Dados do Trabalho
Título
PROTOCOLO DE BLOQUEIO REGIONAL PARA ANALGESIA EM CIRURGIA MAMARIA
Resumo
Introdução: O protocolo Enhanced Recovery After Surgery Society (ERAS) busca melhorar os cuidados perioperatórios, reduzindo o tempo de internação em cirurgias plásticas. Para cirurgias mamárias, a anestesia peridural torácica oferece boa analgesia, mas pode ter complicações, diferente dos bloqueios intercostais guiados por ultrassom como o PECS 2 , que apresentam menos intercorrências.
Objetivo: Implementar um protocolo replicável e seguro, que ofereça analgesia de forma eficiente no pós-operatório.
Métodos: Foi realizado um ensaio clínico prospectivo, unicêntrico e comparativo para avaliar um protocolo de analgesia pós-operatória em cirurgias de mama. A primeira fase do trabalho consistiu no grupo piloto. Após avaliação da sua efetividade, deu-se início à segunda fase, em que as pacientes foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos: um recebeu o protocolo com bloqueios anestésicos em ambas as mamas (grupo 1), enquanto o outro foi o controle (grupo 2). As pacientes foram avaliadas segundo os escores de dor (escala visual analógica-EVA).
Resultados: Na avaliação da dor pós-operatória no grupo P (piloto), houve diferença estatística significativa entre as mamas com o protocolo e as com infiltração padrão (p=0,01018), evidenciando menor dor com o protocolo. Já na segunda fase do trabalho verificou-se que a mediana dos escores de dor foi menor no grupo de estudo (grupo 1) em comparação com o grupo controle (grupo 2), p=0,004276). Com relação ao uso de opioides no pós-operatório de resgate, a nalbufina foi necessária em 1 paciente do grupo de estudo (11,1%) e em 2 pacientes do grupo controle (40%), (p=0,2401).
Discussão: O novo protocolo anestésico resultou em menor dor e uso reduzido de opioides após cirurgias mamárias, em comparação com a infiltração padrão. O bloqueio PECS 2 realizado sob visão direta foi seguro e eficaz, proporcionando uma anestesia eficaz para os nervos relevantes na região da mama.
Conclusão: Os resultados indicam que o protocolo anestésico pode ser uma estratégia valiosa, reduzindo a dor pós-operatória, minimizando o uso de opioides e apresentando menos efeitos colaterais.
Introdução
As cirurgias das mamas podem ser realizadas com anestesia geral, com bloqueio peridural alto ou torácico, com bloqueio dos ramos intercostais e/ou com anestesia local. Segundo Leão¹, em 1240 pacientes submetidas a peridural torácica, houve incidência frequente a hipotensão e bradicardia, e as complicações mais graves foram: cinco pacientes com perfuração da dura-máter, um caso com raquianestesia total, intubação orotraqueal, 0.4% radiculalgias e lesões periféricas. Porém, o maior benefício da peridural torácica, para o autor, consiste na melhor analgesia pós-operatória. Tendo em vista as possíveis complicações, as anestesias peridurais torácicas devem ser usadas com cautela.²
Embora os bloqueios intercostais guiados por ultrassom ofereçam menor risco de complicações, não são infrequentes relatos na literatura de punções pleurais, pneumotórax, colocação de cateteres intratorácicos, punção intratecal inadvertida e casos de hipotensão intraoperatória significativa em bloqueio paravertebral.² As principais vantagens relatadas sobre os bloqueios peitorais e do plano serrátil são a relativa facilidade de visualização e superficialidade de estruturas anatômicas e menor potencial de complicação em comparação ao bloqueio paravertebral torácico.³
Além desses, o bloqueio peitoral (PECS 1) é uma injeção local entre os músculos peitoral maior e menor, ao nível da terceira costela, para anestesiar nervos do peitoral lateral e medial (LPN e MPN).⁴ Já o PECS 2 é um bloqueio PECS 1 modificado, pois o anestésico local é depositado entre o peitoral menor e o serrátil, levando a dispersão sob ligamento de Gerdy (fáscia grossa que dá a forma côncava à axila). O PECS 2 tem como alvo a inervação do LPN, MPN, ramos cutâneos laterais dos intercostais e nervo torácico longo.⁵
Na metanálise de Ala Elshanbary (2021), avaliou-se o consumo de analgésicos no pós-operatório comparando o uso de PECS 1, PECS 2 e o controle.⁶ O PECS 2 e o controle reduziram significativamente a pontuação da dor no pós-operatório em todos os momentos medidos (0, 6, 12 e 24h). Já o PECS 1 e o controle não mostraram diferença significativa entre eles. E o PECS 2 mostrou-se superior em comparação ao PECS 1 por apresentar menor consumo de opioides no pós-operatório e melhor alívio da dor. Essa metanálise sugere o bloqueio PECS 2 como opção de primeira linha para analgesia em cirurgias de mama.⁶
Objetivo
Implementar um protocolo replicável e seguro que ofereça analgesia de forma eficiente no pós-operatório de cirurgias de mama estéticas ou reconstrutivas, bem como avaliar sua efetividade.
Método
Foi realizado um ensaio clínico em dupla ocultação, prospectivo, comparativo, unicêntrico. Os critérios de inclusão foram as pacientes submetidas ao protocolo de analgesia pós-operatório para mamoplastia redutora com ou sem implantes, mamoplastia de aumento e reconstrução mamária, entre fevereiro e maio de 2024. Critérios de exclusão foram pacientes que não aceitaram participar da avaliação, não assinaram o termo de consentimento e livre esclarecimento, cirurgias combinadas e outras técnicas anestésicas. O trabalho foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa.
Anestesia geral: todas as pacientes foram submetidas após administração pré-anéstesica de midazolam, sendo realizada indução com fentanil, lidocaína, propofol, rocurônio e manutenção com sevoflurano. O bolus de fentanil (1mcg/kg) foi administrado quando níveis de pressão arterial sistólica (PAS) ou frequência cardíaca (FC) excederam os valores basais em 20%. Além disso, efedrina (5mg) para hipotensão e atropina (0.5mg) para bradicardia foram utilizadas.
As pacientes foram avaliadas segundo os escores de dor (escala visual analógica-EVA) após as primeiras 12 horas de pós-operatório. Utilizou-se uma escala de dor para mama e axila, e se analisou a necessidade de analgésicos endovenosos de resgate. A analgesia endovenosa pós-operatória foi padronizada com novalgina 1 grama de 6/6 horas, Nalbufina 10mg de 8/8 horas, se necessário, e anti-inflamatório Tenoxicam 20mg de 12/12 horas.
O trabalho teve duas etapas. Na primeira etapa foi realizado um teste piloto com o protocolo em apenas uma das mamas, para avaliar a eficiência do tratamento (grupo P - piloto), em um estudo duplo-cego com as pacientes, no qual observou-se que o resultado da escala visual da dor apresentava diferença significativa entre as mamas. Na segunda fase do trabalho, as pacientes foram escolhidas aleatoriamente para compor o grupo com bloqueio anestésico (grupo 1) ou o grupo controle (grupo 2).
A infiltração local padrão foi realizada com 200ml de soro fisiológico 0.9% e adrenalina na concentração 1/200.000, distribuídas equitativamente entre as mamas: 100 ml para cada mama. O protocolo foi realizado com uma solução de 120ml de soro fisiológico 0.9% + 1 ampola de adrenalina + 40 ml de lidocaína 2% + 40 ml de Ropivacaína 0.5%, totalizando 200ml de solução a 1:200.000 de adrenalina, distribuídas igualmente entre as 2 mamas.
Os volumes preconizados nas duas técnicas foram iguais em relação ao volume e técnicas de infiltração, sendo 4 seringas de 20 ml distribuídas ao redor da mama seguindo o “footprint” mamário no plano profundo com a finalidade de bloquear toda a inervação da mama no sulco mamário (20 ml) na medial (20 ml), na parte superior (20 ml|), na parte lateral da mama (20 ml), complementando com 10 ml direcionado para a área do nervo torácico longo. Uma particularidade na infiltração do protocolo é a realização do bloqueio PECS 2 com volume de 10 ml da solução realizado sob visão direta. Totalizando 100 ml de solução para cada mama.
Resultado
O grupo P (piloto) teve 7 pacientes e tempo médio de cirurgia (TMC) de 170,5 minutos (2 horas e 50 min). O grupo 1 teve 9 pacientes, com TMC de 160,5 minutos. Já o grupo 2 teve 5 pacientes e TMC de 168,8 minutos. O IMC médio dos grupos foi de 22,56, ou seja, dentro da faixa de menor risco de desenvolvimento de comorbidades. Além disso, não houve um tipo de cirurgia predominante, dentre os grupos estudados (Tabela 2 e Tabela 3).
Na avaliação da dor pós-operatória do grupo P (piloto), verificou-se diferença estatística entre a mama com aplicação do protocolo e a mama com infiltração padrão com p=0.01018. Foi demostrado na tabela 4 no grupo piloto a comparação das medianas entre a mama com bloqueio anestésico e a mama com infiltração padrão, demostrando menor dor pós-operatória com mediana 6 versus 2. (tabela 5 e gráfico boxplot 2)
Já em relação à mediana dos escores de dor (escala numérica), esta foi menor nas pacientes do grupo do estudo (grupo 1), em relação às pacientes do grupo controle (grupo 2) (2 [0 a 2] versus [4 a 6], p=0.004276), o que foi exemplificado na tabela 6 e na escala numérica da dor, presente no gráfico boxplot 1.
Com relação ao uso de opioides no pós-operatório de resgate, o uso da nalbufina foi necessário no grupo estudo, em 1 paciente, de um total de 9 (11.1%). Já no grupo controle a proporção foi 2 pacientes, de um total de 5 (40%) (RR 0.2778, IC 95%: 0,0328 a 2,3541, p= 0,2401).
Discussão
O estudo demonstrou que as pacientes submetidas ao protocolo tiveram menores escores de dor perioperatória, até 12 horas após cirurgias mamárias, em comparação com infiltração padrão, além de um menor uso de opioides para controle analgésico de resgate. Não houve diferença estatística em relação ao uso de opioides de resgate no pós-operatório, provavelmente porque o número de pacientes foi pequeno. O PECS 2 realizado sob visão direta se mostrou seguro por não terem sido relatadas até o momento complicações como pneumotórax ou sangramento por lesão vascular.⁷
O grupo P apresentou melhor cobertura analgésica da mama e axila com o protocolo, em relação ao lado com infiltração padrão, o qual foi exemplificado na tabela 5 e gráfico 2, que apresentou p= 0,1018. Segundo Mendonça et. Al (2022), o procedimento com o protocolo utilizando PECS 2 objetiva a anestesia dos nervos intercostais T2-T4, até T6, após uso de anestésico local entre o músculo peitoral maior, menor e serrátil.⁷ O PECS 2 permite a dispersão do anestésico local para os nervos toracodorsal, torácico longo, intercostobraquial, peitoral (medial e lateral) e intercostais.⁸ (tabela 1 e figura 1).
Embora já relatadas na literatura as vantagens do PECS 2 em cirurgias mamárias em comparação ao bloqueio peridural e paravertebral torácico (BPV),⁹ não foram encontrados dados sobre técnica de anestesia local com solução de lidocaína 2%, ropivacaína 0.5% + efedrina + soro fisiológico 0.9% com concentração 1/200.000 em comparação ao grupo controle.
Os dados analisados por meio de comparação entre os grupos 1 e 2 sugerem que o protocolo pode servir como fator de proteção, diminuindo a sensibilização do sistema nervoso central e periférico¹⁰, pois reduz o estímulo agudo da dor, minimizando as chances de evolução para dor crônica. Esse fato é demonstrado pelo gráfico 1 boxplot, em que houve, na escala numérica de dor, o melhor controle no pós-operatório do grupo estudo em relação ao grupo controle, com significância estatística p= 0,004276.
A fisiopatologia relacionada ao período após a ação dos anestésicos locais e bloqueios ainda não é bem compreendida no contexto do desenvolvimento da dor pós-operatória, mas evidências sugerem que a interrupção do pico do estímulo nociceptivo agudo pode minimizar a plasticidade neural patológica envolvida na gênese da dor, reduzir o estresse simpático e a inflamação.¹⁰
Conclusão
Os resultados do presente estudo indicam que o protocolo anestésico pode ser uma estratégia importante, por apresentar menor dor pós-operatória e menor necessidade de uso de opioides de resgate durante a internação, assim como menores efeitos colaterais.
A limitação do presente estudo foi o número reduzido de pacientes analisadas, o que pode ter impactado no poder estatístico e desfecho secundários. Não obstante, o protocolo é de alta replicabilidade e a continuação desse estudo pode corroborar a estatística.
Referências
1-Peridural Torácica: Estudo Retrospectivo de 1240 Casos * Dalmo Garcia Leão, TSA 1 Leão DG - Thoracic Epidural Anesthesia: Analysis of 1240 Cases.
2-França, Marcello De Albuquerque, et al. “Epidural Anesthesia: Advantages and Disadvantages in the Current Anesthesia Practice”. Revista Médica de Minas Gerais, vol. 25, 2015.
3-Faustino, Leandro Dário, e Laís Martins Lucas Oliveira. “Ultrasound-Guided Regional Anesthesia in Cosmetic Plastic Surgeries of the Breasts”. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Sugery, vol. 36, no 3, 2021, p. 327–33, 2021,RBCP0098.
4-Go R, Huang YY, Weyker PD, Webb CA. Truncal blocks for perioperative pain management: a review of the literature and evolving techniques. PainManag. 2016 Out;6(5):455-68.
5-JUNG, Luiz Alfredo; CÉ, A. C. O. Complicações relacionadas à anestesia. Brazilian Journal of Anesthesiology, v. 36, n. 6, p. 441-448, 2020.
6-Elshanbary AA, Zaazouee MS, Darwish YB, Omran MJ, Elkilany AY, Abdo MS, Saadeldin AM, Elkady S, Nourelden AZ, Ragab KM. Efficacy and Safety of Pectoral Nerve Block (Pecs) Compared With Control, Paravertebral Block, Erector Spinae Plane Block: A Systematic Review and Meta-analysis. Clin J Pain. 2021 Dec 1;37(12):925-939.
7-Tavares Mendonça F, de Assis Feitosa Junior A, Nogueira H, Roncolato H, Sousa Goveia C. Efficacy of type-I and type-II pectoral nerve blocks (PECS I and II) in patients undergoing mastectomy: a prospective randomised clinical trial. Anaesthesiol Intensive Ther. 2022;54(4):302-309.
8-Ueshima H, Otake H. Bloqueio dos nervos peitorais guiado por ultrassom (PECS): complicações observadas em 498 casosconsecutivos. J Clin Anesth 2017; 42: 46.
9-Berde CB, Strichartz GR. Local anesthetics. In: Miller RD. Miller’s anesthesia. 8th ed. Philadelphia: Elsevier/Saunders; 2015. p. 1028-54.
10-Mendonça FT, Nascimento LFC, Veloso NM, Basto GCP. Long-term Efficacy of Pectoserratus Plane Block (PSPB) for Prevention of Post-mastectomy Pain Syndrome: Extended Follow-up From a Randomized Controlled Trial. Clin J Pain. 2023 Jul 1;39(7):334-339. 2022;54(4):302309.
Palavras Chave
Analgesia; Anestesia; Mama
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
HOSPITAL DAHER LAGO SUL - Distrito Federal - Brasil
Autores
IGOR MOURA SOARES, MARCELA CAETANO CAMMAROTA, JOSÉ CARLOS DAHER, LUANNA PAULA AFONSO ITACARAMBY, SAULO FRANCISCO DE ASSIS GOMES, VITOR VARJÃO CHIANG