Dados do Trabalho
Título
RELATO DE CASO: RECONSTRUÇAO COMBINADA DE COURO CABELUDO COM RETALHO RANDOMIZADO E ENXERTO DE PELE TOTAL APOS EXERESE DE CARCINOMA ESPINOCELULAR LOCALMENTE AVANÇADO.
Resumo
O manejo do carcinoma espinocelular do couro cabeludo em casos localmente avançados ou recorrentes requer uma abordagem sistemática da doença, que combina cirurgia com terapias sistêmicas. A ressecção oncológica do tumor do couro cabeludo pode resultar em feridas complexas que resultam em reconstruções desafiadoras para o cirurgião plástico. Isso se deve a características como a gálea inelástica, à escassez do tecido adjacente, à sua capacidade de expansão limitada e à convexidade de sua forma, tornando a reconstrução dos defeitos do couro cabeludo uma tarefa que pode combinar várias técnicas cirúrgicas.
Várias opções reconstrutivas podem ser empregadas, como enxertia com pele de espessura parcial ou total, retalhos locais, retalhos livres microcirúrgicos, uso de matriz dérmica e a combinação de enxertia e retalhos randomizados locais. Somam-se a essas técnicas outras terapias complementares com a radioterapia, quimioterapia e a imunoterapia. A técnica utilizada, assim como a utilização de terapias complementares devem ser personalizadas para cada situação clínica individual.
Introdução
Os tumores de pele não-melanoma possuem alta incidência e prevalência em humanos e, apesar da baixa mortalidade e do potencial metastático, eles apresentam alto poder de destruição local e, por isso, maior morbidade. O carcinoma espinocelular (CEC) é o segundo tipo mais comum, tendo apenas uma incidência inferior ao carcinoma basocelular (CBC).¹’ ⁴
Os fatores predisponentes envolvem indivíduos de pele clara (tipo I e II de Fitzpatrick), por volta da sexta década de vida, sexo masculino e predileção por regiões fotoexpostas, como face, mãos, antebraço e, frequentemente, o couro cabeludo. Ademais, existem diversos fatores e risco, como a exposição crônica à radiação solar, contato com carcinógenos químicos (arsênio e hidrocarbonetos), radiação ionizante, infeções virais (HPV), doenças cutâneas prévias, ferida crônicas, queimaduras e imunossupressão. ¹’²
Nesse contexto, existem variados tratamentos para o câncer de pele, no entanto, é essencial que haja reconstrução após a excisão cirúrgica, que pode ser através de fechamento primário, retalhos locais, enxertos parciais ou de espessura total. Com isso, a escolha do melhor método depende da profundidade e tamanho da lesão, do estado clínico do paciente, além das necessidades funcionais e estéticas. ²
Vale ressaltar, que a perda tecidual no couro cabeludo após a ressecção tumoral pode resultar em feridas complexas, principalmente quando há lesões extensas e que acometem periósteo, osso ou até mesmo a dura-máter. Assim, nessa região existem diversas restrições que dificultam sua reconstrução, como a capacidade limitada de expansão do tecido, escassez de doadores adjacentes e convexidade do crânio. ²
O CEC do couro cabeludo com envolvimento periosteal ou da calota craniana oferece o desafio de manejo mais significativo; para CECs localmente avançados, métodos de tratamento cirúrgico mais conservadores podem ser considerados, garantindo controle razoável da doença local e expondo o paciente a menores riscos operacionais.² Apresentamos nesse relato de caso, uma boa opção para reconstrução cirúrgica a associação do enxerto de pele total e o retalho randomizado local, em uma paciente idosa, após ressecção de extenso carcinoma espinocelular em couro cabeludo.
Objetivo
Expor a combinação do uso do retalho local randomizado com enxertia de pele total na reconstrução do couro cabeludo após grandes ressecções tumorais.
Método
Reconstrução do couro cabeludo utilizando a associação entre enxertia de pele total com uso do retalho local em rotação randomizado em paciente idosa de 87 anos após ressecção de grande carcinoma espinocelular.
Resultado
A combinação entre o uso das técnicas cirúrgicas de enxertia de pele total e o retalho local em rotação randomizado mostrou-se com uma boa alternativa para fechamento de uma ferida complexa em couro cabeludo decorrente de carcinoma espinocelular localmente avançado. Como a indicação inicial da resseção foi para controle local da doença e melhora estética, após tratamento a paciente mesmo com pequena recidiva local, apresentou doença mais controlada localmente e um resultado estético satisfatório.
Discussão
O carcinoma cutâneo de células escamosas é hoje uma das neoplasias malignas mais comuns que encontramos em nossa prática clínica, com uma taxa de incidência rapidamente crescente, provavelmente devido ao envelhecimento progressivo da população e à maior atenção ao rastreamento do câncer da pele.
O couro cabeludo é uma das principais localizações do CECc, que apresenta características de alto ou muito alto risco e muitas vezes pode mostrar invasão local no momento da apresentação clínica. Portanto, como o CEC avançado do couro cabeludo pode impor riscos significativos em termos de impactos na qualidade de vida, morbidade e mortalidade, bem como aumento dos custos para o manejo, uma abordagem sistemática do tratamento é obrigatória.²
O manejo do carcinoma espinocelular do couro cabeludo em casos localmente avançados ou recorrentes requer uma abordagem sistemática da doença, que combina cirurgia com terapias sistêmicas.²’³’⁵
O primeiro aspecto a ser considerado no manejo do CECc do couro cabeludo é a cirurgia e a reconstrução adequada dos defeitos. Quando os pacientes são elegíveis para cirurgia, a ressecção radical representa a terapia de primeira linha, melhorando os resultados prognósticos e lançando as bases para o seguimento de terapias adjuvantes.²
À medida que o tumor cresce em tamanho e profundidade, com possível envolvimento do osso e das estruturas internas, a ressecção do couro cabeludo do CECs pode resultar em feridas complexas, o que pode representar um desafio em relação à reconstrução.
Várias opções reconstrutivas têm sido discutidas na literatura, incluindo fechamento primário em caso de pequenos defeitos, enxerto de pele quando o periósteo da calvária foi preservado e retalhos locais em caso de defeitos de tamanho menor a médio.²
Para defeitos de espessura parcial sem envolvimento do periósteo, uma opção é o fechamento primário para os menores defeitos de até 3 cm de diâmetro, com excelente resultado estético, pois utiliza tecido piloso adjacente. Entretanto, esse método é tipicamente limitado pela baixa elasticidade e maleabilidade da pele do couro cabeludo, com risco de tensão excessiva de fechamento, que deve ser evitada para prevenir deiscências da ferida e evitar que os folículos pilosos sofram.² Porém através do amplo desprendimento tecidual na camada subgaleal conseguimos superar esse problema.
O enxerto de pele é um método confiável de reconstrução para defeitos parciais de tamanho médio-grande de até 10 cm de diâmetro, pois é rápido e fácil de configurar com mínima morbidade da área doadora, especialmente para enxertos de pele de espessura total. O leito para enxertia deve contar com um suprimento sanguíneo de nutrientes disponível, possivelmente representado por periósteo íntegro.² Entretanto, quando o periósteo após a ressecção do tumor não foi preservado por razões de segurança oncológica, podemos contar com outras opções reconstrutivas, principalmente o uso de substitutos dérmicos.
Para grandes ressecções podem ser usados os retalhos livres microcirúrgicos ou a combinação de enxerto com retalho local randomizado para cobertura dessas feridas complexas de difícil fechamento.
Geralmente, cada abordagem cirúrgica deve ser adaptada às condições clínicas, preferências do paciente e individualizadas para cada caso. Pacientes idosos acometidos com lesões extensas e localmente avançadas que provavelmente necessitaram de grande excisão local de espessura total e reconstrução complexa, devem receber uma abordagem mais conservadora quando limitados pela idade, comprometimento cognitivo, contraindicação anestesiológica para distúrbios subjacentes ou dificuldades no cuidado domiciliar. Acima de tudo, essa categoria de paciente precisa de uma avaliação cuidadosa do caso a montante em um contexto multidisciplinar para identificar a melhor opção para o paciente. Apresentamos o caso de uma paciente de 87 anos com extenso carcinoma espinocelular localmente avançado, vegetante, ulcerado e agressivo com aproximadamente 12 meses de evolução atendida no ambulatório de cirurgia plástica do HMTJ- Juiz de Fora/MG (figura 1: Carcinoma espinocelular de couro cabeludo). Concomitantemente apresentava um CBC em região mandibular esquerda. Paciente relatava muita dor local e incômodo estético com a lesão. Esta apresentava muitas comorbidades e pela extensão da doença optou por realizar a exérese de toda lesão que invadia superficialmente o periósteo (figura 2: Exérese de toda a lesão no intra-operatório). Realizamos a reconstrução utilizando a combinação do retalho local randomizado do couro cabeludo associado a enxertia de pele total retirada da região infraclavicular esquerda da paciente (figura 3: Reconstrução do couro cabeludo com retalho randomizado e enxerto de pele total).
Paciente teve uma boa evolução no pós operatório, entretanto na linha de transição entre o retalho e o enxerto ocorreu pequena infecção local (figura 4: Processo infeccioso na linha de transição entre o enxerto e o retalho do couro cabeludo), sendo tratada com curativo diário e antibiótico oral, que teve um bom resultado. Paciente manteve seguimento semanal e depois mensal com no ambulatório de cirurgia plástica e acompanhamento conjunto com a oncologia cirúrgica. A biopsia revelou margem profunda e fragmento ósseo comprometido. Optou-se então por realizar como terapia adjuvante a radioterapia levando em consideração a idade da paciente, comorbidades e o desejo da família. Paciente realizou 10 sessões de radioterapia e após 8 meses paciente encontra-se com a doença localmente controlada, remissão dos sintomas e melhora estética do local (figura 5: Couro cabeludo após 8 meses de pós-operatório).
A combinação de técnicas reconstrutivas mostrou-se uma boa alternativa para fechamento de feridas complexas, com bom resultado estético e controle da doença. Dessa forma, a escolha e a sequência de tratamentos devem ser adaptadas ao paciente individual, às preferências do médico e às decisões da equipe multidisciplinar.
Conclusão
O carcinoma espinocelular localmente avançado de couro cabeludo em pacientes elegíveis para o tratamento cirúrgico seja ele curativo ou para controle da doença e por questões estéticas pode resultar em um desafio para o cirurgião plástico no que diz respeito a sua reconstrução. A combinação da enxertia de pele total com o retalho local em rotação randomizado mostrou-se uma boa opção para o fechamento dessas feridas complexas com controle local da doença e melhora estética sobretudo em pacientes idosos como no caso da nossa paciente.
Referências
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2. Rodio M, Tettamanzi M, Trignano E, Rampazzo S, Serra PL, Grieco F, Boccaletti R, Veneziani Santonio F, Fadda GM, Sanna F, Di Mario D, Rubino C. Manejo Multidisciplinar do Carcinoma Cutâneo de Células Escamosas do Couro Cabeludo: Um Algoritmo para Reconstrução e Tratamento. J Clin Med 2024 10 de março; 13(6):1581. DOI: 10.3390/jcm13061581. PMID: 38541808; PMCID: PMC10971407.
3. Trignano E, Tettamanzi M, Rampazzo S, Trignano C, Boccaletti R, Fadda GM, Sanna F, Bussu F, Cossu A, Rubino C. Carcinoma de células escamosas do couro cabeludo: uma combinação de diferentes estratégias terapêuticas. Relatos de Caso Plast Surg Hand Surg. 2023 12 de maio; 10(1):2210670. DOI: 10.1080/23320885.2023.2210670. PMID: 37197191; PMCID: PMC10184606.
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5. Ehrl D, Brueggemann A, Broer PN, Koban K, Giunta R, Thon N. Reconstrução do couro cabeludo após ressecção de tumor maligno: uma análise e algoritmo. J Neurol Surg B Base do Crânio. 2020 Abr; 81(2):149-157. DOI: 10.1055/s-0039-1683371. EPub 2019 1 de março. PMID: 32206533; PMCID: PMC7082164.
Palavras Chave
Carcinoma espinocelular de couro cabeludo; retalho randomizado; reconstrução couro cabeludo
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
HOSPITAL E MATERNIDADE THEREZINHA DE JESUS - Minas Gerais - Brasil
Autores
DALMARA SIMPLICIO DE OLIVEIRA, JADE BORBOREMA SALIM , MARIANA DA CRUZ CAMPOS , MARCELO TORRES DE SOUZA, SOPHIA DE ALMEIDA CIONI, ROMEU FERREIRA DARODA