Dados do Trabalho
Título
O PAPEL DA LIPOENXERTIA AUTOLOGA NA MIOMODULAÇAO E REESTRUTURAÇAO PALPEBRAL INFERIOR
Resumo
Os tecidos perioculares sofrem mudanças com o passar do tempo, denunciando a perda de elasticidade da pele e da função muscular.
O preenchimento de compartimentos profundos, que podem ser realizados com materiais, a exemplo do ácido hialurônico e tecido autólogo, podendo ser úteis na miomodulação de estruturas faciais. Tal temática ainda é pouco discutida nos estudos modernos. Este estudo tem como objetivo o relato de caso de um paciente submetido a blefaroplastia inferior bilateral associada a lipoenxertia, demonstrando melhora expressiva na miomodulação periorbicular. Trata-se de estudo descritivo, onde pode-se concluir que a lipoenxertia tem contribuição no aumento da sustentação do terço médio da face e na melhora da função do músculo orbicular através da miomodulação por lipoenxertia autóloga.
Introdução
Os tecidos periorbitais, juntamente à pálpebra, sofrem mudanças progressivas com o passar da idade, sendo motivo de preocupação no rejuvenescimento facial. A avaliação minuciosa dos terços superiores e médio têm importância significativa no tocante à posição e suporte palpebral¹.
As táticas para rejuvenescimento facial mudaram drasticamente nos últimos dez anos, evoluindo do tratamento isolado de rítides superficiais para uma abordagem concentrada na revolumização e reposicionamento de coxins gordurosos, principalmente pelo melhor entendimento das mudanças ósseas e das partes moles que ocorrem no processo de envelhecimento da face³.
Atualmente, entende-se que no processo de envelhecimento do terço médio não há “queda” por gravidade das estruturas, e sim mudança na qualidade cutânea, além de uma redistribuição (hipotrofia e hipertrofia) volumétrica dos compartimentos gordurosos faciais e remodelação contínua dos ossos craniofaciais ².
A margem lateral da pálpebra inferior depende do suporte lateral cantal, do tônus do músculo orbicular, da integridade do ligamento tarsal e da adequação cutânea. O orbicular é o principal músculo responsável pelo tônus palpebral inferior. A blefaroplastia moderna preconiza ressecção menos agressiva e mais minuciosa, menor redução da gordura, com reposicionamento desta por via transconjuntival ou subciliar, associando-se suporte com cantopexia.
As mais frequentes complicações que podem ser observadas são mal posicionamento palpebral inferior, “scleral show”, fissuras palpebrais e depressões das pálpebras inferiores (4). O tratamento contempla a redistribuição e/ou reposicionamento dos volumes faciais e das bolsas gordurosas palpebrais.
O reposicionamento dos coxins gordurosos periorbitários pode ser realizado por diversas técnicas² de suspensão do terço médio da face, por implantes aloplásticos ou, ainda, associado a lipoenxertia autógena³. Os tecidos autógenos têm a vantagem de menor risco de infecção, nenhuma reação, por se tratar do tecido do próprio paciente e um menor custo, quando em comparação aos implantes aloplásticos. (5) Assim como a gordura autóloga, o ácido hialurônico pode ser utilizado para volumização dos tecidos moles, assim como reposicionamento da gordura, alcançando um resultado natural para o rejuvenescimento facial. (6)
Os preenchimentos injetáveis são normalmente aplicados para preencher rugas estáticas e manchas localizadas, mas pouco se discute sobre como eles podem ser utilizados para alterar o movimento muscular, fornecendo outra ferramenta além de neurotoxinas no arsenal da miomodulação facial (9).
Objetivo
Demonstrar por relato de caso e revisão da literatura a importância da lipoenxertia autóloga na miomodulação do terço médio da face, diminuindo o risco de complicações após a blefaroplastia inferior, como como scleral show, frouxidão palpebral e ectrópio, associando-se, ainda, resultados de maior excelência para os pacientes submetidos a este procedimento.
Método
Trata-se de um estudo descritivo em forma de relato de caso de um paciente de 66 anos, sexo masculino, que apresentava ptose palpebral importante, com esvaziamento do terço médio da face, diminuição do tônus do músculo orbicular, exposição da esclera e retração palpebral > 6mm, com vetor malar negativo. O paciente foi abordado em 2024 pelo serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), tendo sido indicada blefaroplastia superior bilateral com lipoenxertia malar. 1 ml da região média da órbita à linha médio pupilar, 1 ml entre a linha pupilar e lateral da órbita, 1,5 ml, entre lateral da órbita e do arco zigomático e 1,5 ml em região malar profunda.
Resultado
O presente estudo trata de relato de caso de um paciente de 66 anos, sexo masculino, com ptose palpebral importante, esvaziamento do terço médio da face, diminuição do tônus do músculo orbicular, exposição da esclera e retração palpebral > 6mm, com vetor malar negativo. O paciente foi abordado pelo serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) em março de 2024. Foi indicada a blefaroplastia superior bilateral + lipoenxertia malar.
Realizou-se bloqueio supra troclear e supraorbitário e diretamente na pálpebra superior para hidrodissecção e bloqueio troncular do nervo infraorbitário. Foram lipoaspirados 60 ml de gordura da região abdominal, tendo sido decantados e processados por filtro de nanofat (20 filtragens). Lipoenxertou-se 1 ml da região média da órbita à linha médio pupilar, 1 ml entre a linha pupilar e lateral da órbita, 1,5 ml, entre lateral da órbita e do arco zigomático e 1,5 ml em região malar profunda.
A lipoenxertia foi o último passo do procedimento cirúrgico, e o lipoaspirado foi decantado sem adição de nenhuma solução, realizadas filtragens em filtro de nanofat e transferidos para região malar e periorbitária.
Discussão
O grau de frouxidão de tecido mole somado às alterações da região malar será o indicativo da extensão da blefaroplastia inferior¹. A realização da cantoplastia é indicada quando a retração palpebral inferior é maior que 6mm².
Na avaliação da pálpebra inferior, é imprescindível a avaliação conjunta com o terço médio da face, uma vez que os tecidos adquirem uma maior flacidez com o processo de envelhecimento, havendo excesso de pele e diminuição do preenchimento e volume entre os tecidos moles, ficando mais evidentes o Tear trough (região medial até linha pupilar) e o sulco pálpebro malar (região lateral a linha pupilar) com o passar do tempo³. Além da flacidez e excesso de pele, também é percebida uma frouxidão das estruturas ligamentares que fazem as divisórias para os compartimentos de gordura na região periorbitária (ligamento orbicular) e na região do terço médio da face (ligamento zigomático cutâneo), ligamentos estes que sustentam os coxins de gordura profundos e superficiais da face.
Os sulcos periorbitários e zigomático profundos e o volume do terço médio da face são características constitucionais pessoais, que são acentuadas com o processo de envelhecimento(4), incluindo a remodelação óssea, o adelgaçamento cutâneo e a atrofia dos compartimentos de gordura, sendo necessária a reposição volumétrica dessas estruturas, a fim de restaurar a parte funcional bem como a estética facial.
Outro mecanismo associado ao envelhecimento do terço médio da face é a pseudoptose, que acontece, segundo Rohrich et al., quando há falta ou perda de volume do compartimento medial profundo da bochecha(5). Essa falta de volume não é facilmente ou eficazmente corrigida em blefaroplastias ou ritidoplastias. O preenchimento com volume extra é uma solução simples e eficaz, podendo ser realizado com materiais aloplásticos ou com autotransplante de lipoaspirado.
Pacientes que apresentam perda leve a moderada de volume da região periorbitária, sem abaulamento grave de gordura orbital, podem ser bons candidatos para preenchimento com Ácido Hialurônico ou enxerto de gordura isoladamente. Entretanto, pacientes com deformidades mais pronunciadas, como protrusão de gordura periorbitária de maior monta e excesso de pele da pálpebra inferior são muitas vezes mais bem atendidos por blefaroplastia inferior com reposicionamento de gordura e/ou combinação com a lipoenxertia(6).
Rohrich et al enfatiza a importância da lipoenxertia em região malar associada à abordagem transconjuntival¹, defendendo a lipoenxertia em região malar profunda, seguida de remoção da gordura inferior via transconjuntival, liberação do ligamento retentor orbicular com cantopexia lateral e remoção de excedente de pele quando necessário e possível(8).
A lipoaspiração foi descrita pela primeira vez na década de 1980 por Illouz e, posteriormente, Coleman descreveu a técnica de enxerto de gordura, sendo a lipoenxertia amplamente utilizada em cirurgia plástica nos dias de hoje(7). Tais técnicas estão cada vez mais refinadas e avançadas, obtendo-se uma melhor compreensão da ação das células mesenquimais, que são comprovadamente abundantes no tecido gorduroso, tendo sido cada vez mais utilizadas¹.
A lipoenxertia possui várias vantagens, como: ausência de formação de granuloma de corpo estranho ou de biofilme, possibilidade de injeção em todas as camadas, abundância de material, o que permite o emprego de volumes maiores com melhor distribuição, além de uma melhor integração tecidual, sendo possível a obtenção de resultados mais naturais e satisfatórios.
A transição da junção pálpebra-bochecha continua sendo um objetivo indescritível na blefaroplastia moderna. A adição de nanogordura e da gordura fracionada para melhorias nesta região é mais uma estratégia para atingir esse objetivo(7).
Não é possível quantificar com precisão a quantidade de gordura que deve ser injetada na região lacrimal e malar, devendo ser avaliada caso a caso, mas, como princípio geral nesta técnica são injetados 0,5 a 1,5 ml na região lacrimal e 2 a 3 ml na região malar. Ainda assim, é difícil avaliar qual a porcentagem de gordura permanecerá viável devido às suas propriedades físicas(6).
Em relação à área doadora, tem-se dado preferência à parte interna da coxa e ao abdômen, por conterem a maior concentração de células vasculares estromais, além de sua gordura ser morfologicamente semelhante a gordura facial devido ao tamanho relativamente pequeno das células(7).
As teorias do envelhecimento facial têm enfatizado as mudanças cutâneas, da gordura subjacente e ossos que resultam em flacidez e rugas, enquanto o papel muscular no envelhecimento tem sido negligenciado. Os preenchimentos injetáveis comumente são aplicados no preenchimento de rugas estáticas e manchas localizadas, mas pouco se discute sobre como eles podem ser utilizados para alterar o movimento muscular, fornecendo outra ferramenta além de neurotoxinas no arsenal da miomodulação facial(9), que consiste na aposição estratégica de preenchimento dérmico nas proximidades dos músculos da mímica ou esfincterianos, facilitando ou dificultando a ação muscular(10).
Os músculos da mímica possuem diversas características que os diferenciam dos músculos esqueléticos. Uma vez que não possuem tendões e se inserem na pele, a elasticidade da pele e do tecido conjuntivo são a principal fonte do componente elástico da tensão muscular, sendo que os coxins gordurosos e o arcabouço ósseo funcionam como sistemas biomecânicos de polias fixas, mudando o ângulo de ação dos músculos e alavancas e conferindo vantagens mecânicas ao aumentar a força ou deslocamento muscular(9,10).
No tratamento, os preenchimentos injetáveis atuam como sustentáculo ao recriar a convexidade e a tensão do músculo, aumentando sua contratilidade e restaurando o tônus em repouso(10), podendo ser associados para melhorar o movimento muscular ou bloquear músculos hiperativos.
Em seu estudo, Maurício de Maio através de relatos de casos comprovou que com uma “compreensão da importância da estrutura e estabilidade na função muscular, a experiência sugere que, onde falta estrutura, a miomodulação com preenchimentos devem ser considerados”(9). Coimbra et al “a alteração da atividade muscular produzida faz parecer que o paciente sofreu uma modificação comportamental ou está realizando menos esforço muscular e que a miomodulação de um grupo funcional parece afetar a ação de outros grupos musculares miméticos.”(10).
Conclusão
A realização de lipoenxertia em associação com a blefaroplastia inferior, o reposicionamento da margem palpebral tem bom nível de evidência no tocante à miomodulação ao melhorar a função do músculo orbicular, aumentando a sustentação da região periorbitária e do terço médio da face, promovendo uma melhora na frouxidão ligamentar e da pálpebra inferior.
Referências
1- Theodoro PCET, Cunha AS, Silva S, Damasio A, Albuquerque LA. Blefaroplastia Estruturada: Entendendo alterações e tratamentos. Brasília Med. 2022;59:1-5
2- Codner MA, McCord Jr CD. Eyelid e Periorbital Surgery. 2 ed. New York. Thieme Medical Publishers; 2016. p 259-306
3- Chia CY, Rovaris DA. Lipoenxertia autóloga periorbitária no rejuvenescimento facial: análise retrospectiva da eficácia e da segurança em 31 casos. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(3):405-10
4- Dias GDR, Borba A. Abordagem estética da região palpebral inferior – Uma revisão das principais opções terapêuticas. Research, Society and Development. 2021: 10(5), e28710515033
5- Liao SL, Wei YH. Fat repositioning via supraperiosteal dissection with internal fixation for tear trough deformity in an Asian population. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2011. 249:1735–1741
6- Jiang J, Wang X, Chen R, XIa X, Sun S, Hu K. Tear trough deformity: different types of anatomy and treatment Options. Adv Dermatol Allergol 2016; XXXIII (4): 303–308
7- Rohrich R, Mahedia M, Shah N, Afrooz P, Vishvanath L. Gupta RK. Role of Fractionated Fat (FractoFat) in Blending the Lid-Cheek Junction. Plastic and Reconstructive Surgery Advance Online Article. Plast Reconstr Surg. 2018;142(1):56-65
8- Pezeshk RA. Sieber DA, Rorich RJ. The Six-Step Lower Blepharoplasty: Using Fractionated Fat to Enhance Blending of the Lid-Cheek Junction. Plastic and Reconstructive Surgery. 2017;139(6):1381-3
9- Maio, M. Myomodulation with Injectable Fillers: An Innovative Approach to Addressing Facial Muscle Movement. Aesth Plast Surg. 2018;42: 798-814
10- Coimba DD, Stefanello B. Myomodulation with Facial Fillers: A Comprehensive Technical Guide and Retrospective Case Series. Aesth Plast Surg. 2023;47:1162–1174
Palavras Chave
Miomodulação; lipoenxertia; Blefaroplastia
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Geral de Fortaleza - Ceará - Brasil
Autores
J?SSICA VICTOR DE LACERDA CABRAL, RONEY GONÇALVES FECHINE FEITOSA, LIZA MARIA SAMPAIO DE BRITO, EMERSON WESLEY DE FREITAS CORDEIRO, KAIO DANILO LEITE DA SILVA ROCHA, LEONARDO AUGUSTO DE CARVALHO SANTOS