60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

AVALIAÇAO DA EFICACIA DO CREME DE SUCRALFATO TOPICO NA CICATRIZAÇAO DE QUEIMADURAS: UMA REVISAO SISTEMATICA

Resumo

As lesões por queimaduras representam uma significativa preocupação de saúde pública no Brasil, com aproximadamente 1 milhão de casos anuais. Além dos métodos convencionais, como a Sulfadiazina de Prata (SSD), o sucralfato, inicialmente concebido como um agente mucoprotetor oral para doenças pépticas ácidas, surge como uma promissora alternativa no tratamento de queimaduras cutâneas. Este estudo, por meio de uma revisão sistemática, visou avaliar a eficácia do creme de Sucralfato tópico na cicatrização de queimaduras em humanos. Para isso foi realizada um levantamento de estudos nas seguintes bases de dados incluindo PubMed, MedLine, Mendley e Google Scholar. Após analisar 213 estudos, apenas cinco preencheram os critérios estabelecidos. Os estudos selecionados indicam que o sucralfato não apenas se mostra eficaz na cicatrização de feridas por queimaduras, mas também é seguro, sem evidências significativas de efeitos adversos. No entanto, destaca-se a necessidade de pesquisas adicionais, especialmente ensaios clínicos multicêntricos abrangentes, para validar e fortalecer as conclusões obtidas.

Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 300.000 óbitos ocorrem anualmente ao redor do mundo em razão de queimaduras, sendo portando uma questão de saúde pública3. De acordo com Gracia (2001), a Sulfadiazina de Prata 1% (SSD) foi estabelecida como o tratamento tópico convencional para queimaduras9. No entanto, em estudos mais recentes, constatou-se que o uso de SSD atrasa a cicatrização em lesões causadas por queimaduras de segundo grau10,11. Tal resultado sugere que é necessária uma abordagem de curativo mais eficiente para o tratamento de queimaduras. Segundo Lee e Moon (2003) o tratamento de queimaduras também pode ser realizado com sucralfato, o qual se trata de um sal em complexo básico de alumínio do sulfato de sacarose combinado com um agente citoprotetor desenvolvido em 1980 com o intuito inicial de ser um agente mucoprotetor por via oral no tratamento da doença péptica ácida10.

Objetivo

Analisar, por meio de uma revisão sistemática da literatura, a eficácia do creme de Sucralfato tópico na cicatrização de queimaduras

Método

O presente estudo trata-se de uma revisão sistemática da literatura científica, não envolvendo a coleta de dados diretamente dos participantes ou intervenções médicas, portanto não houve necessidade de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
Para elaboração da pergunta de pesquisa utilizou-se o acrônimo PICO. Assim, a pergunta dessa pesquisa foi: Qual a eficácia do uso de Sucralfato em comparação com placebo e tratamentos padrão, bem como com outros tipos de curativos, na cicatrização de feridas por queimaduras de diferentes graus e etiologias?

Resultado

O levantamento da literatura científica bem como a coleta dos artigos científicos ocorreram nos meses de abril a setembro de 2023 obedecendo os critérios de confecção de revisão sistemática.
Durante esse tempo, foi possível identificar 213 estudos nas seguintes base científicas PubMed (20), MedLine (20), Mendley (19) e Google Scholar (154), O trajeto de busca, análise, seleção e inclusão encontra-se exposto no Fluxograma 1.
O Quadro 1 refere-se a síntese das características dos artigos examinados nesta revisão, proporcionando elementos para sua devida identificação. Em contrapartida, o Quadro 2 oferece uma análise minuciosa dos desfechos específicos de cada estudo, facilitando uma avaliação comparativa detalhada.
Os estudos concentram informações sobre a utilização do creme de Sucralfato no tratamento de queimaduras em seres humanos. Este levantamento englobou um total de sete estudos, sendo uma seleção baseada em critérios de inclusão e exclusão levantados previamente.
Entre os artigos selecionados, 3 deles foram escritos por autores indianos, 1 escrito por portugueses e 1 por brasileiros, todos com amostras envolvendo seres humanos.
Além disso, é de suma importância ressaltar que todos os estudos incorporados à pesquisa abrangeram o período de 2001 a 2021. Isso destaca a natureza recente e relativamente pouco explorada do tema na literatura, especialmente no que diz respeito à cicatrização de ferimentos, principalmente os provocados por queimaduras.
O estudo 1, conduzido na Índia em 2001, adotou um rigoroso delineamento experimental randomizado em duas fases para investigar a eficácia do creme de Sucralfato a 7% no tratamento de queimaduras de segundo e terceiro graus, cobrindo menos de 50% da superfície corporal, em 60 participantes. A primeira fase envolveu dois grupos: o "Grupo de Estudo", que recebeu aplicação tópica de Sucralfato nas lesões, e o "Grupo Controle", tratado com outros agentes tópicos, como a sulfadiazina de prata (SSD) ou Povidona Iodo. A segunda fase consistiu no uso de Sucralfato e um creme "Placebo" de forma cega20.
Os resultados indicaram, na primeira fase, uma significativa redução no tempo da taxa média de epitelização no "Grupo de Estudo" em comparação com o "Grupo Controle", com um P valor de 0,00001. No contexto de queimaduras de terceiro grau, o surgimento de tecido de granulação saudável ocorreu em aproximadamente 16,3 dias no "Grupo de Estudo" e em 20 dias no "Grupo Controle". Na segunda fase, o tempo médio para o surgimento de tecido de granulação foi de 16,7 dias no grupo que utilizou Sucralfato e de 22,7 dias no grupo que utilizou o creme placebo. Esses resultados reforçam a eficácia do Sucralfato na promoção da cicatrização de queimaduras cutâneas20.
Considerando que o estudo foi conduzido há duas décadas, os pesquisadores observaram uma complexidade na comparação dos resultados, devido à escassez de análises contemporâneas na área. Não obstante essa limitação temporal, os autores do estudo 1 concluíram que o creme de Sucralfato evidenciou uma efetiva capacidade de epitelização e formação de tecido de granulação na lesão, sendo identificado como um agente tópico eficaz no tratamento de queimaduras de segundo e terceiro graus. Vale ressaltar que, mesmo quando utilizado de maneira crônica, o Sucralfato não demonstrou qualquer efeito tóxico, alérgico ou sistêmico20.
Os estudos 2 e 3, realizados na Índia, o objetivo de avaliar e comparar a eficácia do Sucralfato em relação à SSD 1%, mas com a distinção crucial de empregar amostras humanas em seus ensaios26,27.
Os investigadores empregaram amostras de pacientes humanos, totalizando 60 e 50 participantes, respectivamente. Estes foram dividimos em grupos de números iguais e submetidos a uma análise comparativa no que se refere ao uso tópico de Sucralfato (Grupo A ou Grupo 1) em comparação com a aplicação de SSD 1% (Grupo B ou Grupo 2). Ambos os grupos demonstraram resultados positivos e eficazes26,27.
Os autores do estudo 2 observaram que no Grupo A, o tecido de granulação surgiu em menos de 7 dias em 50% dos pacientes, enquanto no Grupo B esse processo ocorreu em 15 a 20 dias em 60% dos casos. Dessa forma, concluíram que o curativo tópico com Sucralfato acelerou significativamente o processo de cicatrização de queimaduras de segundo grau, sugerindo seu uso como agente alternativo ou em combinação26.
Os desfechos foram similares para o estudo 3, uma vez que foi relatado que o Sucralfato aumentou a formação de tecido de granulação em 6 a 17 dias em comparação ao SSD 14 a 22 dias. Além disso, observou-se que a cicatrização mais rápida por reepitelização esteve presente no grupo em uso de Sucralfato 11 a 22 dias em comparação ao grupo SSD 15 a 30 dias. Dessa forma, os autores concluem que uso de sucralfato tópico acelera o processo de cicatrização de queimaduras além de diminuir significativamente a dor, coceiras, sem reações adversas locais ou sistêmicas à aplicação tópica27.
Os estudos 4 e 5, de natureza observacional, foram conduzidos no Brasil e Portugal, respectivamente28,29. O primeiro constitui um relato de caso, visando descrever o processo de recuperação de uma paciente de 4 anos que sofreu queimadura elétrica na face superior da língua e palato duro. Neste estudo, o tratamento incluiu a aplicação tópica de sucralfato suspensão 2mg/10ml três vezes ao dia na face superior da língua. Os resultados indicaram a formação de uma película protetora na lesão, com redução significativa do edema, dor e sialorréia ao longo do tempo, assim como uma diminuição gradual da espessura da crosta de coloração brancacenta. A paciente alcançou cicatrização após 7 dias de tratamento28.
Já o estudo 5, trata-se de um estudo observacional onde teve como objetivo determinar a prevalência e as características dos indivíduos hospitalizados com feridas em um ambiente agudo. Assim sendo, o autor aponta na pesquisa que houve apenas 01 caso de queimadura onde foi relatado o uso de Sucralfato como promotor eficaz na cicatrização, entretanto não houve detalhes sobre o desfecho e recuperação com a medicação tópica29.
Em conjunto, esses estudos oferecem uma visão abrangente do potencial terapêutico do Sucralfato no tratamento de queimaduras, destacando sua eficácia, segurança e possível utilização com baixo potencial de efeitos adversos, Quadro 2.

Discussão

De acordo com Momeni (2018), um processo eficaz de cicatrização de feridas envolve a interação complexa de mediadores solúveis, remodelação da matriz extracelular, proliferação celular e infiltração de células sanguíneas. Dois passos críticos nesse processo são a epitelização, geralmente dependente de queratinócitos, e a contração da ferida, um fenômeno influenciado pelos fibroblastos. Além disso, fatores de crescimento essenciais, como EGF, CTGF, KGF, bFGF, HGF e TGF-β, desempenham papéis cruciais na promoção da regeneração epidérmica, na atividade dos fibroblastos e na maturação adequada da matriz de colágeno32. Assim, entende-se que, a cicatrização de tecidos feridos está intrinsecamente ligada basicamente à neoangiogênese, à ativação da resposta imunológica local e à presença de fatores de crescimento, que incluem o fator de crescimento epidérmico (EGF), o fator de crescimento transformador β (TGF-β) e o fator básico de crescimento de fibroblastos (bFGF)20.Um dos agentes tópicos mais utilizados em queimaduras é a SSD33. A SSD a 1% é o agente tópico mais prevalente para queimaduras de espessura parcial, sendo preferível a outros medicamentos. Embora seja altamente eficaz, a SSD pode induzir efeitos colaterais sistêmicos, incluindo neutropenia, eritema multiforme e distúrbios sanguíneos10. Conforme observado por Lee e Moon (2003), o Sucralfato, um sal em complexo básico de alumínio do sulfato de sacarose, surge como uma alternativa para o tratamento de queimaduras. Pois ele atua justamente como bacteriostático além de aumentar a concentração de fator de crescimento transformador β (TGF-β), fator de crescimento epidérmico (EGF) e o fator básico de crescimento de fibroblastos (bFGF) no tecido lesionado proporcionando a cicatrização local, resultando no aumento evidente da espessura tanto da epiderme quanto da derme, além de contribuir na diminuição da liberação de interleucina-2, interferon gama e citocinas pelas células danificadas e queimadas da pele, prevenindo assim a inflamação e proporcionando um efeito calmante11. o Sucralfato apresenta um bom custo-benefício e acessibilidade em países em desenvolvimento, muitas vezes cobertos por seguros governamentais ou facilmente disponíveis34. Em comparação com a SSD, o sucralfato demonstra superioridade na taxa de cicatrização de feridas, na diminuição da incidência de infecções e no estímulo à epitelização, tudo isso sem provocar reações adversas locais ou sistêmicas34.A superioridade do Sucralfato em termos de cicatrização, redução de infecções e estímulo à epitelização, sem a indução de efeitos adversos significativos, sugere um perfil terapêutico vantajoso. Apesar do número reduzido de estudos disponíveis sobre o assunto, uma das observações centrais é a heterogeneidade de abordagens nos estudos revisados. As diferenças nos protocolos, como a concentração de Sucralfato utilizado, a frequência de aplicação e estágio das queimaduras, são fatores que contribuem para a variação nos resultados observados. Essa diversidade ressalta a necessidade de padronização em protocolos e na necessidade de mais estudos comparativos e melhor detalhados a fim de permitir resultados mais precisos e, consequentemente, uma avaliação mais robusta da eficácia do sucralfato.

Conclusão

A consolidação do creme de Sucralfato tópico como uma estratégia eficaz e confiável no manejo de queimaduras dependerá de uma base mais robusta de evidências, levando mais fatores em consideração, como a sua concentração a fim de refletir o compromisso contínuo com a excelência na prática clínica e o aprimoramento dos resultados em benefício dos pacientes.

Referências

1. Brigham PA, McLoughlin E. Burn incidence and medical care use in the United States: estimates, trends, and data sources. J Burn Care Rehabil. 1996;17(2):95-107
McCaig LF, Burt CW. National Hospital Ambulatory Medical Care Survey: 2002 emergency department summary. Adv Data. 2004;18(340):1-34.
3. Organization WH. The Global Burden of Disease: 2004. Geneva2008; Available in: acessado em jun 2023.
4. Prignano F, Campolmi P, Bonan P, Ricceri F, Cannarozzo G, Troiano M, et al. Fractional CO2 laser: a novel therapeutic device upon photobiomodulation of tissue remodeling and cytokine pathway of tissue repair. Dermatol Ther. 2009;22 Suppl 1:S8-15.
5. Jeschke MG, Kamolz L, Sjoeberg F, Wolf SE. Manual de queimaduras , vol 1 Viena: Springer; 2012. 6. Kraft R, Herndon DN, Al-Mousawi AM, Williams FN, Finnerty CC, Jeschke MG. Tamanho da queimadura e probabilidade de sobrevivência em pacientes pediátricos em tratamento moderno de queimaduras: um estudo de coorte observacional prospectivo . Lancet 2012; 379 : 1013–21.

Palavras Chave

queimaduras; sulcrafato

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

SERVIÇO DE CIRURGIA PLÁSTIA E QUEIMADOS DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - São Paulo - Brasil

Autores

ADERBAL GAULINO GALASSI NETO, GIOVANNI MELONE JUNIOR, ISABELA LAZZARIN CUNHA , LUIZ GABRIEL MILANEZ RONCHI , RENAN PEREIRA DE OLIVEIRA TINOCO , ELIANE REGINA BUENO RIBEIRO GARCIA