60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

CARCINOMA TRIQUILEMAL EM COURO CABELUDO - UM RELATO DE CASO

Resumo

O carcinoma triquilemal é um tumor maligno raro que se origina no folículo piloso, com menos de 150 casos descritos na literatura. Sua apresentação clínica é variada, acometendo principalmente homens idosos, em áreas expostas ao sol. Apesar de apresentar características histológicas que sugerem malignidade de intermediário-alto grau, sua evolução costuma ser indolente, sendo infrequente a presença de metástases e recidivas. No presente estudo relatamos um caso de carcinoma triquilemal em região occipital atendido no ambulatório de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE-SP). Foi realizada ressecção ampla do tumor com margens cirúrgicas livres, com realização de enxertia de pele total em região do defeito, com área doadora supra-púbica.

Introdução

O carcinoma triquilemal (CT) é um tumor maligno raro do folículo piloso, com incidência estimada em 0,05% dos tumores cutâneos. Sendo mais comum entre a quarta e nona década de vida. Tendo 136 casos reportados na literatura, e patogênese ainda desconhecida Sua apresentação clínica variada confunde-se com outras neoplasias cutâneas, incluindo o carcinoma basocelular (CBC) e o carcinoma espinocelular (CEC), que devem ser avaliados como diagnósticos diferenciais. Seu diagnóstico é baseado na avaliação histopatológica e, apesar de apresentar características que sugerem malignidade de intermediário-alto grau, costumam apresentar curso clínico indolente, com metástases regionais e a distância possíveis, porém raras. (1,2,3,4,5)

Objetivo

Relato de um caso de carcinoma triquilemal em região occipital atendido no ambulatório de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE-SP).

Método

O relato de caso foi realizado através de consulta de prontuário, documentação de prontuário médico institucional, arquivo fotográfico pessoal e revisão bibliográfica. Para a revisão, foram pesquisados artigos publicados na base de dados Pubmed entre 2010 e 2024, utilizando os descritores “carcinoma triquilemal” e “reconstrução de couro cabeludo”.

Resultado

Paciente feminino, 31 anos reportou nodulação indolor em couro cabeludo em região occipital à esquerda com aparecimento há 2 meses. Ultrassom de partes moles evidenciou uma imagem nodular, hipoecogênica com contornos regulares, medindo 2,7x1,7x2,8 cm, de aspecto indeterminado. Foi submetida a ressecção da lesão com fechamento primário. Peça foi encaminhada para analise histológica e apresentava aspecto granuloso de coloração acastanhada, consistência firme com conteúdo caseoso esbranquiçado, medindo aproximadamente 4,5 x 3,5 cm, que evidenciou se tratar de um tumor triquilemal proliferante maligno com margens comprometidas.
40 dias após a ressecção, a paciente relatou crescimento rapidamente progressivo de lesão em mesma topografia, apresentava lesão nodular em região occipital a esquerda do couro cabeludo, móvel, medindo aproximadamente 5x5cm de consistência endurecida, indolor e sem sinais flogísticos associados, sem alterações no exame cervical (Imagem 1). A ressonância de crânio evidenciava formação expansiva heterogênea, de aspecto nodular ovalado, contornos bem definidos, localizada no subcutâneo da região occipital paramediana a esquerda, exibindo intenso realce homogêneo ao meio de contraste paramagnético, medindo cerca de 2,9x1,8x2,8 cm, de aspecto inespecífico (Imagem 2).
Paciente foi então submetida a ressecção da lesão com margens de 2cm e margem profunda até a fáscia do músculo trapézio e ressecção do periósteo da eminência occipital, onde situava o epicentro da lesão (Imagem 3), realizado congelação intraoperatória que evidenciou margens livres e análise anatomopatológica confirmou carcinoma triquilemal moderadamente diferenciado infiltrando até derme profunda, com margens cirúrgicas livres de comprometimento neoplásico (Imagem 4). Por se tratar de uma lesão recidivada com crescimento rapidamente progressivo foi optado por reconstrução com enxerto de pele total abdominal (Imagem 5).

Discussão

O couro cabeludo é composto por uma estrutura estratificada (consistindo em epiderme, derme, subcutâneo, aponeurose epicranial, periósteo e crânio) e anexos cutâneos (glândula sebácea, folículo piloso, glândulas apócrinas e écrinas), que são entremeados por uma densa rede de vasos sanguíneos e linfáticos. Frente a esta vasta base estrutural, diversos tipos de tumor podem surgir nesta região, com imenso e heterogêneo espectro clínico. (6) Felizmente, estes tumores são predominante benignos (98-99%), sendo descritos o cisto triquilemal (40%), cisto epidermoide (15,4%), lipoma (8,4%), nevus intradérmico (8,1%) entre outras lesões menos frequentes (como cisto sebáceo, queratose seborreica e hemangioma). (6,7,8) Apesar de apenas 1-2% dos tumores do couro cabeludo serem malignos, eles representam até 13% de todas as neoplasias cutâneas malignas. Entre os tumores malignos foi evidenciado que o carcinoma basocelular (CBC – 41%) e o carcinoma espinocelular (CEC – 16%) são os mais frequentes, seguidos por metástases (12% – com tumores primários mais comuns em pulmão, cólon, fígado e mama), linfoma (5%), angiossarcoma (<1%), melanoma (<1%), carcinoma anexial (<1%) e carcinoma de células de Merkel (< 1%). (7,9) Assim como os tumores de pele que acometem outras localizações, o principal fator de risco descrito para o desenvolvimento de tumores do couro cabeludo é a exposição UV; outros fatores relatados incluem exposição à radiação ionizante, feridas crônicas, cicatrizes, infecção pelo vírus HPV e imunossupressão. (6,7) O diagnóstico destas lesões demonstra um importante desafio, sendo a maioria delas diagnosticadas em estágios avançados, quando já se apresentam como massas visíveis e palpáveis. Esta dificuldade se faz presente pela difícil visualização e auto-inspeção das lesões nesta localização. (6,9) A diferenciação histopatológica se faz necessária para o diagnóstico, visto que a diferenciação clínica é pouco confiável, com baixos índices de acerto pré-operatório do diagnóstico (13-27%). (8) Múltiplas variáveis devem ser consideradas na escolha do tratamento dos tumores do couro cabeludo, entre elas o tipo de lesão, a presença de malignidade, diâmetro e profundidade da lesão, sítio acometido e aspectos clínicos do paciente. (6)
Entre os tumores que podem acometer o couro cabeludo, os tumores anexiais apresentam um amplo espectro de lesões, visto se tratar de uma complexa estrutura epitelial, mioepitelial e mesenquimal. (6) Dentre eles encontra-se o carcinoma triquilemal (CT), um tumor maligno raro que se origina no epitélio da bainha radicular externa do folículo piloso. Por ser raramente visto, com menos de 150 casos relatados em literatura, sua real incidência é desconhecida. Há uma discreta predominância em homens, com idade média em torno dos 70 anos, sem correlação étnica evidente. (1,2,3,4)
O CT geralmente se localiza em áreas expostas ao sol – sugerindo um papel importante da exposição à radiação UV como fator de risco – acometendo principalmente região de cabeça e pescoço, sendo o couro cabeludo o principal sítio descrito (correspondendo a aproximadamente 85% dos casos). (1,2,3,4,10) Diversos outros fatores de risco são descritos, incluindo radiação ionizante, trauma ou cicatriz prévia, síndromes genéticas (como xeroderma pigmentoso e síndrome de Cowden) e imunossupressão em pacientes transplantados de órgãos sólidos. Existem ainda relatos de transformação maligna do CT a partir de lesões benignas precursoras, como o triquilemoma, cisto triquilemal, queratose seborreica e nevus sebáceo. A verdadeira patogênese do CT, entretanto, ainda não está completamente esclarecida. (1,2,3,4)
Clinicamente, o CT pode se apresentar de diversas formas, sendo geralmente descrito como lesão única e assintomática, podendo ser exofítica, polipóide, nodular, ulcerada ou placa endurada. Demonstra ainda semelhança clínica à outras lesões cutâneas, como o carcinoma basocelular (CBC), carcinoma espinocelular (CEC), queratoacantoma e tumores pilares proliferativos, que devem ser avaliados como diagnósticos diferenciais. (1,2,3,4) O tempo médio de evolução até o diagnóstico é de 18 meses, com tamanho médio de 2,0 cm. (3) Devido à variedade de apresentação clínica e à raridade dos casos, o CT geralmente não é suspeitado no momento em que é feita a biópsia. (3)
O diagnóstico é baseado na avaliação histopatológica por lâminas coradas por hematoxilina-eosina e, quando necessário, complementada por avaliação imunohistoquímica. A queratinização triquilemal e o aspecto celular periférico em paliçada são sinais que representam origem tumoral na bainha radicular do folículo; suas células são grandes, com citoplasma claro e abundante e proliferação epitelial extensa, possuindo atipia nuclear e pleomorfismo celular com altos índices mitóticos, podendo apresentar necrose e ulceração, características que diferenciam o CT do triquilemoma e que estão associadas a seu comportamento maligno. (1,2,3,5,6,10) O crescimento costuma ser lobular, infiltrativo e frequentemente centrado na unidade pilosebácea. (3)
O CT é uma lesão maligna atípica com características que sugerem malignidade de intermediário-alto grau, sendo localmente agressivos, porém com curso clínico indolente, sendo as metástases regionais e a distância possíveis, porém raras. (1,2,4,5) A recorrência local após excisão ampla também é pouco frequente. (2,4,5) O screening costuma ser relatado na literatura com tomografias de crânio, cervical e toracoabdominal. (1)
A excisão ampla da lesão, com margens cirúrgicas livres, é considerada o tratamento padrão ouro para o CT; (1,2,5)
Não há estabelecido tratamento de escolha para lesões metastáticas, tampouco regime quimioterápico. (1,4) Não há também consenso sobre terapia adjuvante, apesar da radioterapia poder ser recomendada em pacientes considerados de alto risco, quando a ressecção completa não é possível ou na presença de recorrência ou metástase. (1,5,11)
Não existem guidelines acerca do seguimento do CT, entretanto, recomenda-se que seja semelhante ao do câncer de pele não melanoma, incluindo orientações de fotoproteção, reconhecimento de lesões suspeitas e seguimento dermatológico a cada 6-12 meses. (1,3)
Os dados prognósticos do CT são escassos, visto se tratar de uma lesão rara. A sobrevida média descrita em literatura é de 88 meses 2 ou 89,2% em 5 anos 16, apresentando pior prognóstico aqueles com metástase linfonodal ou a distância e margem cirúrgica comprometida. Não houve correlação significativa entre sexo, idade, tamanho do tumor e recorrência local. (4)

Conclusão

O CT é um tumor maligno raro do folículo piloso, com poucos estudos descritos em literatura, sendo a maior parte deles relatos de caso, não havendo ainda guidelines específicos quanto ao tratamento e seguimento destes tumores. O uso de terapia adjuvante com quimioterapia e radioterapia ainda se mantém obscuro, com poucos casos relatados em literatura, o que ainda não permite uma definição exata quanto sua utilização. Entretanto, observa-se uma tendência de tratamento e seguimento semelhantes aos realizados no câncer de pele não melanoma. No caso apresentado em nosso serviço, a paciente é mais jovem e o tumor é maior do que a média relatada em literatura, além de não manter o padrão de acometimento em área de exposição solar, em região de cabeça e pescoço, devido sua topografia em região occipital, em área coberta por cabelo. Conforme a maioria das estatísticas, em um seguimento de 18 meses, vem mantendo resultados oncológicos satisfatórios, sem indícios de recidiva ou metástases.

Referências

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Palavras Chave

carcinoma triquilemal; couro cabeludo; Neoplasias cutâneas

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Instituto de Assistencia Médica ao Servidor Publico Estadual - São Paulo - Brasil

Autores

MARIA MADUREIRA MURTA, RAFAELA MIHO YTO, MAURICIO DA SILVA LORENA DE OLIVEIRA, EDUARDO MACHADO MARIANO