Dados do Trabalho
Título
ENXERTO DE DERME PROFUNDA DO CAVO PLANTAR PELA TECNICA EM “ALÇAPAO”: UMA OPÇAO PARA RECONSTRUÇAO PALMO- PLANTAR
Resumo
Introdução: A reconstrução das extremidades continua sendo um grande desafio ao cirurgião plástico. As opções terapêuticas devem abranger técnicas que visem solucionar limitações desta topografia anatômica. Encontramos como opções para tratamento os enxertos de pele, retalhos locais pediculados e microcirúrgicos, com complicações inerentes a cada técnica.
Objetivo: Evidenciar as vantagens da reconstrução palmo-plantar a partir da técnica de enxertia de derme profunda do cavo plantar em “alçapão”, associado ou não a outros métodos de reconstrução, a partir da experiencia do nosso serviço.
Métodos: Série de casos consultados em prontuário da Divisão de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, que engloba feridas palmo-plantares complexas. A faixa etária média foi de 36,75 anos com seguimento pós-operatório entre 1 e 6 anos. A técnica utilizada foi a enxertia de derme profunda do cavo plantar pela técnica de “alçapão”.
Resultados: Foram analisados 4 pacientes, sendo que 3 apresentavam feridas complexas na região plantar e 1 na região palmar. Nenhum dos enxertos apresentou ulcerações e a coloração foi semelhante à pele adjacente, tanto nos enxertos plantares quanto no enxerto palmar. Todos os pacientes tiveram suas lesões completamente fechadas.
Discussão: Atualmente, há um conhecimento limitado sobre a técnica mais eficaz na prevenção das frequentes complicações tardias observadas após a reconstrução das áreas de maior apoio plantar. As principais complicações secundárias às reconstruções do calcâneo e ante pé são a ulceração trófica, causada pela degeneração da estrutura da nova pele exposta à constante pressão de sustentação do corpo, e a instabilidade de marcha. Partindo-se do princípio da reconstrução “replace like with like”, a reconstrução do calcâneo com enxertos provenientes da região do cavo plantar apresentam uma boa evolução a longo prazo quanto a prevenção de ulcerações. Adicionalmente, a enxertia de derme profunda do cavo plantar para a região palmo-plantar oferece bom resultado estético devido a coloração semelhante à pele local devido à falta de melanina.
Conclusão: O uso de enxertos de derme profunda proveniente do cavo plantar pela técnica de “alçapão” parece ser uma alternativa segura e eficaz para cobertura de feridas complexas da região palmo-plantar, uma vez que apresentam características estruturais semelhantes ao tecido preexistente com resultados estético-funcionais satisfatórios.
Introdução
A reconstrução das extremidades continua sendo um grande desafio ao cirurgião plástico, uma vez que as mãos e os pés desempenham funções fundamentais para nossa independência funcional, como movimento de pinça, marcha e sustentação corporal. Quando danificadas, podem levar a prejuízo estético e funcional com comprometimento social. Apresentam características micro e macroscópicas que as diferem de outras áreas, como por exemplo, a camada córnea mais expressa e a pele glabra e amelanótica1.
Tais feridas podem ser provenientes de trauma direto, queimadura, neoplasia ou até mesmo por doenças neurodegenerativas. Desta maneira, são encontradas frequentemente em nosso meio e com complexidades variáveis, desde lesão exclusiva da pele até exposição de estruturas nobres como tendões, ossos e articulações2,3.
Sendo assim, as opções terapêuticas devem abranger técnicas que visem solucionar limitações desta topografia anatômica, como a dificuldade de retorno venoso e a escassez de áreas doadoras próximas. Na literatura, encontramos como opções para tratamento os retalhos locais, pediculados e microcirúrgicos, sendo o retalho do músculo grande dorsal e o retalho antebraquial alternativas eficazes para reconstrução da região calcânea 4,5.
Durante o seguimento à longo prazo dos doentes tratados com retalho livre seguido de enxertia de pele parcial para a região plantar foi observado uma complicação comum às modalidades cirúrgicas, a ulceração de pele total em áreas de maior apoio e que, consequentemente, contribui para infecção, reinternação e eventualmente novo tratamento cirúrgica6.
Sendo assim, esse estudo busca mostrar nossa experiência e os benefícios da enxertia de derme profunda pela técnica de “alçapão” 7 sob as feridas, retalhos locais ou microcirúrgicos na topografia palmo-plantar.
Objetivo
Evidenciar as vantagens da reconstrução palmo-plantar a partir da técnica de enxertia de derme profunda do cavo plantar pela técnica de “alçapão” 7, associado ou não a outros métodos de reconstrução.
Método
Este estudo relata uma série de casos de pacientes com feridas complexas palmo-plantares secundárias à traumas por esmagamento, queimadura e etiologia neuropática, tratados com o enxerto de derme profunda em alçapão”. Os dados dos pacientes foram obtidos por meio de análise de prontuário médico da Divisão de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
A técnica utilizada para tratamento dessas feridas foi a enxertia de derme profunda do cavo plantar bilaminada em “alçapão”, descrito em 2021 pelo nosso grupo7. Essa técnica é realizada a partir do levantamento de um retalho dermoepidérmico por meio do dermátomo elétrico em 0,3 ou 0,4 mm de espessura, e sobre esse leito é obtido o enxerto de derme profunda, também por meio de dermátomo elétrico, agora em uma espessura de 0,2 mm. Desta maneira, a área doadora é coberta pelo retalho inicial causando menor morbidade à área doadora e oferece à área enxertada características mais próximas à pele original.
Caso 1. Masculino, 33 anos, sem comorbidades, vítima de trauma por esmagamento em calcâneo esquerdo com perda de partes moles sem lesão óssea. Evolui com ferida complexa de aproximadamente 7 cm de diâmetro. Inicialmente, submetido a biópsia da ferida, sem sinais de malignidade. Foi reconstruído com retalho livre de músculo grande dorsal seguido de enxerto de pele parcial de coxa esquerda. No primeiro ano, apresenta ulceração em região do enxerto nos pontos de maior apoio do calcâneo. Optou-se, então, por reabordagem cirúrgica para desbridamento de áreas ulceradas e uso de enxerto de derme profunda pela técnica bilaminar contralateral em “alçapão” 7. (Figura 2).
Caso 2. Criança do sexo feminino, 7 anos, vítima de trauma por motocicleta com perda de partes moles do calcâneo direito associado a fratura exposta. Foi encaminhada após 1 mês do acidente para nosso serviço onde foi submetida a reconstrução com retalho livre de músculo grande dorsal direito associado a enxertia de derme profunda pela técnica bilaminar em “alçapão” 7 em áreas de maior apoio e pele de espessura parcial com área doadora do couro cabeludo, nas demais áreas (Figura 3).
Caso 3. Mulher de 44 anos apresentou queimadura de terceiro grau, por chama, na mão direita, atingindo dedos, região palmar e punho. Foi tratada com desbridamento cirúrgico e enxerto precoce da região palmar com enxerto de derme profunda do cavo plantar bilateral pela técnica bilaminar em “alçapão” 7. O punho anterior recebeu enxerto de pele de espessura parcial da coxa (Figura 4).
Caso 4. Homem, 63 anos, diabético, hipertenso, doente renal crônico dialítico, coronariopata e etilista, evolui com ferida crônica secundária a mal perfurante plantar pé direito, localizada no antepé entre 1º e 2º metatarsos. Após múltiplos desbridamentos, foi realizada enxertia de derme profunda ipsilateral pela técnica bilaminar em “alçapão” 7 (Figura 5).
Resultado
A idade média dos pacientes do estudo foi de 36,75 anos com seguimento pós-operatório entre 1 e 6 anos. O paciente 1 foi seguido ambulatorialmente por 3 anos enquanto o paciente 2 foi acompanhado por 5 anos. Ambos não apresentaram novas ulcerações e tiveram uma ótima evolução com a reabilitação, inclusive com a prática de esportes pela paciente do caso 2. Da mesma maneira, o paciente número 4, dentro de 1 ano de seguimento, teve suas lesões completamente fechadas, sem morbidade na área doadora, e ausência de complicações secundárias à pele enxertada.
Já o paciente número 3, embora tenha apresentado necessidade de amputação da falange distal e das falanges distal e média do 3º e 4º dedos da mão direita, respectivamente, evoluiu positivamente em relação a estética das áreas enxertadas, evidenciando a diferença entre a área doadora da coxa (pele melanótica) e da pele do cavo plantar (glabra e amelanótica).
Discussão
Apesar da abundância de relatos de complicações tardias subsequentes à reconstrução das zonas de maior apoio plantar, a literatura científica ainda apresenta lacunas significativas no que concerne à identificação da técnica mais eficaz para sua profilaxia. 5,6,7. Para chegarmos a uma conclusão, é importante lembrarmos que para alcançarmos um resultado de maior efetividade e durabilidade, devemos partir do princípio da reconstrução “replace like with like”, ou seja, substituir um tecido por outro, que se não igual, o mais próximo possível da anatomia primária 8.
Uma das principais complicações secundárias às reconstruções do calcâneo e ante pé é a ulceração, causada pela degeneração da estrutura da nova pele exposta à constante pressão de sustentação do corpo10. A ulceração dos enxertos ocorrem pela diferença de espessura entre as áreas doadora e receptora. De acordo com Jeon BJ et al., a espessura da região plantar tem aproximadamente 637,1 ± 186,0 μm (40,6%) de epiderme e 931,9 ± 411,2 μm de derme, enquanto o dorso, local considerado como região de pele espessa do corpo, é composta por 76,8 ± 25,9 μm de epiderme, e 1941,6 ± 321,1 μm de derme5.
Uma outra complicação é a instabilidade de marcha pelo deslizamento da pele sobre o tecido adiposo, que se baseia na diferença de estrutura entre a pele, tecido subcutâneo e fáscia muscular, presente geralmente em retalhos fasciomiocutâneos e retalhos livres não delgados. Diferentemente, a planta do pé e a palma da mão possuem numerosos septos fibrosos que fixam a epiderme na aponeurose, fazendo com que haja divisão do tecido subcutâneo, compacto, em pequenas loculações, que por sua vez, atuam como amortecedores impedindo o deslizamento da pele e instabilidade da marcha5,10
Existem diversas possibilidades para o tratamento de feridas localizadas na região palmo-plantar. A preferência entre as técnicas leva em conta, principalmente, o tamanho do defeito. Feridas menores demonstraram ótimos resultados quando utilizado retalho fasciocutâneo do cavo plantar, pediculado ou livre (a depender da sua localização), uma vez que apresenta pele glabra, amelanótica e resistente5,10. Em contrapartida, defeitos maiores exigem tratamentos mais complexos e mórbidos e que, portanto, levam ao maior número de complicações em relação a área doadora e a área tratada5,10.
Até o momento, existem pouco relatos sobre o uso de pele parcial do cavo plantar como alternativa para reconstrução do calcâneo. Yan et al descreveu o uso do enxerto de pele total autóloga nos casos de desenluvamento do pé e calcâneo em sua casuística de 21 pacientes. No seguimento destes pacientes não houve relatos de ulcerações tardias o que colabora com a hipótese de que a reconstrução do calcâneo com enxertos provenientes de uma mesma área possam apresentar uma melhor evolução a longo prazo quanto a prevenção de ulcerações.
Conclusão
O uso de enxertos de derme profunda pela técnica bilaminar em “alçapão” 7 proveniente do cavo plantar parece ser uma alternativa segura e eficaz para cobertura de feridas complexas da região palmo-plantar, uma vez que apresentam características estruturais semelhantes ao tecido preexistente evitando assim ulcerações e cisalhamento nos pontos de maior apoio do calcâneo além do melhor resultado estético de coloração, independente da sua etiologia e associação à outras técnicas cirúrgicas.
Referências
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Palavras Chave
Ferimentos e traumatismos; Úlcera plantar; Enxertia de pele.
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo/USP- RP - São Paulo - Brasil
Autores
MARIAH MENOCI MORTEAN, AILTON BATISTA DE ARAÚJO, ANA CAROLINA DOS REIS , PEDRO SOLER COLTRO, JAYME ADRIANO FARINA JUNIOR