VI Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Perícia Médica

Dados do Trabalho


Título

METODOS DE AVALIAÇAO DO DANO PSIQUICO: REVISAO SISTEMATICA DE LITERATURA.

Introdução

A perícia médico-legal é uma prática científica, técnica e artística. É ciência, pois sua construção do conhecimento segue à risca o método científico. Como técnica, é armada de diferentes procedimentos para observar e fixar o fenômeno estudado em termos médicos. Como arte, tem o desafio de apresentar seus achados de maneira imparcial e esclarecedora ao leitor, um estrangeiro na Medicina, segundo França (2017). É dito que a atividade científica se diferencia das demais pelo emprego sistemático da observação e experiência. Por meio deles, obtém a reprodutibilidade e o objetivismo, conforme Hepburn e Andersen, (2021). Como consequência, desenvolve uma metodologia que permite a verificação e a crítica de seus achados. A especialidade Medicina Legal e Perícia Médica (MLPM) tem por finalidade contribuir para o esclarecimento de questões médicas ao Direito. Dentro de suas atribuições, está a perícia de avaliação e valoração do dano pessoal e o estabelecimento do nexo causal. A definição desta tarefa é difícil e complexa, pois, invoca conceitos médicos, econômicos e legais. Enquanto para França (2017) ela busca a “valorização do corpo humano como forma de resgatar os prejuízos”, Colón (2017) ela teria a função de comparar o estado atual o pré-mórbido (anterior) pregresso ao trauma. O dano, em matéria jurídica, é definido por Vítor et. al (2017) como “lesão material ou imaterial a um interesse juridicamente protegido, consiste, portanto, numa desvantagem que afeta a esfera jurídica do lesado”. Quando a lesão provoca uma disfunção da unidade psicofísica de uma pessoa, tem-se o dano corporal. Se porventura abordado em ação de natureza cível, deve existir um indivíduo para responder pelo dano. Na esfera penal, exige um ato ilícito que ofenda a integridade corporal da vítima. Em ambos há o esforço de se enxergar além da topografia anatômica, função fisiológica ou psiquismo: a caracterização do dano é sempre biopsicossocial assim é o entendimento de França (2017). O dano psíquico se refere às condições psiquiátricas desenvolvidas como consequência de uma ação ou omissão negligentes, conforme Young et al. (2020) e, uma vez existente, ele infere uma perturbação do equilíbrio psíquico global exacerbando ou causando distúrbios psiquiátricos, conceitos aceitos por Colón e Máximo (2017) e Abazia (2018). Em similaridade com a doutrina médico-legal brasileira, o Direito português analisa o dano pessoal em patrimonial e extrapatrimonial enquanto a doutrina italiana define o dano corporal como qualquer lesão à integridade física, se referindo ao estado global da pessoa e a influência do dano em todo seu valor humano, trazendo o conceito de dano biológico em vez de dano corporal. O ressarcimento decorrente de dano tem origem histórica na Mesopotâmia, Código de Hamurabi, trazendo o princípio de proporcionalidade ao valor destituído. As tabelas de dano, como conhecemos hoje, tem origem em publicação do Ministério da Guerra Francês. Sua tabela dividia a invalidez em seis classes, conforme o percentual de lesão calculado, segundo Colón e Máximo (2017). De motriz ao motivo do presente trabalho, cita-se novamente França (2017): “Malgrado todo esforço, não existe entre nós um modelo claro de laudo nem uma metodologia própria na avaliação do dano corporal de natureza civil. Tem-se a impressão de que cada perito usa seu próprio modelo marcado pelo autodidatismo evidente”. A autonomia médica garante que o exercício da profissão seja livre da influência de fatores alheios ao paciente. Não deve ser confundida com a liberdade para se adotar condutas distantes do embasamento científico. É óbvio, também, que a adoção cega de protocolos clínicos elaborados por sociedades científicas é deletéria se não houver sua aplicação personalizada ao contexto individual de cada paciente. Ademais, não se discute a relevância dos mesmos como uma base para a construção da abordagem clínica para esses doentes. Além disso, garantem uma homogeneidade nas condutas médicas e, assim, resultados com desfechos clínicos semelhantes. Como, então, justificar a ausência de uma metodologia brasileira para avaliação do dano no direito civil? Por que a impressão do professor França de “autodidatismo” e “modelo próprio de perícia” para cada médico parece tão uniforme no zeigeist pericial? Sendo a ciência e técnica brasileiras um reflexo antropofágico da literatura científica internacional, realizamos essa sistemática para responder.

Metodologia/ Discussão

METODOLOGIA: Estudo realizado no Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e de Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi realizada revisão sistemática conforme as diretrizes preconizadas pelo projeto PRISMA (PAGE M. et al., 2021). As buscas foram conduzidas nas plataformas de dados PubMed, Science Direct, Embase, Wiley e Scielo. A estratégia de pesquisa adotada utilizou os descritores “psychiatric assessment of OR psychological assessment of AND personal injury”, “psychiatric impairment of OR psychological impairment of AND forensic”, com limitação desses em "title", "abstract" e "keywords".
DISCUSSÃO: Não foram encontrados artigos que abordassem a metodologia adotada em países como Portugal, França e Itália. Em investigação independente, percebe-se a similaridade entre os dois primeiros em matéria de base para a organização estrutural da metodologia de valoração. Não são utilizados de maneira padronizada, entretanto, instrumentos propedêuticos próprios. A doutrina italiana permite a escolha do perito pelo método de avaliação de preferência. Em virtude, entretanto, dos avanços jurídicos e protagonismo pioneiro relacionados ao tema de dano corporal nesse país, são encontrados pelo menos três instrumentos propedêuticos para essa avaliação: método do magistrado liberati; método da ordem de psicólogos do laço; e a fórmula crespi. Esses métodos possuem a particularidade de adotar um sincretismo entre os danos psiquiátrico e existencial.

Marco Conceitual/ Fundamentação/ Objetivos

OBJETIVOS: expor quais os métodos/ferramentas aplicáveis na avaliação forense do dano psíquico de acordo com a literatura.

MARCO CONCEITUAL: A valoração de dano mental e o estabelecimento de nexo em perícia forense é tema de grande dúvida para o perito e deve ser embasada em conceitos científicos.

Resultados/ Conclusões

Foram encontrados um total de 987 artigos e, após análise e exclusões, restaram 5 (cinco) artigos para elaboração deste trabalho. Métodos diferentes podem produzir conclusões próximas ou incongruentes. Além disso, os resultados de duas metodologias diversas não podem ser comparados. É também um reducionismo a ideia “escravatura do barema” vigente na doutrina pericial hodierna, a qual conclui que adotar uma metodologia padronizada subtrai “do perito o seu livre-arbítrio” e o despe da capacidade de “informar mais do que o padrão”. Os “baremas” parecem ser, para a perícia médica, o equivalente às diretrizes clínicas da medicina assistencial. Ainda, dão substrato de que a atividade pericial utiliza o método científico. Neles, há uma padronização do método da avaliação e valorização, o que almeja a reprodutibilidade dos achados e conclusões entre diferentes peritos. Se cada perito adota um método próprio, não existe, à rigor, reprodutibilidade científica. Mesmo que, entre dois observadores de metodologias díspares, as conclusões sejam semelhantes, não há rigor científico. Quando examinamos tabelas e instrumentos adotados em outros países, é possível verificar que seguem, a despeito dos diferentes métodos empregados, a “avaliação tridimensional” descrita por Vítor et. al (2017): corpo, funções e situações. Esse ideal de avaliação do dano também é empregado na doutrina brasileira, quando se declara que a avaliação do dano é sempre biopsicossocial, notada por França (2017). A escola italiana é semelhante, pois se refere ao estado global da pessoa e à influência do dano sofrido no valor humano, conforme esclarece Abazia (2018). Países de língua inglesa, como os Estados Unidos da América e a Austrália, possuem a tradição de adotar instrumentos de avaliação de origem anglófona. Entre os principais, podem ser citados os “Personality Assessment Inventory” e “Millon Clinical Multiaxial Inventory”. Apesar de classificado como tabela, o "AMA Guides" pode ser considerado um instrumento, ainda que resultado da combinação de diferentes outros instrumentos clínicos independentes.

Considerações Finais

A natureza da Medicina Legal exige clareza e objetividade nos métodos que devem ser empregados em sua execução. Encontra-se, entretanto, escassez na literatura científica que trate do tema. A avaliação do Dano Corporal é um reflexo de como cada sociedade entende e encara o “Dano” jurídico. Assim, em coletivos que atribuem grande importância ao assunto, existem conceitos e métodos “avançados” para estudá-lo. É possível, porém não confirmado com nossos achados, que em países como Estados Unidos e Itália a discussão já tenha ultrapassado o problema da objetividade, reprodutibilidade e padronização do método – tornando escassos os trabalhos que abordem o tema. Nos países em que o tema assume posição de menor importância, como o Brasil, associado ao comodismo de adotar a “doutrina de sempre”, observa-se a nulidade de produção científica sobre o problema.

Bibliografia

 FRANÇA, G. V. Medicina Legal. 11a Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
 HEPBURN, Brian; ANDERSEN, Hanne. Scientific Method. 2021. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/scientific-method/. Acesso em: 07 set. 2022.
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 PORTUGAL, Constituição (1989), Decreto-Lei no 352/2007. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/352-2007-629107. Acesso em: 15 de setembro de 2022.
 ITÁLIA, Decreto Legislativo no 209/2005. Disponível em: https://www.normattiva.it/urires/N2Ls?urn:nir:stato:decreto.legislativo:2005-09-07;209. Acesso em: 15 de setembro de 2022.

Área

Dano Corporal

Instituições

Universidade de São Paulo - São Paulo - Brasil

Autores

GABRIEL VINICIUS LOUREIRO FERNANDES, CARMEN SILVIA MOLLEIS GALEGO MIZIARA, IVAN DIEB MIZIARA