Dados do Trabalho
Título
ANALISE RETROSPECTIVA DOS PACIENTES SUBMETIDOS A RECONSTRUÇAO PALPEBRAL DEVIDO LESAO TUMORAL NO SERVIÇO DE CIRURGIA PLASTICA PUC CAMPINAS
Resumo
Introdução: Os tumores cutâneos não melanoma são os cânceres mais comuns no Brasil, com destaque para o carcinoma basocelular (CBC) e o carcinoma epidermóide (CEC) e têm como principal fator causal a exposição solar prolongada. A presença dessas lesões em topografia palpebral apresenta implicações clínicas consideráveis, demandando uma abordagem cuidadosa para preservar a integridade ocular e a qualidade de vida dos pacientes. Objetivo: Analisar a epidemiologia e as complicações em pacientes submetidos à exérese e reconstrução de lesões palpebrais em um serviço de referência para tratamento de lesões tumorais da face ao longo de dois anos. Método: Foi realizado um estudo retrospectivo no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital PUC Campinas, analisando prontuários de pacientes submetidos à exérese de lesões palpebrais e peripalpebrais seguida de reconstrução entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2024. Resultados: Foram realizadas 39 exéreses em 33 pacientes, com predominância de mulheres (54.5%). O CBC foi o mais comum (43.5%), seguido do CEC (23%). A reconstrução variou de fechamento primário (71.79%) a enxertos e retalhos. Complicações incluíram margens comprometidas (35.3% CBC, 55.5% CEC), recidivas (7.4%) e ectrópio (15.3%). Conclusão: A reconstrução de defeitos palpebrais pós-exérese tumoral apresenta desafios significativos, requerendo abordagens individualizadas e habilidades técnicas avançadas. O estudo reforça a importância da avaliação criteriosa e do manejo adequado das complicações para alcançar resultados funcionais e estéticos satisfatórios.
Introdução
Os tumores cutâneos não melanoma são os cânceres mais comuns no Brasil, sendo o CBC o tipo predominante, representando aproximadamente 70% a 75% dos casos, seguido pelo CEC, que corresponde a cerca de 20% dos casos e tem comportamento mais agressivo quando comparado ao CBC.1,2 A exposição prolongada à radiação solar é identificada como a principal causa para o desenvolvimento desses tumores, especialmente em áreas expostas da pele como face, orelhas, pescoço, couro cabeludo, ombros e dorso. Outros fatores etiológicos incluem exposição a carcinógenos químicos, radiação ionizante, histórico de doenças dermatológicas, exposição crônica à radiação solar, infecção pelo papilomavírus humano (HPV) e presença de cicatrizes decorrentes de queimaduras ou úlceras angiodérmicas.3 No contexto específico das pálpebras, o CBC corresponde a uma proporção significativa dos tumores malignos, variando de 77% a 90%, enquanto o CEC representa de 7% a 18% dos casos.4 A escolha do método de reparo funcional após a excisão tumoral é influenciada pela extensão do tumor. Existem critérios que orientam a reconstrução: quando o comprometimento é inferior a 25% da pálpebra, pode-se optar pelo fechamento primário; em casos de 25% a 50%, o fechamento primário pode ser combinado com cantólise ou utilização de retalhos de rotação, retalhos musculocutâneos ou enxertos. Para lesões que abrangem de 50% até toda a pálpebra, diversas técnicas podem ser empregadas, como retalhos locais, retalho médio frontal, retalhos da pálpebra superior, região temporal, entre outros.5 Estimativas indicam que cerca de 5 a 10% de todos os cânceres de pele ocorrem nas pálpebras. É importante destacar que, apesar de representarem uma proporção relativamente pequena de todos os cânceres de pele, os tumores palpebrais têm implicações clínicas únicas devido à sua localização próxima aos olhos e suas consequências funcionais e estéticas. Portanto, a detecção precoce e o tratamento adequado dessas lesões são essenciais para garantir resultados favoráveis e preservar a saúde ocular e a qualidade de vida do paciente.6
Objetivo
Analisar a epidemiologia e a incidência de complicações em pacientes submetidos a exérese de lesões palpebrais seguido de reconstrução em um serviço de referência no tratamento de lesões tumorais da face em um período de 2 anos.
Método
Foi conduzido um estudo retrospectivo no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital PUC Campinas, localizado em Campinas, São Paulo. O estudo analisou os prontuários de pacientes submetidos à exérese de lesões palpebrais e peripalpebrais, seguida de reconstrução, ao longo de um período de dois anos (fevereiro de 2022 até fevereiro de 2024). A amostra foi composta por 33 pacientes submetidos a ressecção de lesões tumorais na região orbitária, incluindo a pálpebra superior, pálpebra inferior, epicanto medial e lateral, supercílio, região malar e região orbito-zigomática.
Para a constituição da amostra, foram incluídos todos os pacientes com suspeita de lesão cancerígena na pele da região palpebral. Foram excluídos aqueles submetidos à exérese de lesões benignas, como cistos, pápulas, mília, acrocórdons e xantelasmas identificados durante a ectoscopia palpebral. Também foram excluídos pacientes submetidos a exérese de lesões tumorais em outros segmentos faciais, como região frontal, glabelar, nasal, temporal, pré-auricular, mandibular e labial.
Os dados de prontuário considerados foram informações demográficas e clínicas, incluindo idade, gênero, diagnóstico anatomopatológico da lesão tumoral, dimensão da lesão em centímetros e topografia da lesão. Foi avaliada a técnica de reconstrução palpebral empregada, abrangendo fechamento primário, uso de enxertos ou retalhos. A técnica cirúrgica excisional foi realizada de forma padrão com margem de 3 a 4mm para lesões suspeitas de CBC e maior que 5mm na suspeita de CEC e a reconstrução foi realizada de acordo com acometimento das lamelas anterior e posterior.
A incidência de complicações, como comprometimento das margens cirúrgicas, índice de recidiva tumoral, blefarite, lagoftalmo e ectrópio, bem como as formas de correção e manejo para tais complicações, também foram analisadas. Os critérios de recidiva e margem comprometida foram aplicados apenas a lesões malignas confirmadas pelo exame anatomopatológico, enquanto complicações pré-existentes ou não relacionadas à ressecção de lesões palpebrais foram excluídas da análise.
Resultado
No período avaliado foram realizadas 39 exéreses de lesões tumorais na região palpebral em um total de 33 pacientes. Observou-se que 28 pacientes apresentaram uma lesão na região palpebral, 4 pacientes tiveram duas lesões ressecadas e 1 paciente passou por ressecção de três lesões. Entre os pacientes submetidos ao procedimento, foi observada prevalência de pacientes do gênero feminino com 18 pacientes (54.5%) versus 15 pacientes (45.4%) do gênero masculino. A média de idade entre todos os pacientes foi de 67.7 anos (variando de 14 a 95 anos de idade).
A predominância das exéreses de lesões palpebrais relacionou-se predominantemente ao câncer de pele não melanoma, com 17 casos (43.58%) de carcinoma basocelular e 9 casos (23.07%) de carcinoma espinocelular. Observou-se ainda 1 caso de lesão basoescamosa. Uma parcela menor da amostra apresentou lesões benignas, totalizando 30.76% dos casos operados. Essas lesões benignas incluíram 5 casos de queratose seborreica, 3 casos de nevos melanocíticos, 1 caso de hemangioma capilar, 1 caso de hidrocistoma apócrino, 1 caso de hiperplasia de glândula sebácea e 1 caso de adenoma sebáceo (Tabela 1). Entre os 17 casos de CBC, identificamos 1 caso de subtipo micronodular (5,9%), 2 casos de subtipo sólido expansivo (11,8%), 7 casos de subtipo sólido infiltrativo (41,2%), 5 casos de subtipo esclerodermiforme ou morfeaforme (29,4%) e 1 caso não especificado (5,9%).
Após a ressecção de lesões palpebrais, os pacientes foram subdivididos de acordo com a topografia das lesões. Observou-se que as topografias mais frequentemente ressecadas foram: pálpebra inferior (30.7%), seguida pela região malar (28.2%), supercílio (15.3%), epicanto medial (7.6%), orbitozigomático (7.6%), pálpebra superior (5.12%) e epicanto lateral (5. 12%).
A subdivisão das topografias nas lesões malignas revelou um predomínio nas seguintes áreas para o CBC (17 lesões no total): 5 na pálpebra inferior (29.41%), 4 no supercílio (23.52%), 3 na região malar (17.64%), 2 no epicanto medial (11.76%), 2 na pálpebra superior (11.76%), 1 na região órbito zigomática (5.88%) e nenhuma no epicanto lateral (Figura 1).
Para o CEC (total de 9 lesões), as topografias predominantes foram: 3 na região malar (33.33%), 3 na pálpebra inferior (33.33%), 1 no epicanto medial (11.11%), 1 no supercílio (11.11%), 1 na órbita zigomática (11.11%) e nenhuma na pálpebra superior ou epicanto lateral (0%). Foi observada uma lesão basoesquamosa (total de 1), localizada na pálpebra inferior (100%) (Figura 2).
Os diferentes tipos de reconstrução palpebral foram realizados com base no defeito palpebral após excisão cirúrgica (Figura 3). Foram analisadas 39 lesões, sendo que suas dimensões apresentaram variação de 0,2 a 10 cm, com uma média de 1,85 cm. Observou-se que o fechamento primário foi realizado em 28 pacientes (71.79% dos casos), enquanto enxertos foram utilizados em 5 pacientes (12.82% dos casos) e retalhos em 6 pacientes (15.38% dos casos). Os retalhos foram subdivididos da seguinte maneira: 2 casos de retalho glabelar, 1 caso de retalho de Esser, 1 retalho de rotação malar, 1 retalho romboide e em 1 paciente foi realizado um retalho randômico de avanço cervical associado a um retalho de Fricke.
(Imagem A) Das 39 lesões ressecadas, 27 foram diagnosticadas como malignas. Nestes casos, 12 lesões (44,4%) apresentaram margens comprometidas, enquanto 15 (55.5%) foram ressecadas com margens livres de doença. Houve registro de recidiva tumoral em 2 casos, encontrados entre os pacientes com lesão maligna e margens livres. Quanto as complicações associadas ao procedimento cirúrgico, foram observados 6 casos de ectrópio (15.3%) e não houve registro de blefarite e lagoftalmo.
No que tange ao tratamento e manejo das complicações observadas, nos 6 casos de ectrópio, identificou-se que a cirurgia corretiva foi realizada em 3 casos (50%). Dentre os casos submetidos à cirurgia, foi utilizado enxerto em todos os 3 casos e em 2 destes foi empregado no mesmo tempo cirúrgico o retalho de Kuhnt-Szymanowski. Em contrapartida, 2 pacientes optaram por não se submeter à intervenção cirúrgica e 1 paciente aguarda correção do ectrópio.
Discussão
Os tumores cutâneos não melanoma são prevalentes no Brasil, com o CBC sendo o mais comum, representando entre 70% e 75% dos casos, seguido pelo CEC com 20%. O CBC também constitui a maioria dos tumores malignos da pálpebra, representando de 77% a 90% dos casos.1,3 Os resultados do estudo concordam com a literatura, mostrando que o CBC é a lesão palpebral mais comum, com 43.5% dos casos, enquanto o CEC foi encontrado em 23% dos casos. Dados do INCA de 2023 mostram maior incidência de câncer de pele entre mulheres (118.570 casos) comparado aos homens (101.920 casos), com taxas de 107,21 e 96,44 por 100 mil habitantes, respectivamente.7 O estudo também encontrou maior prevalência em mulheres (54%) comparado aos homens (45%) entre os 33 pacientes avaliados. A idade média foi de 67.7 anos, confirmando maior incidência a partir dos 40 anos.7 O CBC geralmente ocorre com maior frequência na pálpebra inferior e no canto medial. 8 No nosso estudo observamos distribuição diferente com 29.41% das lesões na pálpebra inferior e 23% no supercílio. Enquanto estudos anteriores indicam uma maior incidência de CEC na pálpebra superior, nossa pesquisa revelou predomínio na região malar e pálpebra inferior.4 Assim como descrito na literatura, no estudo o fechamento direto do defeito foi preferido sempre que possível, especialmente para lesões que afetam até um quarto da margem palpebral em jovens e até um terço em idosos, com a cantotomia lateral considerada para facilitar o avanço dos tecidos. 9,10,11,12 A técnica de fechamento primário foi empregada em 28 procedimentos, representando 71% da amostra, com uma média de 1,16 cm para as lesões tratadas. Enxertos de pele livre foram utilizados em casos de defeitos extensos e foi optado pelo uso de retalhos em 6 pacientes a descrever: retalho local de rotação de bochecha, retalhos glabelares, retalho de Fricke associado a retalho de avanço cervical, retalho romboide e retalho de Esser. Os retalhos foram realizados para cobertura de defeitos com dimensões médias de 3 cm.A maioria das lesões reconstruídas foi extensa, com exceção de apenas duas menores que 2 cm localizadas na pálpebra superior e canto medial, áreas que frequentemente demandam reconstrução com retalho, conforme evidenciado na literatura.8,9 No estudo, observou-se margens comprometidas em 35.3% dos casos de CBC e em 55.5% dos casos de CEC, com duas recidivas ocorrendo exclusivamente em CBC. Os subtipos de CBC considerados de alto risco (superficial, infiltrativo morfeaforme e micronodular) correspondem a 76.5% dos casos, possivelmente justificando a alta taxa de excisão incompleta observada, que pode variar amplamente na literatura de 11%-85%. 8,14Na nossa amostra, o CEC apresentou lesões com uma média de tamanho de 2,14 cm, indicando um perfil extenso e agressivo. Este fato associado ao perfil dos pacientes encaminhados predominante idosos, caucasianos com histórico de tumores recidivados ou excisões incompletas pode contribuir para a alta taxa margem comprometida. Na nossa amostra observamos ectrópio em pacientes idosos, com maior flacidez cutânea e nas lesões extensas com média de 4 cm de dimensão. O tratamento visa restaurar a estrutura da pálpebra usando enxertos ou retalhos para uma reparação precisa.12,16 Em pacientes com pálpebras flácidas, técnicas de ajuste de tensão são essenciais. A técnica de Kuhnt-Szymanowski foi aplicada em três pacientes para melhorar o suporte e a estabilidade horizontal da pálpebra.
Conclusão
Na nossa amostra, encontramos pacientes de alto risco e complexidade, caracterizados por reconstruções difíceis e, consequentemente, maior risco de excisão incompleta, recidiva e complicações. Apesar dessas dificuldades, os dados obtidos foram consistentes com os encontrados na literatura em termos de manejo cirúrgico. É crucial que os cirurgiões plásticos estejam adequadamente preparados, tanto em termos de conhecimento quanto de técnicas, para enfrentar esse desafio e assegurar aos pacientes resultados funcionais e estéticos adequados.
Referências
VIDE IMAGEM
Palavras Chave
Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos. Pálpebra. Ectrópio.
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Puc Campinas - São Paulo - Brasil
Autores
VICTORIA ACCIOLY RUSSOWSKY, HELENA GOULART GOMES MONTEIRO, DANIELLA NUNES CAMARGO, ANDREZA CRISTINA CAMACHO VARONI, ROGERIO ALEXANDRE MODESTO ABREU, GILSON LUIS DUZ