Dados do Trabalho
Título
Considerações sobre o procedimento de avaliação da capacidade econômico-financeira do prestador à cargo do regulador, conforme art. 10 e seguintes do Decreto Federal 10.710/2021
Resumo
O decreto regulamentador do artigo 10-B, com a definição da “metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira” dos atuais prestadores de serviços, detentores de contratos de delegação de serviços públicos de água e esgotamento sanitário, estava previsto para ser publicado 90 (noventa) dias após a edição da Lei 14.026, de 15 de julho de 2020. Foi publicado com quase 7 (sete) meses de atraso, e trouxe obrigações a serem cumpridas pelo prestador e pelo regulador em desafiadores exíguos prazos. Se o novo marco já trouxe uma pauta grande para debates o decreto 10.710/2021 não fica atrás. Muitos aspectos do decreto merecem comentários. Alguns elencados como principais serão abordados, no entanto, este trabalho dará especial atenção ao procedimento formal em si, após a apresentação, dentro do prazo, do requerimento de comprovação da capacidade econômico-financeira pelo prestador de serviços para análise do regulador. Uma deferência especial do regulador será necessária acerca de aspectos que permeiam tal procedimento e a importância de cada regulador infranacional avaliar a necessidade de regulamentar, em suas agências, questões procedimentais específicas a fim de evitar intercorrências, pressões e questionamentos capazes de embaraçar a avaliação em si e seu resultado.
Palavras Chave
Avaliação. Capacidade econômico-financeira. Contratos de prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Estudos de Viabilidade. Regularidade. Procedimento normativo.
Introdução/Objetivos
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O DECRETO Nº 10.710/2021
O Decreto 10.710/2021, alterou e abalou toda a arquitetura regulatória do setor de saneamento básico na busca pela universalização de tais serviços no nosso país. Impõe desafios apreciáveis tanto para o regulador, como para os atuais detentores dos contratos de delegação dos serviços públicos de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário.
Conforme preconiza o artigo 11 B da Lei 11.445/2007, todos os contratos (novos e atualmente vigentes) devem prever metas de atendimento de 99% da população com serviços de abastecimento de água potável e de 90% da população com serviços de esgotamento sanitário, que devem ser atendidas até 31/12/2033.
Os contratos regulares e vigentes que não possuem as metas conforme as novas determinações, tem o prazo até 31/03/2022 para incorporá-las, devendo comprovar previamente a capacidade econômico-financeira para atingi-las, com recursos próprios ou por contratação de dívida.
As determinações do decreto deverão ser observadas pelos prestadores de serviços que os explorem com base em contrato de programa, nos termos da Lei 11.107/2005 e pelos prestadores de serviços que os explorem com base em contrato de concessão precedido de licitação, com base na Lei 8.987/1995, ou de concessão patrocinada ou administrativa, com base na Lei 11.079/2004, que necessitem de aditamento para inclusão das novas metas de universalização.
O Decreto isenta da comprovação de capacidade, a prestação direta dos serviços públicos de abastecimento de água potável ou esgotamento sanitário pelo Município ou pelo DF, titular do serviço, mesmo que a prestação seja por intermédio de autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista, desde que por eles controladas.
A comprovação se dará em duas etapas sucessivas. Na primeira etapa será analisado o atendimento do prestador a um conjunto de critérios relativos a 04 (quatro) indicadores econômico-financeiros. Quais sejam:
a) Índice de margem líquida sem depreciação e amortização superior a zero;
b) Índice de grau de endividamento inferior ou igual a um;
c) Índice de retorno sobre o patrimônio líquido superior a zero e;
d) Índice de suficiência de caixa superior a um.
Caso o prestador seja aprovado na primeira etapa, passará para a segunda, composta da análise quanto a adequação dos estudos de viabilidade econômico-financeira e do plano de captação de recursos para a realização dos investimentos. Os estudos de viabilidade devem indicar as estimativas dos investimentos globais e especialmente os investimentos necessários ao atingimento das metas de universalização. O prestador ainda deverá demonstrar o fluxo de caixa global esperado e o fluxo de caixa estimado para cada contrato regular em vigor, devendo, para o recebimento do atesto, ter este fluxo de caixa global, obrigatoriamente, valor presente líquido igual ou superior a zero.
O normativo estabelece que a primeira etapa ficará a cargo de uma auditoria independente, contratada pelo prestador de serviços, que cuidará, com emissão de laudo sob sua responsabilidade, da correção dos cálculos e do atendimento dos indicadores referencias mínimos. A segunda etapa, por sua vez, será de responsabilidade de um certificador independente, que deverá emitir laudo ou parecer técnico atestando a adequação dos estudos de viabilidade econômico-financeira e do plano de captação de recursos.
Ressalta de forma clara que, a não aprovação do prestador na primeira etapa, dispensa a análise referente à etapa seguinte.
Segundo o novo normativo, a comprovação da capacidade econômico-financeira, obedecidos os seus termos, é requisito indispensável para a celebração dos termos aditivos para a incorporação das metas de universalização e os prestadores tem até 31.12.2021 para iniciarem o procedimento de comprovação perante o regulador.
Metodologia
A metodologia utilizada será a análise do conteúdo do Decreto 10.710/2021, e da Lei 11.445/2007, com as inovações incluídas pela Lei 14.026/2020, sob os aspectos que lhe são afetos.
Considerando a novidade do tema e a escassa quantidade de material sobre o assunto, faremos uma análise crítica com base em algumas manifestações já postas de grandes heads que atuam no setor de saneamento.
São apenas primeiras impressões, até porque, o aprofundamento sobre os principais aspectos só será possível quando o procedimento de avaliação da capacidade econômico-financeira estiver acontecendo efetivamente, a todo vapor, colhendo os méritos e/ou as questões controversas que serão inerentes à prática.
O artigo, além de abordar alguns temas, pretende deixar algumas questões para debate, já que existem ainda muitas divergências de posicionamento, o que traz uma possibilidade de provocar e estimular a participação dos atores envolvidos.
Resultados e Discussão
ALGUNS PONTOS SENSÍVEIS A SEREM ENFRENTADOS
a) Do prazo: Como ponto de partida, já poderíamos comentar do prazo para o requerimento da avaliação da capacidade econômico-financeira pelo prestador e do prazo para avaliação de tal requerimento pelo regulador, que, com o atraso de 7 meses e meio para publicação do decreto regulamentador do artigo 10 B da Lei 11.445/2007 terminou ficando exíguo demais, com risco de não cumprimento a contento por alguns prestadores e/ou reguladores. A respeito deste aspecto, já tramitam alguns projetos de lei, para postergação dos prazos impostos no decreto, alguns deles, relacionados o prazo posto para avaliação da capacidade econômico-financeira e o necessário conhecimento do conteúdo de algumas normas de referência a serem editadas pela ANA que impactariam sobre resultados esperados.
b) Do reequilíbrio econômico financeiro possivelmente necessário com a inclusão das novas metas e a impossibilidade de prorrogação dos prazos dos contratos de programa.
É possível que alguns contratos de programa regulares e em vigor, ao se adequarem às metas do novo marco (muitos deles tem metas infinitamente inferiores às metas trazidas pela Lei 14.026/2020) se deparem com um desequilíbrio econômico financeiro. Para reequilibrar tal assimetria, teríamos a possibilidade, e neste tom leciona o decreto, de: aumentar a tarifa cobrada ao usuário, através de uma repactuação tarifária; receber um aporte de recursos, contraprestação pecuniária ou subsídio do ente público e, não há previsão de dilação de prazo para diluir o reequilíbrio, muito pelo contrário, o Decreto ressalta como impedimento, para fins de reequilíbrio de contratos de programa, a ampliação do seu prazo de vigência. Tal questão também já tem gerado diversas discussões sobre o tema, e o conhecimento de algumas delas valem ser postas para conhecimento e análise de todos.
c) Do conceito de regularidade e vigência contratual , condições postas como pré-requisitos à avaliação da capacidade econômico-financeira do prestador de serviços. A quem cabe avaliar a condição de regularidade e vigência do contrato? É papel do regulador apontá-las ou a anuência do titular dos serviços supre qualquer achado?
O Decreto traz algumas questões que de pronto precisarão ser enfrentadas. Ao delimitar, já no seu artigo inaugural o universo contratual a ser considerado, qual seja, “... estabelecer a metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário que detenham contratos regulares em vigor, com vistas a viabilizar o cumprimento das metas de universalização” (grifo nosso), o decreto abre um espaço para a interpretação do que vem a ser e, portanto, poderá ser considerado na análise da capacidade econômico-financeira do prestador, contrato regular e vigente. Parece fácil e até um pouco óbvio, no entanto, apesar do moderado espaço de tempo de publicação do Decreto, vários posicionamentos já foram postos, e, considerando o universo significativo de contratos de concessão/delegação e de programa, muitas vezes de baixa qualidade, o tema se torna ainda mais valioso e instigante.
d) Pontos a serem comentados acerca do procedimento de avaliação em si. Comentários sobre alguns indicadores e cuidados necessários com as premissas adotadas na elaboração dos EVTEs pelo prestador.
Outros pontos devem ser levantados acerca do procedimento de avaliação em si, sobre os indicadores econômico-financeiros elencados para a verificação da fase 1 e, no que diz respeito à fase 2, algumas premissas escolhidas podem ser dignas de atenção a serem utilizadas na produção dos EVTEs, por parte do prestador. Cabe ao regulador interferir diretamente nas premissas adotadas ao analisar os estudos, ou estando a cargo do prestador a produção dos EVTEs não cabe ao regulador adentrar nestes aspectos?
DO PROCEDIMENTO PARA AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE EONÔMICO FINANCEIRA DO PRESTADOR- DA INSTRUÇÃO À AVALIÇÃO FINAL
O Decreto nº 10.710, de 31 de maio de 2021 em seu artigo 10 e seguintes, estabelece o procedimento de avaliação e determina que o prestador de serviços deverá apresentar o requerimento da comprovação de capacidade econômico-financeira junto a cada entidade reguladora responsável pela fiscalização dos seus contratos até 31 de dezembro de 2021.
O artigo 11 esclarece quais os documentos que deverão instruir o requerimento, a forma de apresentação e ainda determina que o prestador de serviços apresente à ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, cópia do protocolo do requerimento de comprovação junto à entidade reguladora infranacional acompanhada de cópia do requerimento e de todos os documentos que o acompanharam, estabelecendo para tal providência um prazo de 05 (cinco) dias contados da data do protocolo do pedido. O decreto não dispõe sobre a responsabilidade de sigilo, quando haja, no caso de informações sensíveis do prestador.
DA IMPORTÂNCIA DAS AGÊNCIAS INFRANACIONAIS REGULAMENTAREM OS PROCEDIMENTOS INTERNOS DE AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE ECONÔMICA DO PRESTADOR
O artigo 11 estabelece quais os documentos que deverão compor o requerimento a ser apresentado pelo prestador de serviços à agência reguladora responsável pela regulação dos seus contratos. No entanto, o artigo 13 dispõe que a análise de comprovação da capacidade econômico-financeira observará rito processual aplicável a cada entidade reguladora.
Sobre este ponto, e após reflexão do importante papel que passam a desempenhar as agências reguladoras infranacionais, que, a nível de país, contam com agências das mais variadas grandezas e capacidades técnicas, surgiu a ideia, talvez visando dar conforto, transparência e tecnicidade ao processo, de que cada agência normatize internamente todo o procedimento de avaliação. O intuito do normativo seria, obviamente atrelado à parte que as cabe, esclarecer pontos que podem ser considerados dúbios, obscuros ou até questionáveis.
Ao tratar de pauta determinante para o prestador dos serviços, quanto mais transparente e seguro o processo, melhor para o regulador, para o poder concedente e para os usuários, sendo também importante, que tal normativo esclarecendo todo o procedimento, seja posto em consulta pública para conhecimento e recebimento de contribuições do setor.
Conclusão
O presente trabalho tem por objetivo trazer a tona alguns pontos para reflexão acerca do procedimento de avaliação da capacidade econômico-financeira do prestador de serviços bem como sobre o papel do regulador, que, caso não seja desempenhado de forma técnica, transparente e profícua, poderá dar vazão a questionamentos vastos que ocasionarão insegurança jurídica, atraso nos investimentos e, consequentemente, não atingimento das metas postas no artigo 11B.
Referências Bibliográficas
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PARENTE, WD, Gonçalves EDL, Smiderle JJ, Capodeferro, WM, Guimaraes PHE, Comentários ao Decreto nº 10.710/2021- FGV, junho 2021, Acesso em: https://ceri.fgv.br/publicacoes/comentarios-ao-decreto-no-107102021
Área
Temas Transversais: Aspectos Jurídicos e Institucionais da Regulação; Transparência e Controle Social; Melhoria da Qualidade da Regulação; Governança Regulatória; Análise de Impacto Regulatório
Instituições
AGERSA - BA - Bahia - Brasil, FUNDACE - São Paulo - Brasil
Autores
EDUARDA FERNANDES DE ALMEIDA, BRUNO AURICHIO LEDO