60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

O PAPEL DAS CELULAS-TRONCO DERIVADAS DO TECIDO ADIPOSO (ADSC) NA CIRURGIA PLASTICA E MEDICINA REGENERATIVA: UMA REVISAO SISTEMATICA

Resumo

Introdução: O aumento do interesse em pesquisas com células-tronco derivadas do tecido adiposo (ADSC) se deve à sua pluripotencialidade e capacidade de diferenciação celular. Sua utilização abre novas perspectivas para tratamentos reparadores e estéticos, ampliando a busca por terapias inovadoras e personalizadas. Objetivo: O presente estudo objetivou descrever o estado atual das pesquisas sobre ADSCs, sua aplicabilidade, perspectivas futuras e sua relação com a cirurgia plástica e medicina regenerativa, impulsionando sua implementação clínica. Metodologia: Através de uma revisão sistemática foram utilizados os agentes booleanos (‘’Stem Cells’’) AND (‘’Adipose Tissue’’) AND (‘’Plastic Surgery’’) e a busca foi realizada nas seguintes bases de dados: U.S. National Library of Medicine (PubMed), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Stem Cells Portal. Artigos que não abordaram o tema foram excluídos. Resultados: Ao final, 32 artigos permaneceram para análise detalhada. Conclusão: Os estudos atuais com ADSCs mostram resultados promissores na Cirurgia Plástica, com benefícios em cicatrização de feridas, retenção de lipoenxertias, regeneração cartilaginosa e terapia na alopecia androgênica.

Introdução

O aumento crescente do interesse em pesquisas com células-tronco (SC) em várias áreas da medicina é decorrente, em grande parte, do reconhecimento de que são pluripotentes e que estão contidas em uma ampla variedade de tecidos adultos, incluindo o tecido adiposo. Além de serem precursoras de células de seu tecido de origem, o mesoderma - como osteócitos, condrócitos e adipócitos - as SC derivadas do tecido adiposo (ADSC) podem, em condições específicas de cultura, produzir outros tipos celulares com potencial neurogênico, angiogênico, cardiomiogênico, hepático e cutâneo 1,2.
Essa pluripotencialidade coloca em questão o uso médico dessas células em bases totalmente novas. Devido a possibilidade da captação autóloga, são eliminadas não só as questões ético-religiosas envolvidas no emprego das células-tronco embrionárias (ESC), como também os problemas de rejeição imunológica, uma vez que as ADSC do próprio paciente adulto podem ser utilizadas para regenerar seus tecidos ou órgãos lesados 3.
O estudo acerca das células-tronco iniciou-se no século XIX, na tentativa de encontrar cura para diversas doenças. No entanto, apenas em 1998, nos Estados Unidos, o biólogo James Thomson, extraiu SC de embriões humanos e as desenvolveu, pela primeira vez, em linhagem de laboratório. Dessa forma, a investigação científica, social e ética acerca do tema tem continuidade até os dias atuais 4.
As células-tronco derivadas do tecido adiposo humano (hADSC) são uma fonte eficiente e de alta qualidade de células-tronco devido à sua conveniência, ampla disponibilidade, potencial de diferenciação multidirecional, potencial de autorrenovação, baixa imunogenicidade e alta taxa de proliferação. Nesse cenário, as ADSCs rapidamente despertaram interesse de seu uso na terapia celular, uma vez que, quando comparadas a outras células-tronco mesenquimais, elas se mostraram superiores em abundância e facilidade na coleta de tecidos e isolamento celular 5,6.
Devido à sua atividade pluripotente e função imunomoduladora, as ADSCs têm sido amplamente administradas e exibiram efeitos terapêuticos significativos no tratamento de doenças autoimunes e doenças neurodegenerativas. A cirurgia plástica despertou interesse recente no tema e participa das pesquisas envolvendo células-tronco, pois o tecido adiposo e a pele tornaram-se fontes ricas de obtenção destas células, abrindo novas perspectivas de tratamento para deformidades congênitas e adquiridas, com finalidade reparadora ou estética 7,8.
Os cirurgiões plásticos estão na vanguarda clínica do uso das ADSCs, uma vez que manipulam grandes quantidades de tecido adiposo oriundo da lipoaspiração e procedimentos de contorno corporal. As ADSCs já são utilizadas a fim de potencializar processos como redução de cicatrizes, aumentar a sobrevivência de enxertos de gorduras, assim como no auxílio de procedimentos como lipofilling 7,9,10.
Atualmente, a medicina regenerativa procura controlar e ampliar a capacidade natural de regeneração de tecidos lesados. A manipulação ex vivo de células do próprio paciente, sua expansão, diferenciação e integração potencial em estruturas ordenadas, que serão reintroduzidas nas regiões lesadas forma um campo amplo e integrado no processo de regeneração - bioengenharia ou engenharia tecidual 8.
Perspectivas futuras indicam uma interconexão com o universo da cirurgia plástica, visto que, a esperança dos médicos será um dia levar o paciente à sala cirúrgica, colher um pequeno volume de lipoaspirado e utilizar um arcabouço biomimético semeado com células-tronco para tratar um defeito de tecido mole, esquelético, muscular, cartilaginoso, vascular ou articular 7.

Objetivo

O presente estudo objetivou descrever o estado atual das pesquisas sobre ADSCs, sua aplicabilidade, perspectivas futuras e a relação entre cirurgia plástica e medicina regenerativa, impulsionando sua implementação clínica.

Método

Através de uma revisão sistemática com a pergunta condutora ‘’Qual o papel das células-tronco derivados do tecido adiposo na cirurgia plástica e medicina regenerativa?’’. Foram utilizados os agentes booleanos (‘’Stem Cells’’) AND (‘’Adipose Tissue’’) AND (‘’Plastic Surgery’’). Filtros aplicados: artigos em inglês, português e espanhol nos últimos 5 anos. A busca foi realizada através das seguintes bases de dados: U.S. National Library of Medicine (PubMed), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Stem Cells Portal.

Resultado

Inicialmente foram encontrados nas bases de dados 1.163 artigos, a partir disso, com a aplicação dos filtros, foram lidos títulos e resumos de 38 artigos. Desses, 35 artigos seguiam a pergunta condutora e não eram duplicados. Nesse sentido, foram excluídos artigos que exibiam resultados não confiáveis, sobreposição de resultados de mesmo autor e que não abordaram a aplicação da ADSC. Ao final, 32 artigos permaneceram para análise detalhada (Figura 01).

Discussão

Aplicações na cirurgia reparadora
Uma revisão sistemática e meta-análise de Karam et al. (2023) comparou a lipoenxertia enriquecida com células-tronco (SCEFG) à lipoenxertia autóloga (AFG) para fins reconstrutivos. O SCEFG mostrou melhor retenção de volume e maior incidência de vermelhidão e inchaço, sem diferença significativa dos outros parâmetros.
As células-tronco, com seu potencial de diferenciação, são essenciais na construção de estruturas cartilaginosas, recebendo destaque na pesquisa reconstrutiva da orelha. Yu Liu et al. (2023) revisaram 32 artigos e mostraram a capacidade condrogênica in vitro mantiveram boa elasticidade e morfologia após implantação in vivo.
O estudo de Tian (2019) abordou o uso de ADSCs nos Alotransplantes Compostos Vascularizados (VCA) em ratos, observando-se diminuição da taxa de rejeição imunológica e prolongamento da sobrevida dos alotransplantes (Figura 02).
Recentemente, as ADSCs e a fração vascular estromal (SVF) na literatura, têm mostrado eficácia no tratamento de distúrbios tendinosos em animais e humanos. Senesi et al. (2023) em uma revisão de 32 artigos, sugerem que a terapia ADSC/SVF é uma alternativa promissora na medicina regenerativa do tendão. Quatro estudos exploraram a combinação de biomateriais e ADSC-SVF em lesões tendinosas. Um estudo específico avaliou uma estrutura nanofibrosa N-PLGA com ADSCs alogênicas no reparo do manguito rotador em ratos, mostrando que o andaime celular + BMP2 teve melhores resultados de cicatrização em comparação aos grupos com andaimes acelulares.
A revisão sistemática de Gentile et al. (2021) relatou melhorias na cicatrização e na qualidade de vida dos pacientes com feridas crônicas tratadas com ADSC. Apesar dos benefícios como cicatrização acelerada e melhor vascularização devido aos fatores de crescimento secretados pelas ADSCs, desafios significativos persistem, como a escassez de ensaios randomizados.

Aplicações na Cirurgia Estética
Uma revisão sistemática de Mantovani et. al. (2023) analisou 9 artigos sobre o uso da SVF no tratamento da Alopecia Androgênica (AA). Todos os artigos reportaram aumento significativo na contagem de cabelos (19 a 145 fios/cm²). Estudos complementando SVF com PRP mostraram vantagens, o PRP isolado não demonstrou benefícios.
O ensaio randomizado Kølle et al. (2020) avaliou a retenção de volume de lipoenxertias em mamoplastias de aumento utilizando ADSCs expandidas ex vivo. 12 pacientes jovens e hígidas com mamas de pequeno volume foram divididas em grupo intervenção (lipoenxertia com ADSCs expandidas) e grupo controle (lipoenxertia sem expansão). No grupo de intervenção, as ADSCs foram cultivadas por 14-21 dias antes da lipoenxertia. Após 18 meses de acompanhamento com fotografias e ressonância magnética, observou-se uma retenção significativa de volume no grupo de intervenção (64%) comparado ao grupo controle (44%)(Figura 03).
Tel et al. (2023) analisaram as aplicações clínicas das ADSCs na cirurgia de face em 20 artigos. As ADSC's destacam-se por suas propriedades de diferenciação, anti-inflamatórias e imunomoduladoras e auto-renovação. A maioria das pesquisas foram testes in vitro ou em animais, limitando os relatórios.

Aplicações em Cicatrização de Feridas
Yuan et al. (2023) analisou 13 estudos sobre o uso de exossomos derivados de hADSCs em modelos animais de cicatrização de feridas. Concluiu-se que a administração desses exossomos melhora significativamente o fechamento das feridas em comparação com os controles.
Um estudo de Kwon et al. (2023) analisou 20 pacientes submetidos à revisão de cicatrizes ao longo de 2 anos. O grupo experimental recebeu 1 mL/cm de SVF injetado na camada subcutânea da cicatriz, enquanto o grupo controle recebeu 0,1 mL/cm de solução salina. Utilizando a Escala de Avaliação do Paciente e Observador (POSAS) antes e 6 meses após a cirurgia, os resultados mostraram que o grupo SVF teve melhorias significativas comparadas ao controle e ausência de efeitos colaterais (Figura 03).
Raghuram et al. (2020) revisaram 43 artigos, constatando eficácia clínica no tratamento de feridas crônicas causadas por lesões graves por radiação e úlceras venosas em membros inferiores. A revisão de Ávila et al. (2023) constatou que as células ADSCs reduzem significativamente a necrose cirúrgica de retalho em modelos pré-clínicos em animais.
A partir de 31 estudos, Pattani et al. (2024) por meio de revisão sistemática demonstraram que pesquisas in vivo com ADSC CD146+ e CD74+ são possivelmente mais eficazes no tratamento da fibrose induzida por radiação. Não só a aplicabilidade da ADSC é importante para as pesquisas, mas também saber quais delas serão utilizadas.

Aplicações em Queimaduras
Lesmanawati et al. (2024) analisaram o uso de AFG e ADSC em pacientes com queimaduras agudas e cicatrizes, revisando 6 estudos. Os resultados mostraram aumento na satisfação dos pacientes, melhoria na cicatriz e aumento no movimento ativo, mas sem melhora significativa na força de preensão.
Kohlhauser, Tuca e Kamolz (2024) após revisão de 41 estudos, relataram o uso de ADSCs no tratamento de queimaduras e demostraram impacto positivo na cicatrização, a maioria em roedores. No entanto, a comparação entre roedores e humanos na regeneração do folículo capilar é limitada devido às diferenças biológicas nas células dérmicas.

Aplicações na Regeneração Óssea
Torres-Guzman et al. (2023) revisaram o papel das ADSCs na regeneração óssea em defeitos calvários. A cranioplastia busca reparar descontinuidades no crânio após lesões ou procedimentos cirúrgicos, enfrentando altas complicações. As ADSCs e BMSCs (SC da medula óssea), demonstram capacidade osteogênica em estudos in vivo e in vitro, com as BMSCs mostrando melhor osteogênese. A terapia combinando proteína morfogenética óssea e células-tronco promoveu a regeneração óssea. Em ensaios clínicos, esse método eficientemente tratou defeitos cranianos.

Outras Aplicações
O uso das ADSCs também foi abordado no tratamento do linfedema pós-mastectomia no estudo de Jorgensen et al. ( 2021). Dez pacientes realizaram o procedimento de rigotomia axilar, micropunções de agulha sobre área cicatricial, injetando gordura com as ADSCs, e foram acompanhadas. Não houve diminuição significativa do volume do linfedema após o período de acompanhamento, porém, as pacientes relataram maior funcionalidade dos ombros, braços e mãos (Figura 05).

Conclusão

Os estudos atuais com ADSCs mostram resultados promissores na Cirurgia Plástica, com benefícios em cicatrização de feridas, retenção de lipoenxertias, regeneração cartilaginosa e terapia na alopecia androgênica. Acreditamos que, em breve, a terapia celular com SC será rotina na Cirurgia Plástica, destacando a importância de atenção contínua a essa área de pesquisa e tratamento.

Referências

1.BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA: SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INSUMOS ESTRATÉGICOS. Fomento às pesquisas em terapia celular e células-tronco no Brasil. Revista Saúde Pública, v.44, n.4, p.763-764, 2010.
2.GOMES, R. S. Perspectivas do uso de células-tronco em Cirurgia Plástica. Rev Bras Cir Plást, v.26, n.1, p.151-159, 2011.
3.ROSENTHAL, N. Prometheu's vulture and the stem-cell promise. N Engl J Med. v. 349, n.3, p.267-274, 2003.
4.BONGSO, History and perspective of stem cell research, Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol, v.18, n.6, p.827-42, 2004.
5.YUAN T, Exosome derived from human adipose-derived stem cell improve wound healing quality: A systematic review and meta-analysis of preclinical animal studies. Int Wound J. 2023
6.BUNNELL, B. A. Adipose Tissue-Derived Mesenchymal Stem Cells, Cells. v.10, n.12, p.1-7, 2021.
7.NELIGAN, P. C. Cirurgia Plástica: princípios. 3° edição, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda., 2015.
8.SOARES, M. Terapia com Células-tronco: a medicina do futuro, Revista Parcerias Estratégicas, n.16, p. 153-161, 2002.
9.CZOP, J. Stem Cells in plastic surgery and aesthetic medicine, Postepy Dermatol Alergol, v.40, n.4, p.504-509, 2023.

Palavras Chave

Células-Tronco; Tecido Adiposo; Cirurgia Plástica.

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - Pernambuco - Brasil

Autores

TERTULIANO LEITE ROLIM JUNIOR, SILVIA FERREIRA GADELHA MENDES, BEATRIZ LAGES ZOLIN, YASMIN MELO LA GRECA DE PAIVA, MARIA CAROLINA SANTOS SILVA, ROBERTA GOMES BARROS