60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

LINFOMA ANAPLASICO DE GRANDES CELULAS (BIA-ALCL): CRISE NA ERA DOS IMPLANTES? UMA REVISAO INTEGRATIVA E PROPOSTA DE NOVO FLUXOGRAMA DIAGNOSTICO.

Resumo

A mamoplastia de aumento foi a cirurgia plástica mais comum entre as mulheres no ano de 2022 e a segunda mais realizada entre homens e mulheres ao redor do mundo, ficando atrás somente da Lipoaspiração. Este trabalho tem como objetivo reunir informações científicas atuais sobre a correlação do uso de prótese de silicone e o desenvolvimento do linfoma anaplásico de células gigantes (BIA-ALCL), bem como sugerir um fluxograma diagnóstico. Trata-se de uma revisão sistemática, um estudo retrospectivo, utilizando como base de dados a PUBMED (US National Library of Medicine/ National Institute of Health). A etiopatogenia do BIA-ALCL é provavelmente multifatorial, com teorias atuais baseadas em evidências reconhecendo a combinação de infecção crônica no estabelecimento de implantes texturizados, formação de biofilme gram-negativo, inflamação crônica, genética do hospedeiro (por exemplo, JAK/STAT, p53) e tempo na tumorigênese. Vários fluxos de trabalho de diagnóstico foram sugeridos e diferentes protocolos de tratamento são recomendados para pacientes sintomáticos e assintomáticos com implantes texturizados. Este trabalho visa sugerir um novo fluxograma de acompanhamento e diagnostico e instituição de uma plataforma nacional de notificação dos casos suspeitos e confirmados de BIA ALCL com o intuito de elucidar esta patologia que está tomando maiores dimensões a cada ano e ainda é um assunto desconhecido por muitas pacientes portadoras de prótese de silicone.

Introdução

A mamoplastia de aumento foi a cirurgia plástica mais comum entre as mulheres no ano de 2022 e a segunda mais realizada entre homens e mulheres ao redor do mundo, ficando atrás somente da Lipoaspiração¹. Diante dos movimentos promovidos pelas redes sociais, a mamoplastia de aumento com uso da prótese de silicone tornou-se mais evidente, tanto pelo seu feito estético quanto pelas consequências de reações imunomediadas decorrentes da presença de um corpo estranho. Inúmeras mulheres relataram suas vidas após a colocação das próteses de silicone com descrição de sinais e sintomas que comprometeram seu bem estar e inclusive o curso de sua saúde após a descoberta de um linfoma associado às próteses que usavam.

Objetivo

Este trabalho tem como objetivo reunir informações científicas atuais sobre a correlação do uso de prótese de silicone e o desenvolvimento do linfoma anaplásico de células gigantes (BIA-ALCL), bem como sugerir um fluxograma diagnóstico afim de orientar pacientes e ajudar no esclarecimento sobre os reais riscos e medidas que devem ser tomadas frente a uma suspeita deste linfoma, sendo portador de próteses de silicone.

Método

Trata-se de uma revisão integrativa, estudo retrospectivo, utilizando PUBMED (US National Library of Medicine/ National Institute of Health) atráves das ferramentas Mesh (Medical Subject Headings) com os descritores: “ Breast implant “; “BIA-ALCL”; “anaplastic large cell lymphoma”. Os filtros aplicados foram: “Free full text” e publicações no período de 2019 a 2023.

Resultado

Através do MeSH terms utilizados e com os filtros adicionados, foram obtidos 149 artigos. Para investigação, realizou-se uma mudança do tempo de inclusão das publicações e modificado o filtro de busca de 5 anos (2019-2023) para 10 anos (2014-2023) e obteve-se 168 artigos relacionados ao tema, uma diferença de 19 artigos.

Discussão

Desde a primeira descrição do uso de prótese de silicone para aumento mamário, em 1961, estima-se que até 35 milhões de mulheres em todo o mundo tenham feito implantes mamários. Como um corpo estranho implantado, os implantes mamários não são isentos de riscos e continuam sendo um dos dispositivos médicos mais pesquisados de todos os tempos. Reoperações e complicações locais têm sido tradicionalmente o motivo mais frequente de preocupação após revisões sobre a segurança dos implantes mamários de silicone, relatadas pelo Grupo de Revisão Independente do Reino Unido (UK) em 1998 e o Instituto de Medicina dos Estados Unidos (EUA), em 1999. No entanto, eles não encontraram evidências de um aumento na mama ou outras neoplasias malignas em mulheres com implantes, embora vários estudos desde então tenham identificado uma forma incomum, mas única, de linfoma que surge em associação com implantes mamários. Isso é chamado de linfoma anaplásico de grandes células associado ao implante mamário (BIA-ALCL) ².
O BIA-ALCL é um raro linfoma não-Hodgkin de células T, caracterizado como CD30 positivo e linfoma anaplásico quinase (ALK) negativo. Em 2016, a Organização Mundial da Saúde declarou a BIA-ALCL como uma nova entidade da doença. O primeiro caso foi relatado em 1997 e, em julho de 2019, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos havia citado um total de 573 relatórios de dispositivos médicos dos Estados Unidos e globais de BIA-ALCL, incluindo 33 mortes ³. Embora a incidência seja relatada entre 1:355-1:30.000, há grande atenção para BIA-ALCL. A incidência é incerta por muitas razões. Pode muito bem ser menor, devido à inclusão em múltiplas bases de dados como apontado pelo FDA, ou maior por inúmeros casos não diagnosticados (4). O risco absoluto de desenvolver BIA-ALCL é pequeno, variando amplamente dependendo do estudo realizado e da localização geográfica, de aproximadamente 1:354 a 1:37.000 pacientes com implantes texturizados ² .
Desta forma, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) se posicionou em seu site oficial em concordância com a decisão da FDA, passando a seguinte orientação (5):
- Informar o paciente sobre o risco de desenvolver a doença e sobre os riscos e benefícios dos diferentes tipos de implantes;
- Os principais sintomas relatados pelas pacientes portadoras desta neoplasia foram edema e acúmulo de líquido ao redor do implante.
- Considerar a possibilidade de BIA-ALCL ao tratar um paciente com alterações peri-implantares de início tardio. Alguns sinais descritos são: seroma, massa ou endurecimento adjacente ao implante mamário.
- Tais pacientes devem ser avaliadas e se estes sinais ocorrerem deve-se encaminhar o fluido de seroma fresco e partes representativas da cápsula da prótese para testes de patologia para descartar BIA-ALCL. A avaliação diagnóstica deve incluir avaliação citológica do fluido ou massa do seroma com esfregaços corados com Wright Giemsa e imunohistoquímica / citometria de fluxo em bloco celular para marcadores de diferenciação (CD30) e Linfoma Quinase Anaplásica (ALK).
- O recall dos implantes da marca Biocell é direcionado aos profissionais e instituições hospitalares para que estes dispositivos não sejam implantados e sejam devolvidos para a Allergan.
- Os dispositivos que se enquadram ao recall são produtos da marca Biocell listados abaixo: Natrelle saline-filled breast implants, Natrelle silicone-filled breast implants, Natrelle Inspira silicone-filled breast implants 410 highly cohesive anatomically shaped silicone-filled breast implants. O recall também inclui os expansores utilizados antes da mamoplastia ou reconstrução que são esses: Natrelle 133 Plus tissue expander e Natrelle 133 tissue expander with suture tabs.
- Em caso de suspeita ou confirmação da neoplasia é importante que o profissional desenvolva um plano de tratamento individualizado, considerando as diretrizes atuais de prática clínica, como as da Plastic Surgery Foundation of the National Comprehensive Cancer Network (NCCN) E relate todos os casos de BIA-ALCL ao MedWatch, the FDA Safety Information and Adverse Event Reporting program.
A etiopatogenia do BIA-ALCL é provavelmente multifatorial, com teorias atuais baseadas em evidências reconhecendo a combinação de infecção crônica no estabelecimento de implantes texturizados, formação de biofilme gram-negativo, inflamação crônica, genética do hospedeiro (por exemplo, JAK/STAT, p53) e tempo na tumorigênese (6) .
Os gatilhos propostos para o desenvolvimento de malignidade são fricção mecânica, partículas da casca do implante de silicone, lixiviáveis de silicone e bactérias. Destes, a hipótese bacteriana tem recebido atenção significativa, apoiada por um modelo biológico plausível. Nesse modelo, as bactérias formam um biofilme aderente no ambiente favorável da superfície texturizada do implante, produzindo uma carga bacteriana que provoca uma inflamação crônica (7). Tanto os casos como os controles BIA-ALCL exibiram a presença de bactérias específicas, incluindo Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella oxytoca, Staphylococcus aureus e Ralstonia spp., sem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. O uso de agentes antissépticos e antimicrobianos durante a inserção do implante não demonstrou qualquer impacto na redução ou alteração do risco de desenvolvimento de BIA-ALCL (8).
A apresentação mais comum de BIA-ALCL é a coleção líquida peri-implantar após implante estético ou reconstrutivo com implantes mamários de superfície texturizada² com tempo médio de início da formação do líquido mais de 12 meses após a inserção do implante (9). Pode ser acompanhada de inchaço mamário, assimetria, dor, lesões cutâneas, linfadenopatia e sintomas do tipo B (tabela 1). A maioria dos casos é detectada em média 7 a 10 anos após o implante². Uma apresentação menos comum ocorre como doença localmente avançada ou, raramente, como doença metastática.
Pode ocorrer um aumento súbito unilateral do volume mamário, secundário na maioria dos casos ao desenvolvimento de coleção líquida peri-implantar (85%) ou, menos comumente, devido ao desenvolvimento de nódulo/massa adjacente ao implante (15%). Isso tende a ocorrer de 5 a 10 anos após a inserção dos implantes (9) . No ano de 2016, o National Comprehensive Cancer Network (NCCN) desenvolveu um guia para o diagnóstico e tratamento do BIA-ALCL, o qual foi atualizado em 2019.
Em relação ao diagnóstico desta doença, o exame de escolha é a ultrassonografia. A integridade do implante, a presença de um seroma ou uma massa/nódulo e linfonodos devem ser avaliados. Quando a ultrassonografia é indeterminada, a ressonância magnética é a segunda técnica de escolha para avaliar a integridade da cápsula, a contratura capsular, a ruptura do implante, o edema tecidual e a presença de coleção líquida peri-implantar ou nódulo/massa (9) .
Vários fluxos de trabalho de diagnóstico foram sugeridos e diferentes protocolos de tratamento são recomendados para pacientes sintomáticos e assintomáticos com implantes texturizados (11). Pacientes assintomáticos com implantes texturizados não precisam remover seus implantes e podem seguir vigilância regular por imagem do implante para ruptura ou coleta de fluido (10). Visando um diagnóstico precoce e acompanhamento assíduo das pacientes, foi proposto abaixo um fluxograma diagnóstico (Imagem 1).
Nem sempre há disponibilidade do método de citometria de fluxo nos hospitais ou centros de tratamento. Nesse caso, o diagnóstico é embasado apenas na análise citomorfológica e na imunocitoquímica da amostra citológica da punção do fluido/seroma. Quando realizada biópsia da massa, a amostra é submetida a imuno-histoquímica (12) .
A análise citomorfológica se baseia na presença de células grandes de citoplasma eosinofílico apresentando pleomorfismo. No exame de imunocitoquímica, o padrão é de expressão da proteína CD30 e ausência de expressão da proteína ALK (Anaplastic lymphoma kinase translocation). Na Citometria de fluxo, observa-se a presença de um clone de células T (13) .
Em relação ao diagnóstico diferencial, no subtipo ALCL com um seroma peri-implantar tardio, as seguintes possibilidades devem ser consideradas: hematoma (espontâneo ou traumático), infecção, ruptura do implante, sangramento capsular, causas idiopáticas etc. A análise citológica do líquido peri-implantar por meio da punção aspirativa por agulha fina (PAAF) é o teste diagnóstico mais sensível. Os critérios mínimos para o diagnóstico de BIA-ALCL devem incluir: presença de grandes células pleomórficas malignas (células "marcantes") infiltrando a cápsula ou fluido peri-implantar, forte expressão de CD30 e ausência de expressão de ALK1. No subtipo ALCL com formação de nódulo ou massa, o diagnóstico diferencial deve incluir câncer de mama primário, outros subtipos de linfoma e metástases. Nesses casos, a biópsia por agulha grossa (BPAG) ou a biópsia excisional são necessárias para confirmação histológica (6).

Conclusão

Há a necessidade de confecção de uma plataforma para notificação dos casos suspeitos e confirmados, de fácil acesso e manuseio pelos cirurgiões plásticos no Brasil para elaboração de dados mais fidedignos e atualizados. Apesar de não haver recomendações expressas dos órgãos sobre a conduta de explante em pacientes assintomáticos ou com exames negativos para BIA –ALCL deve-se levar em conta que ocorreram 33 mortes ao redor do mundo e apesar do número baixo em relação ao número de mulheres com próteses, basta uma vida para considerarmos de fato a situação.

Referências

(¹)ISAPS. International Survey on Aesthetic/Comestic Procedures performed in 2023. International Society of Aesthetic Plastic Surgery [online]. 2023. Disponível em: < ISAPS. International Survey on Aesthetic/Comestic Procedures performed in 2019. International Society of Aesthetic Plastic Surgery.

(²)Lee JH. Breast implant-associated anaplastic large-cell lymphoma (BIA-ALCL). Yeungnam Univ J Med. 2021 Jul;38(3):175-182. doi: 10.12701/yujm.2020.00801. Epub 2021 Jan 19. PMID: 33461261; PMCID: PMC8225493.

(³)Cuomo R. The State of the Art about Etiopathogenetic Models on Breast Implant Associated-Anaplastic Large Cell Lymphoma (BIA-ALCL): A Narrative Review. J Clin Med. 2021 May 12;10(10):2082. doi: 10.3390/jcm10102082.

(4)Deva AK, Turner SD, Kadin ME, Magnusson MR, Prince HM, Miranda RN, Inghirami GG, Adams WP Jr. Etiology of Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma (BIA-ALCL): Current Directions in Research. Cancers (Basel). 2020 Dec 21;12(12):3861. doi: 10.3390/cancers12123861.

(5)Nota Oficial sobre próteses mamárias . Disponível em:
(6)Lajevardi SS, Rastogi P, Isacson D, Deva AK. What are the likely causes of breast implant associated anaplastic large cell lymphoma (BIA-ALCL)? JPRAS Open. 2022 Jan 16;32:34-42. doi: 10.1016/j.jpra.2021.11.006

(7) Ozalla Samaniego S, Meijide Santos G, Soto Dopazo M, Baldó Sierra C. Breast-implant-associated anaplastic large-cell lymphoma. Radiologia (Engl Ed). 2022 Mar;64 Suppl 1:44-48. doi: 10.1016/j.rxeng.2020.10.010.

(8)Turton P, El-Sharkawi D, Lyburn I, Sharma B, Mahalingam P, Turner SD, MacNeill F, Johnson L, Hamilton S, Burton C, Mercer N. UK Guidelines on the Diagnosis and Treatment of Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma (BIA-ALCL) on behalf of the Medicines and Healthcare products Regulatory Agency (MHRA) Plastic, Reconstructive and Aesthetic Surgery Expert Advisory Group (PRASEAG). J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2021 Jan;74(1):13-29. doi: 10.1016/j.bjps.2020.10.064.

(9)Clemens MW, Jacobsen ED, Horwitz SM 2019 Diretrizes de consenso da NCCN sobre o diagnóstico e tratamento de linfoma anaplásico de células grandes associado a implantes mamários (BIA-ALCL) Cirurgia estética. J. 2019; 39 :S3–S13.

(10)Santanelli di Pompeo F., Clemens MW, Atlan M., Botti G., Cordeiro PG, De Jong D., Di Napoli A., Hammond D., Haymaker CL, Horwitz SM, et al. Atualizações de recomendações práticas de 2022 da Conferência de Consenso Mundial sobre BIA-ALCL. Cirurgia Estética. J. 2022; 42 :1262–1278. doi: 10.1093/asj/sjac133.

(11)Foppiani JA, Raska O, Taritsa I, Hernandez Alvarez A, Lee D, Escobar-Domingo MJ, Berger J, Klener P, Schuster KA, Abdo D, Clemens MW, Lin SJ. Incidental Bystander or Essential Culprit: A Systematic Review of Bacterial Significance in the Pathogenesis of Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma. Int J Mol Sci. 2023 Dec 26;25(1):355. doi: 10.3390/ijms25010355.

(12) Abelha, R. Manual para diagnóstico e conduta – Linfoma anaplásico de grandes células. Disponível em: .

(13)K Groth A, Graf R. Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma (BIA-ALCL) and the Textured Breast Implant Crisis. Aesthetic Plast Surg. 2020 Feb;44(1):1-12. doi: 10.1007/s00266-019-01521-3. Epub 2019 Oct 17. Erratum in: Aesthetic Plast Surg. 2020 Oct;44(5):1951

Palavras Chave

Implantes de silicone; BIA-ALCL; Linfoma anaplásico de grandes células

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Serviço de Cirurgia Plástica Dr. Ewaldo Bolívar de Souza Pinto - São Paulo - Brasil

Autores

LARA DIAS CASTRO CAVALCANTE, HERALDO CARLOS BORGES INFORZATO, PRISCILA CHIARELLO DE SOUZA PINTO ABDALLA, MARIANNA AUGUSTA SANSONI CARDOSO GOMES, PABLO DE SOUZA MOREIRA, THAÍS BUENO SILVA