60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

TRATAMENTO CONSERVADOR DE FERIDAS ÚNICAS DEVIDO APLASIA CUTÂNEA CONGÊNITA TIPO VI (SÍNDROME DE BART) EM MEMBRO INFERIOR: RELATO DE CASO

Resumo

A aplasia cutânea congênita (ACC) é uma má formação rara, e que se caracteriza pela ausência de camadas de pele e tecido celular cutâneo. Nesse trabalho relatamos o caso de um RN masculino de 39 semanas de gestação, que ao exame físico, apresentou áreas com ausência de pele em membro inferior esquerdo, que iniciava em panturrilha e se estendia até os pododáctilos. Diagnosticado com aplasia cutânea congênita com epidermólise bolhosa, paciente foi submetido a tratamento conservador com curativos biológicos, que apresenta como resultados a prevenção das infecções, acelerar a cicatrização e diminuir os riscos de sangramento e retrações cicatriciais.

Introdução

A aplasia cutânea congênita (ACC) é uma malformação rara, e que se caracteriza pela ausência de camadas de pele e tecido celular subcutâneo (1).
Ocorre com maior frequência na região do couro cabeludo, mas pode afetar qualquer região anatômica. A incidência está entre 0,5 a 1 de 10.000 nascidos vivos sendo mais comum no gênero feminino (2).
A etiologia pode estar associada a epidermólise bolhosa (EB), infecções intra- uterinas, displasia ectodérmica, (3)à anomalias cromossômicas como a trissomia 13, e à herança autossômica recessiva e dominante de 35-50% dos casos (1).
O diagnóstico é clínico e caracteriza-se por grandes defeitos teciduais na pele do recém-nascido. O tratamento geralmente é conservador, porém existem relatos de tratamento cirúrgicos, tais como enxerto autólogo de pele parcial. Essa conduta é recomendada principalmente quando esta má formação consiste em ausência total da pele e tecido celular subcutâneo (4,5)

Objetivo

Relato de caso de um paciente com ACC tipo VI em membros inferiores, tratado exclusivamente com curativo biológico no Hospital Santo Amaro do Guarujá - SP.

Método

Relato de caso de paciente portador de aplasia cutânea congênita tipo VI ( Síndrome de Bart) em membro inferior com conduta conservadora para tratamento de lesão.

Resultado

RN masculino de 39 semanas de gestação. Mãe com 28 anos, gesta II e para II, de partos vaginais, que fez pré-natal sem uso de complementação de vitaminas ou minerais. Refere episódio de infecção urinária durante a gestação, sendo tratada com cefalosporina de primeira geração e paracetamol como analgésico. Nega uso de outras medicações, exposição a teratogênicos, história familiar de doenças de pele ou síndromes cromossômicas.
Não houve intercorrências durante o parto, e a placenta não apresentava alterações visíveis. No nascimento a criança recebeu Apgar 9/10. Ao exame físico, apresentou áreas com ausência de pele em membro inferior esquerdo, que iniciava em panturrilha e se estendia até os pododáctilos (fig. 1); pequena área em couro cabeludo sem perda total da derme e em mão direita uma pequena área de necrose no III° quirodáctilo. Não apresentou demais anormalidades clínicas, hemograma e urina tipo 1 dentro da normalidade. De acordo com a classificação de Frieden, o caso foi diagnosticado como ACC associado a epidermólise bolhosa (EB) (subgrupo 6) (tabela 1).
Durante os primeiros 10 dias procedeu-se curativo diário com Dersani associado à gaze rayon. Manteve-se em aleitamento materno exclusivo. Visando acelerar o processo de cicatrização e prevenir a infecção da ferida, optou-se pelo uso de curativo laminar biológico Omiderm® a partir do 11° dia de vida, quando recebeu alta hospitalar. Realizou acompanhamento ambulatorial por um período de 30 dias, comparecendo duas vezes por semana para a troca do curativo com Omidermi (fig. 2).
As feridas nesse caso foram tratadas de forma conservadora e ambulatorial, sem necessidade de nova internação hospitalar e epitelizaram 100%. O tratamento ambulatorial diminuiu o risco de infecção por microorganismos resistentes e permitiu manter a alimentação de leite materno exclusivo (fig. 3).
O paciente apresenta bom prognóstico. A completa cicatrização e a avaliação de possíveis retrações e consequente dificuldade de movimentação do membro acometido serão analisados quando o paciente começar a andar.

Discussão

As evidências atuais sugerem associações da ACC com alguns fatores etiológicos como: exposição a tabagismo materno,6 fármacos como o metimazol, diclofenaco sódico, ácido valpróico e drogas como Cannabis sativa e cocaína7. O aspecto clínico das lesões na ACC é heterogêneo. Em alguns casos pode se apresentar em fases iniciais da gestação para depois cicatrizar como uma cicatriz fibrosa e atrófica ao nascimento.8 As lesões que se mantem até o nascimento, apresentam úlceras eritematosas, úmidas, com tecido de granulação cobertas por finas membranas. A profundidade das lesões pode acometer todas as camadas da pele com diminuição do tecido celular subcutâneo, podendo acometer músculo e osso.9
O diagnóstico é clínico; geralmente as lesões são bem delimitadas, não inflamatórias, de 0.5 a 10 cm na sua extensão, podendo ser maiores. 10,11 O prognóstico é bom a médio e longo prazo,12,13 a mortalidade (20-50%) é proporcional a extensão destas lesões.14
De acordo com dados estatísticos, o acometimento de membros inferiores ocorre em 25% de todos os casos de aplasia cutânea congênita; 12% acometem tronco e flancos, sendo que a maior incidência ocorre no couro cabeludo com cerca de 60% dos casos.15
A doença não cranial da ACC tem uma incidência de 17-30% dos casos.8 A associação com epidermólise bolhosa (EB) é rara.16 Não obstante, neste estudo a ACC apresentou-se associada a EB caracterizando a Síndrome de Bart (BS).17
A síndrome de Bart trata-se de aplasia cutânea congênita e epidermólise bolhosa, podendo estar associada a anormalidade nas unhas, como ausência congênita, distrofia ungueal ou perda adicional. Sua etiologia, bem como fisiopatologia, ainda são controversos, principalmente porque é considerada um distúrbio genético extremamente raro.17,18 A síndrome de Bart foi primeiramente descrita em uma família com ausência congênita de pele no membro inferior, vesículas disseminadas por outras regiões da pele, e atrofia das unhas. 17,18
Nesse contexto, as lesões são quase sempre unilaterais e envolvem a superfície dorsal e medial dos membros. Elas surgem nas extremidades com ulceração vermelha intensa estendendo-se para cima a partir da superfície dorsal e medial do pé para o calcâneo. 18
Na atualidade a BS também é denominada como Aplasia Cutânea Congênita tipo VI sendo um dos subtipos de EB. O padrão de herança dessa síndrome sugere ser autossômica dominante (17,18).
Vale salientar que nos casos severos da BS, principalmente aqueles associados à epidermólise bolhosa juncional, o paciente pode ter outras anomalias congênitas como atresia e/ou estenose uretral, desenvolvimento rudimentar da orelha, nariz achatado, anormalidades renais, olhos arregalados e raiz nasal larga (18,19). No caso em tela não havia nenhuma outra malformação associada.
A maioria das lesões curam espontaneamente com tratamento conservador, porém feridas muito grandes e profundas que afetam as células basais da pele podem precisar de enxertos de epiderme cultivada.
(20). Este tratamento visa acelerar a epitelização quando não existem células basais na pele e diminuir o risco de cicatrizes atróficas, hemorragia, infecção. A resposta a este tratamento vai depender muito do paciente (21).Alguns autores recomendam tratamento cirúrgico precoce (22). Um plano de tratamento conservador promove proteção contra infecção, mantem a ferida úmida proporcionando boas condições para a cicatrização por segunda intenção (23).
O tratamento conservador assim como o tratamento cirúrgico tem riscos semelhantes, porém recomenda-se o tratamento conservador como primeira opção, fazendo uso de curativos, tentando assim diminuir possíveis complicações de uma cirurgia (24).
As opções de curativos para o tratamento conservador devem incluir óleos derivados de petrolatum, sulfadiazina de prata, ou bacitracina. O petrolatum é considerado a melhor opção devido a sua baixa absorção sistêmica e ser hipoalergênico (25).

Conclusão

A ACC associada a epidermólise bolhosa é uma das formas menos comuns de apresentação desta doença. Recomenda-se o tratamento conservador com curativos biológicos, 3 vezes ao dia, para prevenir infecções, acelerar a cicatrização e diminuir os riscos de sangramento e retrações cicatriciais. O seguimento ambulatorial deve ser continuo até uma idade adulta. No momento, poucos são os estudos relacionados ao tratamento para esta patologia, ficando a cargo de cada profissional definir a estratégia terapêutica. É imprescindível novos estudos a cerca desta patologia para padronização de diretrizes de tratamento, identificando a etiologia e evolução a longo prazo.

Referências

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Palavras Chave

Síndrome de Bart; Aplasia cutânea; Lesão

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

SERVIÇO DE CIRURGIA PLÁSTICA DR. EWALDO BOLÍVAR DE SOUZA PINTO - São Paulo - Brasil

Autores

BRUNO BRAND?O LOBO, BRUNO BRAND?O LOBO, LARA DIAS CASTRO CAVALCANTE, LARA DIAS CASTRO CAVALCANTE, PABLO DE SOUZA MOREIRA, PABLO DE SOUZA MOREIRA, JUAN CARLOS CESPEDES ESCOBAR, JUAN CARLOS CESPEDES ESCOBAR, HERALDO CARLOS BORGES INFORZATO, HERALDO CARLOS BORGES INFORZATO, PRISCILA CHIARELLO DE SOUZA PINTO ABDALLA, PRISCILA CHIARELLO DE SOUZA PINTO ABDALLA