60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

TRATAMENTO CIRURGICO MULTIDISCIPLINAR DE COMPLICAÇOES DA EPIDERMOLISE BOLHOSA RECESSIVA DISTROFICA: RELATO DE CASO

Resumo

A Epidermólise Bolhosa (EB) é um grupo de desordens genéticas caracterizadas pela fragilidade da pele, formando bolhas após traumas leves podendo evoluir com complicações que causam importantes impactos no desenvolvimento psicossocial do paciente afetado. O estudo apresenta o caso de paciente de 14 anos com Epidermólise Bolhosa Distrófica Recessiva, enfrentando deformidades severas nas mãos, anemia crônica, retardo no desenvolvimento, apresentando perda de funcionalidade para atividades básicas diárias. O manejo multidisciplinar e o suporte familiar foram cruciais para o sucesso do tratamento resultando em uma significativa recuperação da função manual e melhoria na qualidade de vida do paciente.

Introdução

A Epidermólise Bolhosa (EB) representa um grupo de desordens genéticas causadas por mutações em várias proteínas estruturais da pele, caracterizadas pela fragilidade epitelial, que levam à formação de bolhas após trauma leve e a possibilidade de reparação e cicatrização patológica. ¹

Nos Estados Unidos, estima-se que a incidência de EB é cerca de 19,6 por um milhão de nascimentos vivos. Mais de 30 subtipos de Epidermólise Bolhosa (EB) são reconhecidos, agrupados em quatro categorias principais, baseadas predominantemente no plano de clivagem na pele e refletindo a anormalidade molecular subjacente: EB simples, EB juncional, EB distrófica e EB de Kindler. ²

A Epidermólise Bolhosa Distrófica (EBD) é causada por uma mutação no gene COL7A1, que codifica o colágeno tipo VII, componente das fibrilas de ancoragem na sublamina densa. As fibrilas de ancoragem defeituosas permitem a fácil separação da epiderme da derme, resultando em bolhas ao mínimo trauma cutâneo. ³

Os indivíduos com EBD apresentam sintomas clínicos ao nascimento, incluindo bolhas generalizadas, ulceração das membranas mucosas e cicatrizes patológicas. Esses sintomas pioram gradualmente com o progresso da doença, podendo causar perda de sangue crônica, infecções recorrentes e desnutrição, puberdade atrasada, pseudossindactilias, contraturas articulares, erosões da córnea, microstomia, cáries dentárias, anquiloglossia, osteoporose, início precoce de carcinomas espinocelulares mucocutâneos.4

Na epidermólise bolhosa distrófica recessiva, com o passar do tempo, as mãos evoluem com deformidades típicas. Há perda completa das unhas, pseudossindactilias e deformidades fixas em flexão de todas as articulações dos dedos. Se não tratada, a mão fica envolta em um "casulo" epidérmico, formando uma mão semelhante a uma luva. 5 Essas deformidades afetam a pinça funcional entre o polegar e o indicador, resultando em incapacidade física e redução da qualidade de vida dos pacientes.6

Objetivo

O objetivo deste trabalho é apresentar o caso de um paciente de 14 anos com Epidermólise Bolhosa Distrófica Recessiva e seu tratamento cirúrgico multidisciplinar realizado pela equipe de cirurgia plástica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE).

Método

Estudo retrospectivo baseado no seguimento clínico e análise de prontuário eletrônico. Realizada revisão da literatura sobre manejo de complicações associadas à Epidermólise Bolhosa Distrófica Recessiva.

Resultado

Trata-se de um paciente masculino de 14 anos, com diagnóstico de epidermólise bolhosa distrófica recessiva, desnutrição, anemia crônica e retardo de desenvolvimento corporal. Desde o nascimento já apresentava erosões por todo corpo, sendo mais evidentes em região perioral, dorso e membros inferiores.

Durante grande parte de sua infância não possuía acesso aos tratamentos específicos para as lesões ocasionadas pela doença, nem ao uso de órteses, evoluindo progressivamente com deformidades nas mãos características da patologia. Procurou o serviço de cirurgia plástica devido a perda da funcionalidade das mãos para atividades básicas diárias como escovar os dentes, escrever e manusear objetos pequenos.

Apresentava à avaliação inicial deformidades em luva de boxe, contraturas em flexão das articulações da mão, pseudossindactilias, destruição das matrizes ungueais e comprometimento da pinça funcional entre o polegar e o indicador, sendo indicado o tratamento cirúrgico das deformidades das mãos. (Imagem 01)

O paciente apresentava também, um extenso comprometimento dentário, apresentando cáries profundas com necessidade de múltiplas extrações dentárias, avaliadas pela equipe de odontologia hospitalar.

Para viabilizar o tratamento cirúrgico multidisciplinar de forma mais segura possível, houve a necessidade de se realizar um preparo pré-operatório com pediatras, anestesistas, dentistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e outros técnicos paramédicos.

O quadro de anemia crônica ocasionado pela patologia de base e o acesso venoso difícil, determinaram a necessidade de um cateter venoso central de inserção periférica (PICC), para infusão de medicamentos e preparo hematológico, com infusão de ferro endovenoso e transfusão de concentrado de hemácias.

A microstomia decorrente da doença exigiu da equipe da equipe de anestesia, o uso de um nasofibrolaringoscópio infantil a fim de garantir uma intubação orotraqueal com máxima segurança e o mínimo de trauma à mucosa.

A equipe da odontologia hospitalar realizou procedimentos de exodontias múltiplas concomitantemente, para redução de tempo operatório total.

As contraturas em flexão dos dedos foram desfeitas com o auxílio de incisões liberadoras das bridas, preservando as articulações, vasos nervos e tendões. As áreas cruentas após a liberação, foram cobertas com matriz dérmica acelular Integra®.

As falanges foram então posicionadas funcionalmente com o auxílio de fios de kirschner fixos a uma órtese, em formato de raquete, confeccionada com material termoplástico pré-moldado e ajustado no intraoperatório, pela equipe de Terapia Ocupacional, o que permitiu a imobilização e posicionamento necessário e adequado das mãos na recuperação pós operatória. (Imagem 02)

Os curativos foram realizados inicialmente cada 2 semanas onde se realizava apenas limpeza local e retirada cuidadosa de crostas, seguidas pela aplicação de petrolatum liquido e soro fisiológico.

Aos 90 dias de pós operatório, o paciente apresentava-se com as mãos completamente epitelizadas (Imagem 03) e com melhora importante de sua autoestima. Apresentou restabelecimento da função de prensa e oponência dos dedos das mãos, sendo capaz de voltar a realizar atividades de vida diárias, como escrever, desenhar e utilizar aparelhos eletrônicos. (Imagem 04)

Discussão

A epidermólise bolhosa distrófica é uma doença que causa alta morbimortalidade e sofrimento para os pacientes e familiares envolvidos, além de gerar deformidades com efeitos devastadores no desenvolvimento psicossocial do paciente afetado. ¹

O tratamento cirúrgico das sequelas de membros e mãos são de altíssima complexidade e diversos métodos para o manejo e cobertura de feridas após a liberação de contraturas são descritos, mas não há consenso. A cicatrização rápida, com resultados duradouros, que permitam a terapia precoce das mãos é o ideal. Embora a cicatrização por segunda intenção seja descrita com recuperação aceitável da função do membro, feridas maiores necessitam de cobertura para evitar infecção, cicatrização prolongada, fibrose excessiva e novas contraturas. Nestes casos, o uso de enxertos de pele e substitutos dérmicos é descrito na literatura. 7

Não há tratamento específico disponível, no entanto, um manejo multidisciplinar é obrigatório para tratar as lesões, prevenir complicações e oferecer suporte psicológico ao paciente e aos membros da família4 e nos casos com indicação cirúrgica é imprescindível um preparo pré-operatório adequado tendo em vista o alto risco cirúrgico ocasionado pelas condições clínicas de base dos pacientes.

A cirurgia possui o objetivo de melhorar principalmente a função dos membros e das mãos (pinça e preensão) além de retardar ao máximo a recidiva das deformidades e sem esquecer da capacidade laboral, da estética e da socialização.6

Conclusão

A técnica cirúrgica adequada, associada a uma abordagem multidisciplinar (pediatria, dermatologia, anestesia, fisioterapia, terapia ocupacional, enfermagem, etc.), disponibilidade de equipamentos e de material especial (matriz dérmica acelular) , além do apoio familiar, foram fundamentais para os desfechos funcionais e estéticos bem sucedidos.

A gratidão e felicidade apresentadas pelo paciente e familiares no pós operatório, demonstram a importância de se investir no tipo de tratamento realizado e que a abordagem multidisciplinar é capaz de melhorar a qualidade de vida e reduzir os impactos negativos que a epidermólise bolhosa, uma doença de potencial devastador, de evolução crônica, progressiva, grave e ainda sem cura, causam aos pacientes que possuem essa condição.

Referências

1. Li AW, Prindaville B, Bateman ST, Gibson TE, Wiss K. Inpatient management of children with recessive dystrophic epidermolysis bullosa: A review. Vol. 34, Pediatric Dermatology. Blackwell Publishing Inc.; 2017. p. 647–55.

2. Bardhan A, Bruckner-Tuderman L, Chapple ILC, Fine JD, Harper N, Has C, et al. Epidermolysis bullosa. Vol. 6, Nature Reviews Disease Primers. Nature Research; 2020

3. Zhou X, Zhang Y, Zhao M, Jian Y, Huang J, Luo X, et al. Surgical management of hand deformities in patients with recessive dystrophic epidermolysis bullosa. Journal of Plastic Surgery and Hand Surgery. 2020 Jan 2;54(1):33–9.

4. Retrosi C, Diociaiuti A, de Ranieri C, Corbeddu M, Carnevale C, Giancristoforo S, et al. Multidisciplinary care for patients with epidermolysis bullosa from birth to adolescence: experience of one Italian reference center. Italian Journal of Pediatrics. 2022 Dec 1;48(1).


5. Mullett F. A review of the management of the hand in dystrophic epidermolysis bullosa. Vol. 11, Journal of Hand Therapy. Hanley and Belfus Inc.; 1998. p. 261–5.

6. Abboud L, Leclerc-Mercier S, Bodemer C, Guéro S. Hand surgery in recessive dystrophic epidermolysis bullosa: Our experience with dermal substitutes. Journal of Plastic, Reconstructive and Aesthetic Surgery. 2022 Jan 1;75(1):314–24.

7. Anstadt EE, Turer DM, Spiess AM, Manders EK. Surgical management of hand deformity in epidermolysis bullosa: Initial experience and technique. Plastic and Reconstructive Surgery - Global Open. 2020 Mar 1;8(3):e2666.

8. Lembo F, Parisi D, Cecchino LR, Ciancio F, Innocenti A, Portincasa A. Release of pseudosyndactyly in recessive dystrophic epidermolysis bullosa using a dermal regeneration template glove: the Foggia experience. Orphanet Journal of Rare Diseases. 2021 Dec 1;16(1).

9. José Leomil Paula E de, Mattar RJ, Arima M, Jorge Azze R. Reconstrução da mão na epidermólise bolhosa *. Vol. 37, Rev Bras Ortop. 2002.

Palavras Chave

Epidermólise bolhosa distrófica; Deformidades da Mão; Cirurgia Reconstrutiva

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (IAMSPE- HSPE) - São Paulo - Brasil

Autores

ATHOS ALVARES DUTRA, AN WAN CHING, MARIA MADUREIRA MURTA, RAFAELA MIHO YTO, VIVIAN CALVINO LAGARES SCALCO, ARYTANNA BORGES DA SILVA CASTRO