Dados do Trabalho
Título
Análise histopatológica da cicatriz de mastectomia e sua relevância clínica
Resumo
O câncer de mama é considerado a malignidade não cutânea mais frequente globalmente. Este estudo investiga a necessidade de análise histopatológica de cicatrizes de mastectomia de rotina em cirurgias de reconstrução mamária. Embora as taxas de recorrência do câncer de mama variem de 4% a 20%, a recorrência nas cicatrizes é rara. A análise histopatológica de rotina dessas cicatrizes parece ter limitada relação de custo-efetividade. O estudo sugere que seja realizada uma abordagem mais seletiva através de anamnese e exame físico direcionados para identificar pacientes com maior probabilidade pré-teste de recorrência, oferecendo uma alternativa mais econômica diante de restrições financeiras. Essa estratégia prioriza recursos para pacientes com indicadores prognósticos mais desfavoráveis, enfatizando a importância da suspeita clínica em relação às análises histopatológicas de rotina durante a reconstrução mamária.
Introdução
O câncer de mama é considerado atualmente o tumor maligno não cutâneo mais frequente no mundo, com cerca de 2,3 milhões de novos casos por ano. Aproximadamente 1 em cada 4 novos casos de câncer no mundo é de mama [1]. No Brasil foram registrados 73.610 novos casos em 2023, com um risco estimado de 66,54 casos a cada 100 mil mulheres[2].
O método diagnóstico mais utilizado é a biópsia de tecido mamário, que possui indicação relativa quanto às alterações observadas no exame físico ou exames de imagem[3].
Entre as modalidades de tratamento cirúrgico utilizadas estão a mastectomia radical, mastectomia radical modificada, mastectomia parcial e a quadrantectomia, que invariavelmente deixam cicatrizes na pele[4].
Apesar do avanço das técnicas cirúrgicas, o resultado da mastectomia pode ter um impacto significativo na vida da paciente, causando considerável prejuízo psicossocial. Em Maio de 1999 foi publicada a primeira lei brasileira que torna obrigatória a opção de cirurgia plástica reparadora da mama em casos de mutilação decorrente do tratamento de câncer no Sistema Único de Saúde (SUS)[5]. Desde então, o número de cirurgias plásticas reparadoras de mama tem aumentado. De 2015 a 2020, foram realizadas 204.569 cirurgias oncológicas de mama, 17.927 (10,42%) cirurgias de reconstrução com implantes mamários pós mastectomia, 115.330 (67,09%) reconstruções com retalhos miocutâneos ou de outras partes e 38.643 (22,47%) cirurgias plásticas de mama feminina não estética[6]. Associado à cirurgia reparadora tardia, muitos serviços mantêm a rotina de realizar análise histopatológica das cicatrizes de mastectomia em busca de reincidência neoplásica em todos os casos[7].
Objetivo
Considerando o crescente número de cirurgias plásticas reparadoras no contexto do câncer de mama, o presente artigo revisa dados para avaliar a efetividade da manutenção dessa prática histopatológica de rotina, considerando recursos financeiros e humanos, além da relevância epidemiológica e o impacto na sobrevida dos pacientes.
Método
O estudo foi elaborado a partir da pesquisa de artigos no PubMed, utilizando os descritores “Câncer de mama”, “Cicatriz” e “Mastectomia” combinados na seleção de “Resumo/Título”. Os termos foram pesquisados na língua inglesa e todos os artigos foram considerados, independentemente da data da publicação, totalizando 251 artigos até 25 de fevereiro de 2024.
O processo de seleção envolveu a leitura dos títulos e resumos, avaliando a relevância para o estudo. Foram considerados elegíveis os artigos que apresentavam dados estatísticos sobre a recorrência do câncer de mama, independentemente da cirurgia inicial realizada, e a relevância da análise histopatológica de cicatrizes pós mastectomia. Com isso, 46 artigos foram agrupados e, após analisar a metodologia e resultados, foram descartados os que não descreviam objetivamente a quantidade de pacientes submetidos às terapias ou que focavam em aspectos não pertinentes. Ao final, 21 artigos foram incluídos primariamente.
Resultado
Dentre os 21 artigos selecionados, 16 têm como base do estudo a análise retrospectiva das evoluções clínicas de pacientes operados previamente para o tratamento do câncer de mama[8-23]. Dois desses artigos representam relato de casos, com limitações em seus métodos[24,25]. Os outros três artigos trazem dados relevantes para o diagnóstico de uma recorrência do câncer de mama[26,27,28].
A taxa de recorrência geral do câncer de mama após o tratamento cirúrgico inicial está entre 4 a 20%[16-17; 21-23]. No entanto, a avaliação histopatológica da recorrência do câncer de mama em cicatrizes foi abordada por doze dos artigos selecionados[8-16,18-19,22] e, na maioria deles, a identificação histopatológica de malignidade nas cicatrizes foi próxima de zero. É importante destacar que o número total de cicatrizes avaliadas pelos artigos foi bastante variável. Um dos artigos apresentou um número total de cicatrizes avaliadas de 14 com recorrência de câncer de mama em 1 das 14 cicatrizes, o que representa uma porcentagem de 7,14%[11]. Por outro lado, um estudo com 619 cicatrizes de mastectomia não evidenciou nenhuma recorrência a partir da análise histopatológica do material das cicatrizes[18]. Em sete dos estudos analisados, nenhuma das cicatrizes enviadas para o exame histopatológico demonstrou evidência de recidiva do câncer de mama[8-9,12-14,18-19]. Considerando os estudos selecionados que tiveram um espaço amostral de cicatrizes pós mastectomia acima de 100 [8-10,12,16,18-19,22], a porcentagem de cicatrizes de câncer de mama que evidenciaram a recidiva ficou de no máximo 0,8% para cada estudo analisado.
A análise dos artigos demonstrou desenvolvimento considerável de recorrências do câncer de mama em sítios histopatológicos diferentes da cicatriz da mastectomia. Em sete artigos foram relatadas recorrências do câncer de mama durante a reconstrução mamária, porém a maior parte desses pacientes não evidenciava sinais de malignidade na cicatriz [9,12,14,16-17,19,22].
Discussão
O envio de cicatrizes da mastectomia para estudo histopatológico no momento da reconstrução é uma prática estabelecida em muitos serviços. Apesar da quantidade limitada de artigos com uma grande amostra e da presença de vieses, essa revisão sugere que essa análise de rotina não é custo-efetiva.
Em teoria, essa análise das cicatrizes de mastectomia poderia proporcionar o início da terapêutica de forma mais precoce, porém estudos apontam que são raros os casos em que não há indícios de recorrência detectáveis em exames clínicos e radiológicos[18].
A recidiva do câncer de mama em pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico tem incidência entre 4 a 20%. Mesmo sendo um valor relevante, ele não representa a porcentagem de cicatrizes de mastectomias positivas para malignidade [16-17,21-23], pois a recorrência raramente está localizada na cicatriz da mastectomia[28]. Isso ocorre pois a cicatriz representa uma área restrita da pele, não abrangendo totalmente o tecido mamário. A recidiva pode apresentar-se no tecido adjacente ou mesmo por metástases à distância.
Além disso, a recorrência do câncer de mama, que geralmente ocorre nos primeiros 3 anos após a mastectomia, pode ocorrer após a cirurgia reconstrutora[12,19,24]. Nesses casos, a análise
histopatológica da cicatriz da mastectomia no momento da reconstrução mamária, mesmo com resultado negativo para malignidade, não seria eficaz para descartar ou prevenir uma recidiva.
Em relação ao custo-benefício de tal análise generalizada, apesar do valor individual poder representar um gasto mínimo, ao somar um grande número de pacientes, esse custo apresenta um impacto importante[12]. Alguns valores observados foram de $602 dólares por cicatriz analisada, o que representou $27.821 dólares por ano no serviço da Universidade de Pittsburgh[12]. Considerando um sistema de saúde público complexo como o brasileiro, o benefício sugerido deve ser avaliado de forma objetiva. Diante desse cenário, um método seguro e menos dispendioso pode ser ofertado pela abordagem clínica, com seleção dos pacientes com maior probabilidade de recorrência, avaliação com exame físico, em que a palpação apresenta alta sensibilidade para a detecção de recorrências superficiais na cicatriz, além de exames de imagem complementares[23].
Ademais, como os exames de rastreio em geral, que são indicados racionalmente a uma população específica, a restrição do exame histopatológico de cicatrizes de mastectomia para um grupo de pacientes alvo seria viável. Sugere-se então o uso seletivo dessa análise para pacientes com prognóstico mais reservado e maior probabilidade de recidiva, levando a uma utilização racional dos recursos disponíveis.
Diante de qualquer suspeita clínica de recidiva do câncer de mama, devem ser realizados exames para uma investigação mais precisa e para determinar o tratamento adequado[14]. Assim, a avaliação cuidadosa pela equipe médica antes da reconstrução mamária é de extrema importância na identificação de evidências de recorrências locais ou sinais de metástases à distância.
Conclusão
O exame histopatológico de rotina das cicatrizes de mastectomia é capaz de detectar precocemente a recorrência de câncer de mama. No entanto, a presença desse achado na cicatriz é um evento extremamente raro e beneficia um percentual muito reduzido de pacientes. Assim, uma solução menos onerosa para o sistema público de saúde seria a seleção prévia à cirurgia de reconstrutora de pacientes com maior probabilidade pré-teste de recorrência do câncer de mama e da evidência de uma cicatriz de mastectomia com achados tumorais. Por conseguinte, uma avaliação clínica completa, com exame físico cauteloso e indicação correta de exames complementares podem determinar os indivíduos que apresentam reais benefícios desse recurso. Dessa forma, a análise histopatológica de rotina das cicatrizes seria substituída por uma compreensão racional dos indicadores de pior prognóstico e maior suspeição clínica.
Referências
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Palavras Chave
câncer de mama; mastectomia; Reconstrução de mama
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ) - Rio de Janeiro - Brasil
Autores
MARIA GABRIELA GOUVEA, MAYARA BORBUREMA DE OLIVEIRA, GABRIELA TEIXEIRA PEIXOTO, DEBORAH MIRANDA MORGADO, LUISA FORTINI FRANCO, DIOGO FRANCO