada a grande extensão dos queloides, e sem sinais de recidiva até 10 meses de acompanhamento.
Introdução
As cicatrizes queloidianas são tumorações dérmicas benignas, que ocorrem após diversos tipos de injúria ao tecido cutâneo. Ocorrem devido a um desequilíbrio no processo de cicatrização fisiológico, que resultam em massas que invadem para além das margens do dano tecidual primário.¹ Sua etiopatogenia ainda não é bem conhecida, porém já se sabe do importante papel da predisposição genética, bem como da etnia, idade e sexo.¹ Podem ocorrer em qualquer topografia da pele, sendo que os queloides em orelhas apresentam um crescimento exuberante e maiores taxas de recorrência.²
As opções terapêuticas são diversas, no entanto, tendem a apresentar uma acentuada taxa de insucesso, como no caso da excisão cirúrgica isolada, que pode apresentar recidiva em até 80% dos casos.¹ Atualmente, uma abordagem que tem se mostrado cada vez mais promissora é a Eletronterapia, uma forma de radioterapia adjuvante. Essa modalidade se dá pela irradiação de feixes de elétrons por meio de aceleradores lineares, permitindo um ajuste fino da dose de energia e da sua distribuição pelo tecido alvo, garantindo menores índices de recidiva e melhor tolerância ao tratamento.³ No entanto, um grande limitador dessa técnica é a abrangência máxima de até 5 cm de profundidade, fazendo com que em casos de queloides volumosos seja necessário abrir mão de outras formas de radiação.¹
Objetivo
O presente trabalho visa relatar um caso exuberante de quelóide bilateral em orelhas, onde após inúmeras abordagens cirúrgicas e não cirúrgicas prévias sem sucesso, sugerimos a associação de radioterapia neoadjuvante, procedimento cirúrgico e radioterapia adjuvante, com ausência de recidiva até o presente momento, 10 meses após.
Método
Paciente masculino, 35 anos, casado, negro, sem ocupação laboral, procurou o ambulatório de cirurgia plástica queixando-se de quelóides volumosos em orelhas bilateralmente com evolução de dezoito anos. Refere que aos 17 anos realizou a inserção de 1 brinco no lóbulo da orelha direita, e inserção de 1 brinco no lóbulo de orelha esquerda seguida de 5 piercings na hélice ipsilateral. Aproximadamente 6 meses após, começou a apresentar crescimento de queloides nos locais das perfurações.
Informa que ao longo dos anos, foi submetido a uma série de abordagens consecutivas. Inicialmente foram realizados 4 procedimentos cirúrgicos ambulatoriais, além de 2 cirurgias de maior complexidade realizadas em centro cirúrgico, tendo sido essas associadas a infiltrações de corticoide local. No entanto, sempre apresentava recidivas cada vez mais precoces em poucas semanas e com aumento exponencial no volume dos queloides. O paciente relatou que todas os procedimentos anteriores foram realizados em vigência de prurido local.
No momento da consulta, queixava-se de prurido nas tumorações em orelhas, bem como de diminuição da audição à esquerda. Ao exame, presença de volumosa tumoração firme, normocrômica, de superfície bosselada em ambos os pavilhões auriculares. A orelha direita media 28,0 x 11,0 x 7,0 cm, cuja base ocupava todo 1/3 distal (lóbulo) da orelha direita e estendendo-se como um pêndulo até aproximadamente 10 cm abaixo da clavícula direita. A orelha esquerda media 13,0 x 12,5 x 6,0 cm e apresentava um aspecto bosselado em grumos (casca de ovo), cuja base ocupava toda orelha esquerda, obstruindo totalmente entrada do canal auditivo esquerdo, e estendendo-se até a região retro-auricular esquerda. (Imagens 1 e 2)
Devido à presença de atividade proliferativa dos quelóides, evidenciada pelo prurido, devido às várias recidivas depois dos tratamentos prévios e devido à dimensão dos queloides, utilizamos três tipos de tratamentos, sendo dois radioterápicos e um cirúrgico.
1.a etapa:
Radioterapia neoadjuvante pela emissão de fótons: permite que os elétrons cheguem a áreas mais profundas. Foi realizado dose total de 20 Gy, em 5 frações administradas em dias consecutivos. As imagens da tomografia computadorizada demonstram o alcance da radiação por elétrons por toda a extensão do queloide. (Imagem 3)
2.a etapa:
Técnica cirúrgica intralesional: paciente submetido à cirurgia anestesia geral. Na orelha direita, o queloide não se estendeu ao 1/3 superior e médio da orelha direita. Realizamos a exérese do queloide, preservando o tecido queloidiano em sua base para reconstrução do lóbulo da orelha direita. Hemostasia e sutura com fio inabsorvível nylon 4-0. Na orelha esquerda, devido às cirurgias prévias, não identificamos as estruturas anatômicas da hélice e anti-hélice, assim como o lóbulo. O queloide preservou tanto a concha como o canal auricular. Preservando uma faixa de aproximadamente 2,0 a 3,0 cm na base do tecido quelodiano, o qual foi dobrado em torno dele para reconstrução de toda orelha esquerda.
3.a etapa:
Radioterapia adjuvante pela emissão de elétrons: foi iniciada 12 horas após o ato cirúrgico. A dose total de irradiação foi de 18 Gy, fracionada em 3 sessões realizadas em dias consecutivos. A terapia foi instituída com um feixe de 6 MeV, 706 u.m/tempo, a 100 cm de distância fonte-superfície, com utilização de cone 10x10 para delimitação do campo.
Como efeito adverso, verificamos uma radiodermite, com necrose de cerca de 40% do retalho cirúrgico em orelha esquerda, tendo sido realizado desbridamento da área necrótica seguido por confecção de curativos hidro ativos a base de poliacrilato superabsorvente, incorporado em fibras de celulose e de pasta celulósica. Após 2 meses e com 2 curativos semanais, a ferida se encontrava totalmente epitelizada. Além disso, depois de aproximadamente 4 meses, a orelha esquerda já tinha reduzido o seu tamanho em mais ou menos 20 %, relacionado à retração da pele por conta da radiodermite. A orelha direita apresentou pequena crosta de 1 x 1 cm, que epitelizou depois de 3 meses, tendo sido utilizado como curativo a colagenase diariamente. Não houve nenhum efeito adverso sistêmico. (Imagem 4)
Após 10 meses de seguimento, o paciente apresenta-se com excelente resultado estético e funcional, sem nenhuma evidência de recidiva. Vale ainda ressaltar o grande impacto do sucesso da terapia sobre o âmbito emocional do paciente, bem como na sua integração ao meio social, tendo em vista que, depois de 6 meses de tratamento, o mesmo foi contratado como piscineiro em um clube na cidade em que mora. A orientação foi o uso de gel de silicone associado ao filtro de proteção solar de FPS > 70 e bonés com proteção solar ao UVA e UVB.
Resultado
A orelha direita se encontra com um resultado estético muito significativo, com o lóbulo acometido bem natural. Na orelha esquerda houve uma retração da pele no ⅓ cranial e ⅓ medial da orelha (Imagem 5). Tal fato se deu, além da retração da pele por conta da radiodermite, provavelmente pela ausência da cartilagem da hélice e anti-hélice nesse local, decorrentes das cirurgias prévias. A audição da orelha direita se encontra normal desde a cirurgia. A satisfação e a gratidão do paciente foram o melhor resultado.
Discussão
O tratamento das cicatrizes queloidianas recidivantes ainda é desafiador, no entanto, o emprego da radioterapia associada à abordagem cirúrgica vem apresentando resultados promissores.⁴
Um ponto importante a ser discutido é que a maior parte dos trabalhos não cita a presença ou não de sintomatologia local no momento da abordagem cirúrgica. É nesse ponto que a radioterapia neoadjuvante se faz relevante. Uma análise retrospectiva que avaliou o emprego da irradiação neoadjuvante para queloides irressecáveis em 86 casos, demonstrou que 97% dos pacientes apresentaram melhora completa dos sintomas de prurido e disestesias.⁴ No caso apresentado, a resposta à radioterapia pré-operatória também foi satisfatória, já que o paciente apresentou-se assintomático após 24 horas da quinta sessão da radioterapia primária, que foi realizada na dose total de 20 Gy em 5 frações, por meio da emissão de fótons.
O tratamento com radioterapia neoadjuvante pela emissão de fótons possibilitou a abordagem de áreas profundas radiossensíveis. Após o tratamento cirúrgico, a radioterapia adjuvante pela emissão de elétrons possibilitou a abordagem das áreas radiossensíveis remanescentes, as quais poderiam levar a recorrência futura do queloide.⁶
No que tange o tempo livre de recidiva, a eletronterapia pós-operatória já é tida como um método eficaz na prevenção de recorrência de queloides.² Estudos demonstram que cerca de 88% dos pacientes tratados com cirurgia seguida de eletronterapia não apresentam indícios de recorrência após um período de acompanhamento de 26 meses.⁵ As doses totais preconizadas em literatura variam entre 18 a 21 Gy para radiação após excisão.⁶
Em relação aos efeitos adversos, os mais frequentes na associação do procedimento cirúrgico com radioterapia são reações leves e bem toleradas, tais como hiperpigmentação, descamação e telangiectasias locais. Sabe-se ainda que a toxicidade decorrente da radioterapia pode levar a dermatite e deiscência de feridas.³ No caso em questão houve necrose de 40 % do retalho, o que pode estar relacionado ao descolamento e rotação do retalho queloidiano para reconstrução da orelha esquerda, associado à radiodermite.⁴ Não houve nenhum efeito adverso sistêmico e tampouco sinais de malignidade.
Segundo Malaker, o tempo médio de recorrência do queloide é de 12 a 15 meses.⁴ Acompanhamos nosso paciente durante 10 meses, sem sinais de recorrência desde o término imediato da última sessão de radioterapia pela emissão de fótons. Na época da apresentação desse trabalho, estará completando 13,5 meses de acompanhamento.
Conclusão
A associação da radioterapia neoadjuvante pela emissão de fótons, a cirurgia e a radioterapia adjuvante pela emissão de elétrons foi bem indicada e eficaz, dada a grande extensão dos queloides, e sem sinais de recidiva até 10 meses de acompanhamento
Referências
1. Oliveira Júnior B, Lastoria JC, Pereira HR, Silveira LVA, Oliveira LP, Stolf HO. Estudo comparativo entre o tratamento radioterápico com elétrons e betaterapia, após cirurgia de queloides. Surgical & Cosmetic Dermatology. 2009;1(2):53-57.
2. Jones ME, McLane J, Adenegan R, Lee J, Ganzer CA. Advancing Keloid Treatment: A Novel Multimodal Approach to Ear Keloids. Dermatol Surg. 2017 Sep;43(9):1164-1169. doi: 10.1097/DSS.0000000000001145. PMID: 28375976.
3. Vila Capel A, Vilar Palop J, Pedro Olivé A, Sánchez-Reyes Fernández A. Adjuvance in refractory keloids using electron beams with a spoiler: Recent results. Rep Pract Oncol Radiother. 2014 Aug 28;20(1):43-9. doi: 10.1016/j.rpor.2014.08.005. PMID: 25535584; PMCID: PMC4268597.
4. Malaker, K., Vijayraghavan, K., Hodson, I., & Al Yafi, T. (2004). Retrospective Analysis of Treatment of Unresectable Keloids with Primary Radiation Over 25 Years. Clinical Oncology, 16(4), 290–298. doi:10.1016/j.clon.2004.03.005
5. Garg, MK, Weiss, P., Sharma, AK, Gorla, GR, Jaggernauth, W., Yaparpalvi, R.,… Beitler, JJ (2004). Braquiterapia adjuvante de alta taxa de dose (Ir-192) no tratamento de queloides que recorreram após excisão cirúrgica e radiação externa. Radioterapia e Oncologia, 73(2), 233–236. doi:10.1016/j.radonc.2004.04.010
6. Chamberlain DD. Pocket Guide to Radiation Oncology. 2nd. ed. Demos Medical Publishing; 2020. 337 p.
Palavras Chave
Queloide; Radioterapia Adjuvante; Terapia Neoadjuvante
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Escola Álvaro Alvim - Rio de Janeiro - Brasil
Autores
TERCIO ABREU DA FONSECA, MARIANA PEREATO FERNANDES, FABIANO DE OLIVEIRA GONÇALVES, DAVI LONTRA VIEIRA DA FONSECA, JULIA PEREATO FERNANDES