60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RETALHO DE TRAPEZIO PARA COBERTURA DE ARTICULAÇAO DO OMBRO: RELATO DE CASO

Resumo

A utilização do retalho de trapézio para cobertura de defeitos no ombro é pouco documentada na literatura. Em pacientes idosos com múltiplas comorbidades e necessidade de tempo cirúrgico reduzido ou em locais sem equipe de microcirurgia, tal retalho pode ser uma opção viável. Para elucidar essa aplicabilidade clínica, relatamos o caso de paciente masculino de 50 anos de idade, diabético insulinodependente, etilista e tabagista que evoluiu com ferida no ombro esquerdo após fratura de clavícula fechada por queda da própria altura. Submetido inicialmente a desbridamento físico e químico. Após preparo de leito de ferida e obtenção de tecido de granulação, confeccionado retalho de músculo trapézio para cobertura de articulação do ombro. Paciente evoluiu sem intercorrências no pós-operatório, mantendo boa perfusão de retalho. Recebeu alta no segundo dia pós-operatório. Em consultas de retorno, não foram constatadas complicações locais. Assim, a discussão do uso do retalho de trapézio em situações específicas deve ser estimulada. Os benefícios, em muitos casos, podem superar os riscos dessa escolha terapêutica e apenas através de mais relatos de casos e revisões de literatura pode-se determinar sua viabilidade.

Introdução

Reconstruções de defeitos na região cervical posterior e no ombro podem ser desafiadoras. Opções como retalhos microcirúrgicos ou retalhos locais são bem descritos, mas a utilização do retalho de trapézio para tais defeitos é muito menos documentada na literatura.
O retalho de trapézio foi primariamente descrito por Nakajima e Fujino em 19841, sendo primariamente descrito como miocutâneo ou muscular e, desde então, vem sendo utilizado como retalho cutâneo ou livre. Sua aplicabilidade em reconstruções de cabeça e pescoço é bem documentada.
Apesar da eficácia do retalho de trapézio, o seu uso é incomum nas reconstruções cervicais posteriores e nas reconstruções occipitais ou de ombro. Nesses casos, a grande quantidade de vasos temporais e cervicais favorecem o uso de retalhos livres2. Contudo, em pacientes idosos em que o tempo operatório associado à microcirurgia é mais relevante e em centros com menos disponibilidade de cirurgiões plásticos, o retalho de trapézio surge como alternativa viável, devido ao seu tempo operatório mais curto e mínimo déficit funcional. Ademais, o suprimento vascular rico do retalho reduz risco de infecção.
Um dos fatores limitantes do uso disseminado do retalho do músculo trapézio é a falta de familiaridade com sua anatomia cirúrgica. Segundo a classificação de Mathes e Nahai3, o músculo trapézio exibe um padrão vascular do tipo II4 com com pedículo vascular dominante e não dominante primariamente provenientes da artéria cervical transversa (ACT). Ele tem ramos profundos tanto da ACT quanto da artéria escapular dorsal (AED) como vascularização dominante - sendo uma questão em debate qual delas é a dominante. Variações anatômicas podem ser frequentes e sua incidência varia de acordo com a população e a região geográfica dos estudos.

Objetivo

Relatar a aplicabilidade clínica do retalho de trapézio na reconstrução de articulação ombro
Descrever análise da técnica cirúrgica e possíveis complicações associadas

Método

Estudo observacional descritivo do tipo relato de caso. As variáveis estudadas foram: condições do retalho, complicações e alterações funcionais associadas.

Resultado

Masculino, 50 anos, diabético em uso de insulinoterapia e etilista crônico, com histórico de queda da própria altura há 3 semanas antes da admissão hospitalar, evoluindo com fratura fechada de clavícula esquerda. Apresentou necrose local e saída de secreção purulenta pela ferida - motivo da procura de atendimento emergencial. Constatado a formação de abscesso local após atendimento da cirurgia plástica. Foi submetido à drenagem de abscesso e desbridamento da lesão. Seguimento com curativo de hidrogel com alginato até constatação de melhora de leito de ferida. Durante esse período, foi constatada exposição da articulação glenoumeral. Optado então por retalho de trapézio para reconstrução. Após obtenção de tecido de granulação em todo leito de ferida, prosseguiu-se a cirurgia. Realizada reconstrução de ombro esquerdo com retalho de músculo de trapézio com pedículo duplo. Paciente evoluiu sem intercorrências no pós-operatório imediato, com perfusão de retalho satisfatória. Recebeu alta no segundo dia pós-operatório. Em consultas de retorno, constatada a ausência de sinais flogísticos locais ou necrose local. Manutenção de funcionalidade de membro e de aspecto estético mesmo em pós-operatório tardio.

Discussão

Tumores de ombro e de cervical posterior são complexos e desafiadores5. Seu manejo é complicado devido a sua variada histopatologia e localização. A abordagem desses tumores requer a avaliação do tipo histológico, tamanho e envolvimento de estruturas adjacentes. Cirurgia é o tratamento primário para tumores localizados, com objetivo de exérese com margens livres. Em casos não candidatos a cirurgia ou paliativos, a radioterapia tem papel crucial no controle local da doença.
O músculo trapézio é um dos maiores músculos do corpo e possui três partes: superior, média e inferior6. A parte superior começa na sétima vértebra cervical, na protuberância occipital externa e no ligamento da nuca e termina na clavícula7. A parte média origina-se da sétima vértebra cervical e das três primeiras vértebras torácicas e termina no acrômio e na espinha da escápula. A parte inferior surge das vértebras torácicas restantes e termina em uma aponeurose próxima à escápula. O músculo trapézio tem duas funções principais8: move a escápula quando os segmentos da coluna vertebral estão estáveis ​​e move a coluna quando a escápula está estável. O nervo acessório espinhal fornece inervação ao músculo trapézio.
O suprimento sanguíneo do músculo vem dos ramos superficiais e profundos da artéria cervical transversa (ACT), que geralmente surgem do tronco tireocervical9. O ramo profundo é algumas vezes referido como um vaso independente que surge diretamente da artéria subclávia. A anatomia da ACT no triângulo posterior é altamente variável, tipicamente entrando no músculo trapézio na base do pescoço e descendo verticalmente ao longo de sua superfície profunda. A artéria cervical superficial, emergindo da ACT, corre lateral e superficial ao levantador da escápula e aos músculos rombóides, acompanhando ramos do nervo acessório10,11. O desenho do retalho do músculo trapézio alinha-se com o curso da artéria escapular dorsal (AED), com o longo eixo do retalho centrado entre a coluna e a borda medial da escápula.
A técnica cirúrgica do retalho trapézio envolve o posicionamento do paciente em decúbito ventral ou lateral, dependendo da localização do defeito e da extensão da dissecção necessária. O retalho é então desenhado com base no tamanho e formato do defeito que precisa ser reconstruído. O desenho pode variar dependendo se a pele, o músculo ou uma combinação de ambos são necessários para a reconstrução. O músculo trapézio é então dissecado das estruturas circundantes, como o grande dorsal e os músculos romboides maiores, preservando seu pedículo vascular. As inserções vertebrais do músculo trapézio são divididas e as perfurantes paraespinhais são ligadas. É importante lembrar que a ACT se divide em artérias superficiais e profundas na face posterior do triângulo posterior. O ramo superficial corre na superfície inferior do trapézio e se divide em ramos ascendentes e descendentes13. O ramo descendente supre o músculo trapézio médio e inferior e a pele sobrejacente. O ramo ascendente supre o trapézio superior juntamente com os vasos occipitais e paraespinhais14. Durante o procedimento, é realizada dissecção cuidadosa para evitar lesão do nervo acessório, que atravessa o músculo. Uma vez mobilizado adequadamente, o retalho é transferido para o local do defeito e inserido meticulosamente para garantir cobertura e vascularização adequadas. A área doadora é fechada primariamente ou com uso de enxertos de pele ou retalhos locais, dependendo do tamanho e localização do defeito.
O retalho muscular de trapézio é uma opção versátil que pode ser utilizada para diversas aplicações, desde retalhos cutâneos apenas musculares até retalhos cutâneos baseados em perfurantes. Pode ser utilizado como retalho bilateral ou retalho osteomusculocutâneo de trapézio13. O retalho muscular oferece vantagens como circulação robusta, resistência a infecções e técnicas cirúrgicas facilmente reprodutíveis13. Comparado aos métodos de transferência de tecidos à distância, proporciona melhor correspondência estética, procedimentos cirúrgicos menos complexos e menor tempo de operação. O comprometimento funcional pode ser minimizado preservando a parte superior do músculo trapézio e dos músculos rombóides14
As limitações ao uso do retalho de trapézio incluem a largura restrita do retalho (8–10 cm) e potenciais complicações no local doador se for necessário um retalho maior. O retalho do músculo trapézio é considerado seguro dentro de certos parâmetros e os resultados clínicos mostram complicações mínimas. Em uma análise retrospectiva de 10 casos apresentados em 202415, foram identificadas complicações como seroma da área doadora, deiscência da ferida, necrose parcial da ponta do retalho e recorrência de tumor prévio local. Estas complicações, embora presentes, são de ocorrência relativamente baixa, sugerindo que os benefícios desta abordagem cirúrgica superam os riscos na maioria dos casos. O único caso de recorrência tumoral neste trabalho sublinha a importância do acompanhamento a longo prazo e enfatiza a necessidade de vigilância contínua, especialmente em casos oncológicos.
Em nosso estudo, a decisão de utilizar o retalho do músculo trapézio para reconstrução de defeito do ombro deu-se pela ausência de microcirurgia disponível e necessidade de tempo cirúrgico reduzido pelas múltiplas comorbidades do paciente. As vantagens inerentes deste retalho, incluindo proximidade do local do defeito, suprimento sanguíneo robusto e uma técnica cirúrgica relativamente simples, o torna uma escolha adequada para reconstrução, particularmente nos casos em que procedimentos microcirúrgicos mais complexos não estão prontamente disponíveis.
A revisão bibliográfica realizada constatou que, apesar de algumas complicações relatadas na literatura, o retalho do músculo trapézio é eficaz na sobrevivência bem-sucedida do retalho e na recuperação funcional em até 90% dos casos15.
O estudo apresenta algumas limitações, como o pequeno tamanho da amostra, contudo a abordagem e discussão do tema é, claramente, essencial.

Conclusão

Este relato de caso fornece informações valiosas sobre o uso bem-sucedido do retalho do músculo trapézio para defeitos do ombro. Como as complicações são mínimas em comparação aos seus benefícios, esse retalho é uma opção viável e confiável para reconstrução em cenários clínicos específicos, como em lugares sem microcirurgia ou pacientes com múltiplas comorbidades e necessidade de tempo cirúrgico reduzido. A pesquisa contínua e o refinamento das técnicas contribuirão para estabelecer o retalho do músculo trapézio como uma escolha padrão e eficaz para a reconstrução do ombro.

Referências

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Palavras Chave

Cirurgia Reconstrutiva; retalhos cirúrgicos; MICROCIRURGIA

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

PUC-SP - São Paulo - Brasil

Autores

MARCELLO SANTOS DA SILVA, HAMILTON ALEARDO GONELLA, PEDRO IVO ROMANI, ROGÉRIO OLIVEIRA RUIZ, DANIEL JOSE DE MORAIS FOZATI, DECIO PORTELLA