60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RECONSTRUÇAO DE PALPEBRA INFERIOR UTILIZANDO ENXERTO CONDROMUCOSO DE SEPTO NASAL E RETALHO DE MUSTARDE APOS RESSECÇAO DE CARCINOMA BASOCELULAR INFRAPALPEBRAL, ASSOCIADO A RETALHO NASOLABIAL DE TRANSPOSIÇAO APOS RESSECÇAO DE CARCINOMA BASOCELULAR EM AS

Resumo

O carcinoma basocelular (CBC) é o câncer de pele mais frequente no mundo. Uma série de fatores de risco é associada ao desenvolvimento do CBC, sendo a exposição à radiação ultravioleta (UV) o principal descrito. O tratamento destas lesões quando localizado em áreas consideradas esteticamente nobres, como a face, é desafiador. No presente estudo, relatamos um caso de reconstrução de pálpebra inferior e asa nasal conduzido em nosso serviço.

Introdução

O câncer de pele não melanoma é a quinta neoplasia maligna mais frequente no mundo, com 220 mil novos casos/ano no Brasil segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA). 1 Incorpora uma gama de entidades patológicas que se originam de diferentes células da derme e da epiderme, sendo o carcinoma basocelular (CBC) o subtipo mais frequente. 2 Derivado das células da camada basal da epiderme, acomete principalmente indivíduos mais velhos, com fototipo claro e em áreas fotoexpostas, apresentando-se clinicamente de forma variada. 1
Uma série de fatores de risco é associada ao desenvolvimento do CBC, sendo a exposição à radiação ultravioleta (UV) o principal descrito. Evidências demonstram que a relação entre a exposição solar e o CBC é complexa e dependente de tempo, padrão de exposição e quantidade de radiação UV. 3 Consequentemente, áreas fotoexpostas são as mais acometidas: de todos os casos de CBC, cerca de 80% acometem áreas da cabeça e pescoço, e destes, 10-20% estão na região palpebral. 4,5 A localização do CBC em áreas consideradas esteticamente nobres é problemática, pois apesar de pouco associado a metástases, pode apresentar comportamento localmente invasivo e destrutivo – o que torna o tratamento destas lesões um desafio, que deve sempre visar erradicar o tumor de modo a preservar ao máximo a função e estética local. 2,3,4
Conhecendo os desafios da abordagem do CBC na face, no presente estudo relatamos um caso de reconstrução de pálpebra inferior e asa nasal após ressecção de CBC atendido em nosso serviço.

Objetivo

No presente estudo, relatamos um caso de reconstrução de pálpebra inferior utilizando enxerto condromucoso de septo nasal e retalho de Mustardé após ressecção de CBC infrapalpebral, associado a retalho nasolabial de transposição após ressecção de CBC em asa nasal, realizado pela equipe de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE-SP).

Método

O relato de caso foi baseado no seguimento clínico e cirúrgico realizado por nossa equipe com o paciente em estudo, associado à análise de prontuário eletrônico. Posteriormente, foi realizada uma breve revisão da literatura, pesquisando-se na base de dados Pubmed artigos recentes acerca do tema “reconstrução de pálpebra inferior”, “enxerto condromucoso de septo nasal", “retalho de Mustardé”, “reconstrução de asa nasal” e “retalho nasolabial”.
Temos em questão um paciente do sexo masculino, 86 anos, portador de hipertensão arterial, insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (45%) e hiperplasia prostática benigna, sem outras comorbidades conhecidas; apresenta fototipo 2 de Fitzpatrick, já com histórico de CBC prévio em dorso da mão. Procurou o ambulatório de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) para avaliação de lesão infrapalpebral e em asa nasal, ambas de aparecimento há aproximadamente 6 meses, com crescimento progressivo, sem relato de dor ou sangramento local. Ao exame, apresenta lesão ulcerada em linha ciliar inferior esquerda ocupando cerca de 50% da pálpebra inferior, e lesão perolada de 6 mm em asa nasal esquerda, ambas apresentando telangiectasias (Figura 1); não haviam linfonodos palpáveis ou indícios de lesão a distância. Devido aspecto clínico sugestivo de carcinoma, optado por ressecção com margens amplas de ambas as lesões. A exérese das lesões foi então realizada com margens de 7 mm, com reconstrução no mesmo tempo cirúrgico (Figura 2).
Para reconstrução do defeito infrapalpebral, de espessura total e aproximadamente 20 mm de diâmetro, foi optado por associar a utilização de enxerto condromucoso de septo nasal para reconstruir a lamela posterior e retalho de Mustardé para reconstruir a lamela anterior, com rotação medial de pele e tecido subcutâneo da bochecha (Figura 3). A escolha pelo enxerto septal se deve à boa qualidade da cartilagem, que é facilmente disponível e moldável, sem causar dano funcional ou estético à área doadora e promovendo estruturação adequada para a porção tarsal ressecada, permitindo restauração da função palpebral. A cobertura com retalho de Mustardé se deve à proximidade da área doadora ao defeito, favorecendo compatibilidade de cor e textura de pele, preservando a inervação e promovendo resultado funcional e estético favorável, com baixos índices de complicação devido pedículo amplo e com vascularização confiável, além de possibilidade de realização em tempo cirúrgico único.
O retalho nasolabial (Figura 3), com transposição de pele e tecido subcutâneo do sulco nasolabial, escolhido para cobertura do defeito em asa nasal – que se estendia até o plano muscular, também foi escolhido pela proximidade da área doadora ao defeito, promovendo resultado funcional e estético favorável, com baixos índices de complicação, vascularização confiável, realização em tempo cirúrgico único e ampla área doadora.

Resultado

As peças foram encaminhadas para avaliação anatomopatológica, resultando em CBC subtipo nodular e micronodular (lesão infrapalpebral) e CBC subtipo nodular (lesão em asa nasal), ambos sem invasão angiolinfática ou perineural e com margens de ressecção cirúrgica livres de neoplasia. Em seguimento ambulatorial três meses após o procedimento, paciente vem mantendo sem indícios de recidiva clínica, funcionalidade palpebral e de asa nasal preservadas e com boa cicatrização dos retalhos. Evoluiu com discreto lagoftalmo em canto lateral esquerdo (Figura 4), porém sem queixas clínicas relatadas pelo paciente, sendo optado por manter conduta expectante por hora.

Discussão

O câncer de pele não melanoma é a quinta neoplasia maligna mais frequente no mundo, incorporando uma gama de entidades patológicas que se originam de diferentes células da derme e da epiderme. 1 Dentre os subtipos de câncer de pele, o CBC, derivado das células da camada basal da epiderme, apresenta maior incidência, acometendo cerca de 2 milhões de americanos anualmente e sendo pelo menos 2 vezes mais frequente que o carcinoma espinocelular (CEC). 3 Apesar de apresentar bom prognóstico, com taxas metastáticas < 0,1%, o CBC pode produzir destruição local substancial, causando deformidades e podendo envolver áreas extensas de tecido mole, cartilagem e osso. 3
A ressecção cirúrgica é a principal forma de tratamento para o CBC, visando erradicar o tumor de modo a preservar ao máximo a função e estética local. 1,2,4 No entanto, quando localizado em áreas nobres, como a pálpebra inferior e a asa nasal, a reconstrução após a ressecção oncológica pode ser especialmente desafiadora. Nestas localizações, uma reconstrução inadequada pode resultar em danos funcionais e estéticos de difícil manejo, como ectrópio, entrópio, lagoftalmo, triquiase, simbléfaro, queratite e úlcera córnea, colapso da válvula nasal, obstrução nasal crônica, entre outras complicações. 4,5
Para reduzir o risco de complicações é fundamental que haja reconstrução da lamela anterior e posterior da pálpebra em camadas e utilizando tecidos que sejam o mais semelhantes possível com àqueles que foram perdidos. 6 Diversas técnicas são descritas na literatura tanto para a reconstrução da lamela anterior (ex.: retalho de Mustardé, Tenzel, frontal mediano, técnica modificada de Hughes) quanto para a lamela posterior (ex.: enxerto tarsoconjuntival, cartilagem auricular, condromucoso nasal, palato duro; retalho de Hughes, Cutler-Beard, avanço V-Y; retalhos à distância) 5,6 No caso conduzido em nosso serviço, optamos por reconstruir a lamela posterior com enxerto composto condromucoso septal, que apresenta estrutura semelhante ao tecido original, com baixo índice de contração durante a cicatrização e permitindo adequada estabilidade à pálpebra. 6 A lamela anterior foi reconstruída com retalho de Mustardé, técnica descrita em 1970 na qual há rotação medial de um retalho de bochecha, promovendo compatibilidade de cor e textura de pele na região palpebral com cicatrizes quase invisíveis. 7 A combinação entre enxerto condromucoso septal e retalho de Mustardé para reconstrução de defeitos acometendo mais da metade da pálpebra inferior é descrito no artigo original de Mustardé 7 como adequada ao promover alinhamento e estrutura a nova placa tarsal, prevenindo flacidez futura.
A reconstrução da asa nasal também apresenta diversas possibilidades descritas na literatura, como retalho bilobado, avanço VY, romboide, frontal mediano ou paramediano, entre outros. 8 No caso descrito, optamos por reconstruir com retalho nasolabial de transposição, com irrigação baseada superiormente em ramos distais das artérias angular e facial. Este tipo de retalho é adequado para correção de defeitos em asa nasal de até 2.5 cm, e vantajoso por apresentar vascularização robusta, ampla área doadora, compatibilidade de cor e textura de pele à asa nasal e possibilidade de esconder a cicatriz da área doadora no sulco nasolabial. 8

Conclusão

A reconstrução de defeitos na face após ressecções oncológicas impõe um grande desafio na vida do cirurgião. A escolha da técnica depende do tamanho, profundidade e localização do defeito, devendo sempre visar a manutenção da funcionalidade e estética local. 2
O caso conduzido em nosso serviço demonstra uma associação de técnicas para a reconstrução após excisão de duas lesões em áreas nobres da face, de modo que foi possível alcançar com sucesso um resultado funcional e estético.

Referências

1. Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Estimativa 2023 : incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro: INCA, 2022.
2. SOLIS-PAZMINO, Paola; GODOY, Richard; PILATUÑA, Eduardo; ROCHA, Carla; GARCÍA, Cristhian. Combination of Mustardé cheek advancement flap and paramedian forehead flap as a functional and aesthetic alternative. Journal Of Surgical Case Reports, [S.L.], v. 2023, n. 1, jan. 2023. Oxford University Press (OUP). http://dx.doi.org/10.1093/jscr/rjad019.
3. SCHMULTS, Chrysalyne D.; BLITZBLAU, Rachel; AASI, Sumaira Z.; ALAM, Murad; AMINI, Arya; BIBEE, Kristin; BORDEAUX, Jeremy; CHEN, Pei-Ling; CONTRERAS, Carlo M.; DIMAIO, Dominick. Basal Cell Skin Cancer, Version 2.2024, NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Journal Of The National Comprehensive Cancer Network, [S.L.], v. 21, n. 11, p. 1181-1203, nov. 2023. Harborside Press, LLC. http://dx.doi.org/10.6004/jnccn.2023.0056.
4. BALCHEV, Georgi. Complications and Recurrences after Excision and Reconstruction of Eyelid Tumours. Current Oncology, [S.L.], v. 31, n. 4, p. 1713-1724, 22 mar. 2024. MDPI AG. http://dx.doi.org/10.3390/curroncol31040130.
5. ORGUN, Doruk; HAYASHI, Ayato; YOSHIZAWA, Hidekazu; SHIMIZU, Azusa; HORIGUCHI, Masatoshi; MOCHIZUKI, Mariko; KAMIMORI, Tomoki; AIBA-KOJIMA, Emiko; MIZUNO, Hiroshi. Oncoplastic Lower Eyelid Reconstruction Analysis. Journal Of Craniofacial Surgery, [S.L.], v. 30, n. 8, p. 2396-2400, nov. 2019. Ovid Technologies (Wolters Kluwer Health). http://dx.doi.org/10.1097/scs.0000000000005639.
6. FIN, Alessandra; BIASIO, Fabrizio de; LANZETTA, Paolo; MURA, Sebastiano; TARANTINI, Anna; PARODI, Pier Camillo. Posterior lamellar reconstruction: a comprehensive review of the literature. Orbit, [S.L.], v. 38, n. 1, p. 51-66, 21 maio 2018. Informa UK Limited. http://dx.doi.org/10.1080/01676830.2018.1474236.
7. MUSTARDE, John C.. THE USE OF FLAPS IN THE ORBITAL REGION. Plastic And Reconstructive Surgery, [S.L.], v. 45, n. 2, p. 146-150, fev. 1970. Ovid Technologies (Wolters Kluwer Health). http://dx.doi.org/10.1097/00006534-197002000-00007.
8. BLOOM, Jason D.; RANSOM, Evan R.; MILLER, Christopher J.. Reconstruction of Alar Defects. Facial Plastic Surgery Clinics Of North America, [S.L.], v. 19, n. 1, p. 63-83, fev. 2011. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.fsc.2010.10.009.

Palavras Chave

RECONSTRUÇÃO DE PÁLPEBRA INFERIOR; RETALHO DE MUSTARDE; RECONTRUÇÃO NASAL

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - HSPE-SP - São Paulo - Brasil

Autores

RAFAELA MIHO YTO, HELIO KIYOTO MAEBAYASHI, LEONARDO SIMIONI FERRARO, VIVIAN CALVINO LAGARES SCALCO, ANNA LUIZA NUNES DE FREITAS, ATHOS ALVARES DUTRA